De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

'Pronto, Falei': não perde este 'Annie Hall'


Por Rodrigo Fonseca
 

RODRIGO FONSECA Tempos de crise econômica sempre foram azedos para a comédia popularesca, fomentando mais a gênese de uma narrativa humorística cronista (o sucesso do "Greg News" vem daí) ou para cartografias de costumes (como se viu em Frank Capra, pós o Crack da Bolsa de 1929) ou na geração Brat Pack (com John Hughes) nos EUA dos anos 1980. Vivemos arrochos no planeta todo, vemos um recrudescimento da direita conservadora e encaramos a guerra na Ucrânia, sendo amenizados só por sazonais conquistas, como a saída de Trump e a recente mudança eleitoral em nossas terras. Diante de nuvens plúmbeas que trazem pancadas de chuva sobre o nosso bolso, as neochanchadas deram uma embotada e passaram a render bem pouco em circuito... isso quando não migram diretamente pro streaming. Nesse cenário de tempestade, "Pronto, Falei", de Michel Tikhomiroff, chega às telas como um bote salva-vidas (inflado de inteligência) para salvar a leveza que perdemos. É engraçado, tem charme pacas, promove um sagaz balanço da profissão de jornalista e ainda consagra uma estrela que chegou para ficar (e brilhar): Duda Santos. Sabe aquele tipo de trama que consegue te surpreender por todas as vielas, todas as esquinas, todos os cruzamentos, apoiando-se na palavra, mas sem descuidar de uma elegância visual sóbria? É isso que esse "Annie Hall" nacional nos dá. Sim... você leu certo: "Annie Hall", aqui chamado "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa". Aquele cult de 1977 que rendeu quatro Oscars a Woody Allen e faturou US$ 38 milhões. Não há como não pensar em Alvy Singer, o personagem de Woody naquele longa, quando Nicolas Prattes (um ator em fase de apogeu) desembesta a falar pelos cotovelos com a gente, traduzindo inquietações do verbo "amar" nas desinências do Presente. Com aura de ROmCom (comédia romântica), "Pronto, Falei" é um estudo sobre sinceridade, ou seja, a verdade de meias felpudas. Não confunda com sua gêmea indelicada, a franqueza, que é a verdade de arame farpado. Centrado no universo de uma redação de jornal, terra hoje muito associada à ideia de fake news, o filme se posiciona politicamente na realidade que vivemos ao propor (com maturidade) uma discussão sobre urgência, pertinência e autoria na narrativa que se pratica no ambiente jornalístico, na reportagem ou no colunismo. Uma das discussões que dão esqueleto (sólido como adamantium, o elemento químico fictício nas garras do Wolverine) a um enredo sobre (auto)afirmação e benquerer é a maneira como um emissor de opiniões ou de notícias lida com a responsabilidade sobre seu discurso.

Edgar é o James Dean de araque vivido por um Romulo Arantes Neto com ares de Hugh Grant  Foto: Estadão
continua após a publicidade

Renato, personagem de Prattes, é um assistente editorial com verve de Paulo Mendes Campos que empresta seus dons de boa pena a um colega sem talento e sem caráter, o fotógrafo, aspirante a colunista e dublê de James Dean Edgar (encarnado por um Romulo Arantes Neto com ares de Hugh Grant). Há um domínio pleno da gramática e da poesia em Renato. Mas falta a ele a coragem para se assumir escritor. Plenitude... de excelência... é algo que também se encontra em Daniela, a intrépida repórter vivida por Duda Santos, numa atuação destemida, que evoca grandes divas da hard news como Lena Frias (1944-2004), às do JB. Daniela tem um escândalo público para denunciar, mas a cobertura que planeja esbarra no veto de seu editor, Gian (Fábio Herford, um cartum humano, ampla vivacidade cênica), temeroso de problemas com autoridades civis. Ao contrário de Renato, que não arca com a responsabilidade pelo lirismo de sua escrita, Daniela tem total consciência do quão importante é a informação que detém. Mas... entre o fato e a lenda... imprime-se o que dá likes e evita-se o que gera deslike. São os novos tempos. Novos tempos em que Renato, obsedado diante da inércia de seu trabalho e da mesmice de seu namoro com Janaína (uma Kéfera Buchmann com ar e graça de Diane Keaton), resolve dar um basta em tudo, escrevendo e-mails de descarrego que morrem em sua caixa de rascunho. Morrem até renascerem por excesso de lixo virtual e pipocarem inbox na caixa dos colegas e de Janaina, trazendo desconforto e tumulto. Mas Edgar, ave de rapina de carteirinha, sabe muito bem que todo carvão é um potencial diamante, e se aproveita da fraqueza de Renato, endurecendo-o ao estágio de pedra preciosa ao forçá-lo a escrever ensaios e crônica que não serão assinadas por seu autor. É Edgar quem leva a fama. Ele assume a culpa pelos e-mails iracundos em troca de ter um "escrito fantasma" a seu dispor. Com isso, nasce um Rubem Braga da noite pro dia, capaz até de seduzir Daniela, cujo perfil heroico amolece o miocárdio de Renato.

