RODRIGO FONSECA Pautado pela lógica do "Um por todos! Todos por um!", o estonteante thriller capa & espada "Les Trois Mousquetaires: D'Artagnan" (já em cartaz no Brasil) tem jogado seus conterrâneos franceses para o alto - e avante! - nas bilheterias de seu país, onde contabilizou 1.738.643 ingressos em apenas duas semanas. Custou caro - estima-se que consumiu uns 36 milhões de euros - e é divido em duas partes, numa estrutura narrativa de díptico. O segundo, chamado "Milady", só estreia em dezembro. Mas é bonito ver uma adaptação tão arrojada do romance publicado em 1844 por Alexandre Dumas (1802-1870) afetar de forma tão positiva todo um circuito exibidor que andava combalido desde a pandemia. Em janeiro, "Herói de Sangue", de Mathieu Vadepied, com Omar Sy (em sessão atualmente no Brasil, no Festival Filmelier), abriu a temporada 2023 de sucessos ao vender 1.171.644 tíquetes. Na sequência, veio "Astérix e Obélix: O Império do Meio", que provocou um estouro de champanhe na Unifrance (órgão do governo francês responsável pela circulação audiovisual da produção de sua pátria mundo afora), ao mobilizar 4.595.873 pagantes. A safra francófona que chega agora no 76. Festival de Cannes, a começar pelo longa-metragem de abertura, "Jeanne Du Barry", da realizadora e atriz Maïwenn, deve manter essas cifras nas estrelas. Mas cabe ressaltar aqui o desempenho nota 10 (com louvor) do cineasta Martin Bourboulon (de "Eiffel") na transformação dos parágrafos de Dumas num "John Wick" de florete. Com uma dublagem exemplar, com destaque para Hélio Ribeiro (na voz de Athos, vivido por Vincent Cassel) e para Luiz Feier (gogó cedido ao Porthos de Pio Marmaï), a reciclagem pop de "Os Três Mosqueteiros" é um espetáculo de primeira grandeza, que impressiona pela sinuosa estrutura esculpida por Matthieu Delaporte e Alexandre de La Patellière, fundindo aventura e conspiração política. Eva Green entra em cena soberba como Milady, uma agente do Cardeal Richelieu (Eric Ruf) para desestabilizar o reinado de Louis XIII (Louis Garrel, sempre perfeito). Mas um aspirante a soldado real, D'Artagnan (François Civil), será uma pedra nos sapatos dos múltiplos conspiradores.
De uma habilidade rara no uso do chiaroscuro e na depuração de tons ocres, mais terrígenos, a fotografia de Nicolas Bolduc dá um sofisticado verniz a um filme que nasceu para resgatar a tradição do "cinema francês de entretenimento", o juvenil e o adulto, apoiado na excelência técnica. O binômio direção de arte + figurino garante ao longa um atrativo a mais ao evocar, em pequenos detalhes, traços identitários dos filmes B da Europa dos anos 1960 e 70. É o caso do perfil à la Django de Athos, personagem ao qual Cassel dá múltiplas camadas. Porthos vem desafiar normas morais com sua orientação afetiva bissexual ("Uma coxa é uma coxa!", diz, antes de acordar em trisal nos braços de uma moça e de um rapaz. Por fim, não há como se esquecer do show de carisma de Romain Duris como um sedutor Aramis. Hollywood deve estar com inveja.