RODRIGO FONSECA De prosa com as novas tendências do romance, da crônica, do conto e da poesia, sobretudo a partir do pleito pela decolonização da cultura e pela inclusão de novas vozes sociais, a poeta, professora e produtora cultural Suzana Vargas mudou seu tradicional bunker de estudos sobre a dimensão lírica da palavra, chamado Estação das Letras, adaptando-o à cultura digital em voga pós-pandemia, e renovou sua tradicionalíssima Roda de Leitura, no CCBB-RJ. Tudo muda, menos a essência de formação e de paixão pela arte de ler. De 5 a 26 de abril, em seu IEL, ela recebe uma trinca de bambas do verso - Antônio Carlos Secchin, Marcos Pasche e Eucanaã Ferraz - prum curso chamado "A Leitura do Poema". Igualmente imperdível é o ciclo "Como Escrever Uma Autobiografia", que Tânia Carvalho ministrará de 9 de maio a 27 de junho. A própria Suzana comandará uma oficina de produção de poemas por lá, de 3 a 26 de abril. Olha lá na URL https://www.estacaodasletras.com.br/ pra checar o que se passa. Já no Centro Cultural Banco do Brasil, da Candelária, ali na Rua 1. de Março, ela vai coordenar um papo com o aclamado escritor moçambicano Mia Couto, no 12 de abril, com foco em sua trajetória e no livro "Antes de Nascer o Mundo" (Cia das Letras). É o chamado Clube de Leitura. Na entrevista a seguir, Suzana, autora de títulos obrigatórios como "Leitura: Uma Aprendizagem de Prazer" (Alta Books), fala sobre a mobilização estética que o livro promove.Historicamente que retorno de público você teve das suas Rodas de Leitura e debates no CCBB? Como é a reação do público ao encontrar autores e autoras de peso? Suzana Vargas: Do ponto de vista histórico, realizo e realizei rodas de leitura desde sempre nas minhas salas de aula, do fundamental à universidade. Mas o projeto Rodas de Leitura nasceu e cresceu no CCBB do Rio. Digo cresceu pois ficou ali durante 13 anos, de 1993 a 2005. Fomos pioneiros na forma de tratar a literatura como uma das atividades de lazer e também por colocar os autores em contato direto com seus leitores, numa conversa informal. Até então, esses encontros aconteciam, na sua maioria, dentro das escolas ou universidades, em encontros formais ou defesas de tese. Durante esses 13 anos, o projeto estendeu-se aos CCBBs de São Paulo e Brasília e percorreu todas as capitais do país com o Circuito Cultural BB. Desde o início, o público percebeu que aquela era uma forma diferente de tratar literatura. Eles se viram diante da leitura como mola propulsora da atividade num tempo em que os encontros aconteciam a partir de conferências, no mais das vezes, teóricas e formais. O sucesso foi instantâneo. E as Rodas viraram uma febre nacional. Hoje usa-se o termo para muitas das atividades que fazem parte da formação e treinamento de professores, bibliotecários, mediadores de leitura em geral. Fala-se em rodas de leitura como se fala em rodas de samba. E isso foi sensacional. Muitas teses e livros já foram escritos sobre esse trabalho.
E como vem sendo a resposta do seu público para a atual programação? Suzana Vargas: Agora voltei ao CCBB com o Clube de Leitura que, em síntese é a mesma coisa, com a diferença de que as pessoas já trazem o livro lido de casa - uma vez que os encontros são mensais - e escolhem qual livro desejam por votação no twitter. A alegria ou surpresa que muitos têm ao se deparar com o autor em pessoa é incrível. Ali, no Clube, o público tem a chance real de debater diretamente com esse autor ou autora e terem seu livro autografado. Temos também convidados virtuais que participam do Clube. Um aspecto importante é que os encontros têm a sua versão em streaming.Que veios literários você vem abrindo com os papos deste ano? Há um veio temático? Suzana Vargas: Um livro pode versar sobre um ou mais temas, talvez não se possa falar propriamente em veios temáticos pré-estabelecidos pois a curadoria escolhe apenas o autor e o público os livros. Mas estão no nosso foco as várias literaturas produzidas no nosso país até , os autores lusófonos escolhidos para esse ano. Gêneros diversos permeiam a programação da poesia, passando pelo humor da crônica. Teremos desde um poeta de Roraima, que é também performer - Eliakin Rufino -, a uma autora como Cida Pedrosa, que nos traz o Nordeste vivo em seus versos. Ao mesmo tempo, teremos a participação do Gregório Duvivier, um multiartista (é poeta, ator, dramaturgo, jornalista, cronista), que nos revela o país em suas tantas contradições, assim como Conceição Evaristo. No âmbito lusófono, os leitores ficarão cara a cara com alguns dos mais importantes autores da África portuguesa, como Mia Couto e José Eduardo Agualusa, entre outros, que dispensam apresentações.
Em que pé está a Estação das Letras hoje? Como o teu lendário curso, antes sediado no Flamengo, hoje se reinventa, depois da pandemia? Suzana Vargas: A Estação das Letras completa 28 anos em abril e se tornou um instituto, o IEL. O Instituto Estação das Letras tenta acompanhar todas as transformações pelas quais vamos passando na literatura. Em 2020, por força da pandemia, nós fomos obrigados a fechar o espaço físico e adentrar, compulsoriamente, na era on-line. Hoje temos uma adesão grande de alunos de fora do Rio e mesmo de fora do país. Ao invés de continuar a trabalhar com cursos de escrita e leitura soltos, inauguramos o projeto Formações Literárias para Escritores e Mediadores de Leitura. Formações, cada uma, com 160 horas de aula, regadas de matérias obrigatórias, práticas e eletivas. Tudo isso pode ser cursado só longo de dez meses, o que não impede que pessoas que não se inscrevam nas formações façam os cursos, claro.