Aspirante a Clark Kent, Renato (Nicolas Prattes) é a prova de que no peito do Homem de Aço bate um coração que usa óculos  Foto: Estadão

Oprimido por um noivado às pressas com Janaina, por uma viagem a um resort com grude à italiana e pela ostentação literária de Edgar, Renato se perde em sua própria fragilidade, qual Alvy Singer, o "noivo neurótico" de Woody Allen. Como Alvy, Renato estabelece conosco, a plateia, uma relação de falador... ou melhor... de fala-a-dor. No filme de 1977, Alvy quebrava a quarta parede. Renato, não. Seus pensamentos é que conversam com a gente, apoiados numa engenharia sonora que a direção de Michel Tikhomiroff estrutura com perfeição. Aliás, há uma linha autoral nítida entre "Pronto, Falei" e seu longa anterior, o existencialíssimo "Confia Em Mim" (2014), que também refletia sobre aparências, afirmações e decisões erradas. O que existe de diferencial aqui é a precisão de relógio suíço com que o diretor consegue revolver seus temas de trabalho mais essenciais com um dinamismo cômico de elevar o espírito. O que torna "Annie Hall" um filme único - na obra de um cineasta cuja assinatura autoral vem da tese "só o amor não correspondido dura para sempre" - é o fato de ele alicerçar seu amor no Zeitgeist do fim dos anos 1970, propondo não só uma autopsia em corpo vivo de figuras demasiadamente humanas, mas também uma autopsia de uma era. É isso o que o longa de Michel faz, elevando-se como narrativa fílmica na fotografia de colorido equilibrado de Rodrigo Reis. O roteiro filmado pelo cineasta - assinado por Fabio Danesi, Camila Raffanti e Alexandre Soares Silva - consegue dar taquicardia a verbos, advérbios e preposições com um tempo de riso ajustado. E Nicolas se agiganta diante de cada verbete empregado por Renato como escudo ou como aríete. É um filme de rara beleza esse "Pronto, Falei". Que Michel filme mais... e logo. Estreia na quinta, dia 8. Corre pro cinema. É pra ver na telona.

 

RODRIGO FONSECA Tempos de crise econômica sempre foram azedos para a comédia popularesca, fomentando mais a gênese de uma narrativa humorística cronista (o sucesso do "Greg News" vem daí) ou para cartografias de costumes (como se viu em Frank Capra, pós o Crack da Bolsa de 1929) ou na geração Brat Pack (com John Hughes) nos EUA dos anos 1980. Vivemos arrochos no planeta todo, vemos um recrudescimento da direita conservadora e encaramos a guerra na Ucrânia, sendo amenizados só por sazonais conquistas, como a saída de Trump e a recente mudança eleitoral em nossas terras. Diante de nuvens plúmbeas que trazem pancadas de chuva sobre o nosso bolso, as neochanchadas deram uma embotada e passaram a render bem pouco em circuito... isso quando não migram diretamente pro streaming. Nesse cenário de tempestade, "Pronto, Falei", de Michel Tikhomiroff, chega às telas como um bote salva-vidas (inflado de inteligência) para salvar a leveza que perdemos. É engraçado, tem charme pacas, promove um sagaz balanço da profissão de jornalista e ainda consagra uma estrela que chegou para ficar (e brilhar): Duda Santos. Sabe aquele tipo de trama que consegue te surpreender por todas as vielas, todas as esquinas, todos os cruzamentos, apoiando-se na palavra, mas sem descuidar de uma elegância visual sóbria? É isso que esse "Annie Hall" nacional nos dá. Sim... você leu certo: "Annie Hall", aqui chamado "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa". Aquele cult de 1977 que rendeu quatro Oscars a Woody Allen e faturou US$ 38 milhões. Não há como não pensar em Alvy Singer, o personagem de Woody naquele longa, quando Nicolas Prattes (um ator em fase de apogeu) desembesta a falar pelos cotovelos com a gente, traduzindo inquietações do verbo "amar" nas desinências do Presente. Com aura de ROmCom (comédia romântica), "Pronto, Falei" é um estudo sobre sinceridade, ou seja, a verdade de meias felpudas. Não confunda com sua gêmea indelicada, a franqueza, que é a verdade de arame farpado. Centrado no universo de uma redação de jornal, terra hoje muito associada à ideia de fake news, o filme se posiciona politicamente na realidade que vivemos ao propor (com maturidade) uma discussão sobre urgência, pertinência e autoria na narrativa que se pratica no ambiente jornalístico, na reportagem ou no colunismo. Uma das discussões que dão esqueleto (sólido como adamantium, o elemento químico fictício nas garras do Wolverine) a um enredo sobre (auto)afirmação e benquerer é a maneira como um emissor de opiniões ou de notícias lida com a responsabilidade sobre seu discurso.

Edgar é o James Dean de araque vivido por um Romulo Arantes Neto com ares de Hugh Grant  Foto: Estadão

Renato, personagem de Prattes, é um assistente editorial com verve de Paulo Mendes Campos que empresta seus dons de boa pena a um colega sem talento e sem caráter, o fotógrafo, aspirante a colunista e dublê de James Dean Edgar (encarnado por um Romulo Arantes Neto com ares de Hugh Grant). Há um domínio pleno da gramática e da poesia em Renato. Mas falta a ele a coragem para se assumir escritor. Plenitude... de excelência... é algo que também se encontra em Daniela, a intrépida repórter vivida por Duda Santos, numa atuação destemida, que evoca grandes divas da hard news como Lena Frias (1944-2004), às do JB. Daniela tem um escândalo público para denunciar, mas a cobertura que planeja esbarra no veto de seu editor, Gian (Fábio Herford, um cartum humano, ampla vivacidade cênica), temeroso de problemas com autoridades civis. Ao contrário de Renato, que não arca com a responsabilidade pelo lirismo de sua escrita, Daniela tem total consciência do quão importante é a informação que detém. Mas... entre o fato e a lenda... imprime-se o que dá likes e evita-se o que gera deslike. São os novos tempos. Novos tempos em que Renato, obsedado diante da inércia de seu trabalho e da mesmice de seu namoro com Janaína (uma Kéfera Buchmann com ar e graça de Diane Keaton), resolve dar um basta em tudo, escrevendo e-mails de descarrego que morrem em sua caixa de rascunho. Morrem até renascerem por excesso de lixo virtual e pipocarem inbox na caixa dos colegas e de Janaina, trazendo desconforto e tumulto. Mas Edgar, ave de rapina de carteirinha, sabe muito bem que todo carvão é um potencial diamante, e se aproveita da fraqueza de Renato, endurecendo-o ao estágio de pedra preciosa ao forçá-lo a escrever ensaios e crônica que não serão assinadas por seu autor. É Edgar quem leva a fama. Ele assume a culpa pelos e-mails iracundos em troca de ter um "escrito fantasma" a seu dispor. Com isso, nasce um Rubem Braga da noite pro dia, capaz até de seduzir Daniela, cujo perfil heroico amolece o miocárdio de Renato.

Aspirante a Clark Kent, Renato (Nicolas Prattes) é a prova de que no peito do Homem de Aço bate um coração que usa óculos  Foto: Estadão

Oprimido por um noivado às pressas com Janaina, por uma viagem a um resort com grude à italiana e pela ostentação literária de Edgar, Renato se perde em sua própria fragilidade, qual Alvy Singer, o "noivo neurótico" de Woody Allen. Como Alvy, Renato estabelece conosco, a plateia, uma relação de falador... ou melhor... de fala-a-dor. No filme de 1977, Alvy quebrava a quarta parede. Renato, não. Seus pensamentos é que conversam com a gente, apoiados numa engenharia sonora que a direção de Michel Tikhomiroff estrutura com perfeição. Aliás, há uma linha autoral nítida entre "Pronto, Falei" e seu longa anterior, o existencialíssimo "Confia Em Mim" (2014), que também refletia sobre aparências, afirmações e decisões erradas. O que existe de diferencial aqui é a precisão de relógio suíço com que o diretor consegue revolver seus temas de trabalho mais essenciais com um dinamismo cômico de elevar o espírito. O que torna "Annie Hall" um filme único - na obra de um cineasta cuja assinatura autoral vem da tese "só o amor não correspondido dura para sempre" - é o fato de ele alicerçar seu amor no Zeitgeist do fim dos anos 1970, propondo não só uma autopsia em corpo vivo de figuras demasiadamente humanas, mas também uma autopsia de uma era. É isso o que o longa de Michel faz, elevando-se como narrativa fílmica na fotografia de colorido equilibrado de Rodrigo Reis. O roteiro filmado pelo cineasta - assinado por Fabio Danesi, Camila Raffanti e Alexandre Soares Silva - consegue dar taquicardia a verbos, advérbios e preposições com um tempo de riso ajustado. E Nicolas se agiganta diante de cada verbete empregado por Renato como escudo ou como aríete. É um filme de rara beleza esse "Pronto, Falei". Que Michel filme mais... e logo. Estreia na quinta, dia 8. Corre pro cinema. É pra ver na telona.

 

RODRIGO FONSECA Tempos de crise econômica sempre foram azedos para a comédia popularesca, fomentando mais a gênese de uma narrativa humorística cronista (o sucesso do "Greg News" vem daí) ou para cartografias de costumes (como se viu em Frank Capra, pós o Crack da Bolsa de 1929) ou na geração Brat Pack (com John Hughes) nos EUA dos anos 1980. Vivemos arrochos no planeta todo, vemos um recrudescimento da direita conservadora e encaramos a guerra na Ucrânia, sendo amenizados só por sazonais conquistas, como a saída de Trump e a recente mudança eleitoral em nossas terras. Diante de nuvens plúmbeas que trazem pancadas de chuva sobre o nosso bolso, as neochanchadas deram uma embotada e passaram a render bem pouco em circuito... isso quando não migram diretamente pro streaming. Nesse cenário de tempestade, "Pronto, Falei", de Michel Tikhomiroff, chega às telas como um bote salva-vidas (inflado de inteligência) para salvar a leveza que perdemos. É engraçado, tem charme pacas, promove um sagaz balanço da profissão de jornalista e ainda consagra uma estrela que chegou para ficar (e brilhar): Duda Santos. Sabe aquele tipo de trama que consegue te surpreender por todas as vielas, todas as esquinas, todos os cruzamentos, apoiando-se na palavra, mas sem descuidar de uma elegância visual sóbria? É isso que esse "Annie Hall" nacional nos dá. Sim... você leu certo: "Annie Hall", aqui chamado "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa". Aquele cult de 1977 que rendeu quatro Oscars a Woody Allen e faturou US$ 38 milhões. Não há como não pensar em Alvy Singer, o personagem de Woody naquele longa, quando Nicolas Prattes (um ator em fase de apogeu) desembesta a falar pelos cotovelos com a gente, traduzindo inquietações do verbo "amar" nas desinências do Presente. Com aura de ROmCom (comédia romântica), "Pronto, Falei" é um estudo sobre sinceridade, ou seja, a verdade de meias felpudas. Não confunda com sua gêmea indelicada, a franqueza, que é a verdade de arame farpado. Centrado no universo de uma redação de jornal, terra hoje muito associada à ideia de fake news, o filme se posiciona politicamente na realidade que vivemos ao propor (com maturidade) uma discussão sobre urgência, pertinência e autoria na narrativa que se pratica no ambiente jornalístico, na reportagem ou no colunismo. Uma das discussões que dão esqueleto (sólido como adamantium, o elemento químico fictício nas garras do Wolverine) a um enredo sobre (auto)afirmação e benquerer é a maneira como um emissor de opiniões ou de notícias lida com a responsabilidade sobre seu discurso.

Edgar é o James Dean de araque vivido por um Romulo Arantes Neto com ares de Hugh Grant  Foto: Estadão

Renato, personagem de Prattes, é um assistente editorial com verve de Paulo Mendes Campos que empresta seus dons de boa pena a um colega sem talento e sem caráter, o fotógrafo, aspirante a colunista e dublê de James Dean Edgar (encarnado por um Romulo Arantes Neto com ares de Hugh Grant). Há um domínio pleno da gramática e da poesia em Renato. Mas falta a ele a coragem para se assumir escritor. Plenitude... de excelência... é algo que também se encontra em Daniela, a intrépida repórter vivida por Duda Santos, numa atuação destemida, que evoca grandes divas da hard news como Lena Frias (1944-2004), às do JB. Daniela tem um escândalo público para denunciar, mas a cobertura que planeja esbarra no veto de seu editor, Gian (Fábio Herford, um cartum humano, ampla vivacidade cênica), temeroso de problemas com autoridades civis. Ao contrário de Renato, que não arca com a responsabilidade pelo lirismo de sua escrita, Daniela tem total consciência do quão importante é a informação que detém. Mas... entre o fato e a lenda... imprime-se o que dá likes e evita-se o que gera deslike. São os novos tempos. Novos tempos em que Renato, obsedado diante da inércia de seu trabalho e da mesmice de seu namoro com Janaína (uma Kéfera Buchmann com ar e graça de Diane Keaton), resolve dar um basta em tudo, escrevendo e-mails de descarrego que morrem em sua caixa de rascunho. Morrem até renascerem por excesso de lixo virtual e pipocarem inbox na caixa dos colegas e de Janaina, trazendo desconforto e tumulto. Mas Edgar, ave de rapina de carteirinha, sabe muito bem que todo carvão é um potencial diamante, e se aproveita da fraqueza de Renato, endurecendo-o ao estágio de pedra preciosa ao forçá-lo a escrever ensaios e crônica que não serão assinadas por seu autor. É Edgar quem leva a fama. Ele assume a culpa pelos e-mails iracundos em troca de ter um "escrito fantasma" a seu dispor. Com isso, nasce um Rubem Braga da noite pro dia, capaz até de seduzir Daniela, cujo perfil heroico amolece o miocárdio de Renato.

Aspirante a Clark Kent, Renato (Nicolas Prattes) é a prova de que no peito do Homem de Aço bate um coração que usa óculos  Foto: Estadão

Oprimido por um noivado às pressas com Janaina, por uma viagem a um resort com grude à italiana e pela ostentação literária de Edgar, Renato se perde em sua própria fragilidade, qual Alvy Singer, o "noivo neurótico" de Woody Allen. Como Alvy, Renato estabelece conosco, a plateia, uma relação de falador... ou melhor... de fala-a-dor. No filme de 1977, Alvy quebrava a quarta parede. Renato, não. Seus pensamentos é que conversam com a gente, apoiados numa engenharia sonora que a direção de Michel Tikhomiroff estrutura com perfeição. Aliás, há uma linha autoral nítida entre "Pronto, Falei" e seu longa anterior, o existencialíssimo "Confia Em Mim" (2014), que também refletia sobre aparências, afirmações e decisões erradas. O que existe de diferencial aqui é a precisão de relógio suíço com que o diretor consegue revolver seus temas de trabalho mais essenciais com um dinamismo cômico de elevar o espírito. O que torna "Annie Hall" um filme único - na obra de um cineasta cuja assinatura autoral vem da tese "só o amor não correspondido dura para sempre" - é o fato de ele alicerçar seu amor no Zeitgeist do fim dos anos 1970, propondo não só uma autopsia em corpo vivo de figuras demasiadamente humanas, mas também uma autopsia de uma era. É isso o que o longa de Michel faz, elevando-se como narrativa fílmica na fotografia de colorido equilibrado de Rodrigo Reis. O roteiro filmado pelo cineasta - assinado por Fabio Danesi, Camila Raffanti e Alexandre Soares Silva - consegue dar taquicardia a verbos, advérbios e preposições com um tempo de riso ajustado. E Nicolas se agiganta diante de cada verbete empregado por Renato como escudo ou como aríete. É um filme de rara beleza esse "Pronto, Falei". Que Michel filme mais... e logo. Estreia na quinta, dia 8. Corre pro cinema. É pra ver na telona.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.