De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

'Un Autre Monde' leva a estética piqueteira de Stéphane Brizé à MUBI


Por Rodrigo Fonseca
Vincent Lindon estrela o longa mais recente do cineasta francês que é definido como sendo a mistura marxista de Ken Loach com Costa-Gavras  Foto: Estadão

Rodrigo Fonseca Encontrar o cinema do francês Stéphane Brizé ao alcance de um clique - no caso, da URL www.mubi.com - é um presente, embrulhado com as fitas da excelência de uma linhagem da produção audiovisual que ainda acredita na potência poética da política como espaço para a construção de dramaturgias de denúncia. A MUBI foi buscar o seminal "Un Autre Monde", com o qual o cineasta lutou pelo Leão de Ouro, em Veneza, em setembro de 2021. Na plataforma digital, famosa por sua curadoria humanizada, seu título ficou em inglês: "Another World". Aos 56 anos, Brizé persiste em sua autoral inquietação diante de homens já na casa dos 50 ou 60 anos, fraturados por imposições do sistema econômico. É algo que se vê em sua obra desde seu primeiro longa-metragem de sucesso: "Dançar, Despertar de um Desejo" (2005). Ele foi premiado no Festival de San Sebastián, na Espanha, com esse drama sobre um sujeito que recicla sua rotina depois que decide ter aulas de tango, extravasando em coreografias embaladas a Gardel seu estado desiludido. Situação similar se dava no elogiado "Mademoiselle Chambon" (2009), que consagrou o cineasta com um César (o Oscar da França) de melhor roteiro. Nele, um professor cansado das imposições profissionais se reinventa num amor. Mas o benquerer passou a ter um lugar de coadjuvante em suas narrativas pautadas por piquetes. "Sou um estudioso dos sintomas existenciais da exclusão e de seu impacto ético na estrutura da moral burguesa, que insiste em segregar e dominar o que se apresenta como diferente. A trajetória de pessoas que operam a partir de um código de honra particular e se encontram numa situação nas quais o mundo as empurra para a solidão é a síntese de um filme como 'Um Autre Monde', em parte por eu contextualizar o trabalho sob uma ótica de sociabilização", diz Brizé ao Estadão, em entrevista concedida durante o 24º Rendez-Vous Avec Le Cinéma Français, o fórum anual de promoção de longas organizado pelo governo francês, todo mês de janeiro, antes presencialmente em Paris; hoje, online.

Stéphane Brizé entrou para a lista dos grandes diretores da França depois do êxito de "Um Valor De Um Homem", em 2015  Foto: Estadão
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Esse foco ganhou evidência em 2015, quando Brizé deslumbrou Cannes com "O Valor de um Homem", forjando parceria com o ator Vincent Lindon (espécie de Antonio Fagundes do Velho Mundo). Ali, o realizador deu uma guinada de autoralidade e de prestígio em sua obra enveredando por cartografias da exclusão financeira. Fez, na sequência, o belíssimo "Em Guerra", indicado à Palma de Ouro da Croisette, em 2018, por sua observação da cultura das greves nos dias de hoje. E agora, seu novo trabalho, egresso das gôndolas venezianas, mostra as angústias de um executivo, Philippe Lemesle (Lindon, em devastadora atuação), diante do sucateamento gradual das políticas de recursos humanos de sua empresa. Angústias essas que ele despeja na relação com a mulher, Anne (Sandrine Kiberlain), e o filho, Lucas (Anthony Bajon). Na briga pelo Leão veneziano, o cineasta foi, uma vez, definido como uma mistura entre o inglês Ken Loach (de "Eu, Daniel Blake") e o franco-grego Costa-Gavras (de "Z"), ambos famosos por reflexões marxistas (cada um à sua maneira) e por retratarem a política sob códigos de gêneros cinematográfico, do melodrama ao thriller. Ele carrega o marxismo de Loach na veia e busca de Costa-Gavras o timbre preciso de suspense para eletrizar plateias. "Sou cineasta e, não, cientista social. A poética é o compromisso primeiro da obra que eu busco erigir. Não posso me render à Sociologia, embora ela seja uma parceira importante, pois, se o fizer, estarei produzindo ensaios acadêmicos e, não, filmes. O trabalho mais essencial do cineasta é enquadrar uma realidade seja ela qual for, a partir de uma poética que ele precisa encontrar. Eu posso partir de uma premissa intelectual na escrita de um roteiro, mas, na filmagem, há que se buscar uma organicidade poética. Isso vem, por exemplo, da camada sonora, a música, que eu planejo antes mesmo de começar o roteiro. A música me guia. As palavras do diálogo são música", explica o cineasta. "No cinema, a palavra transparece como um reflexo da ansiedade". No atual longa de Brizé, já na MUBI, Lemesle vive um racha em sua relação com Anne, no momento em que lida com as fragilidades desumanas de sua chefia, ao lidar com os trabalhadores de um grupo industrial. Philippe chegou a um ponto em que tem que decidir sobre o sentido de sua vida. Mas essa decisão é permeada pelo fantasma de uma demissão em massa, tema essencial do realizador, na ativa desde 1993, quando estreou na direção de curtas-metragens. "Vivemos na era da bipolarização, em que nada se equaliza. O capitalismo nos conduziu a um ponto em que as pessoas se falam, mas não se entendem. Com isso, não desarmar as mecânicas que engendram o Poder", diz o diretor, cujo novo projeto é uma história de amor ambientada em uma praia. "O que mais me interessa não é checar se o espectador entendeu dinâmicas de mercado comigo e, sim, saber se ele se emocionou, e partiu do que eu mostrei para repensar o mundo a seu redor".

Vincent Lindon estrela o longa mais recente do cineasta francês que é definido como sendo a mistura marxista de Ken Loach com Costa-Gavras  Foto: Estadão

Rodrigo Fonseca Encontrar o cinema do francês Stéphane Brizé ao alcance de um clique - no caso, da URL www.mubi.com - é um presente, embrulhado com as fitas da excelência de uma linhagem da produção audiovisual que ainda acredita na potência poética da política como espaço para a construção de dramaturgias de denúncia. A MUBI foi buscar o seminal "Un Autre Monde", com o qual o cineasta lutou pelo Leão de Ouro, em Veneza, em setembro de 2021. Na plataforma digital, famosa por sua curadoria humanizada, seu título ficou em inglês: "Another World". Aos 56 anos, Brizé persiste em sua autoral inquietação diante de homens já na casa dos 50 ou 60 anos, fraturados por imposições do sistema econômico. É algo que se vê em sua obra desde seu primeiro longa-metragem de sucesso: "Dançar, Despertar de um Desejo" (2005). Ele foi premiado no Festival de San Sebastián, na Espanha, com esse drama sobre um sujeito que recicla sua rotina depois que decide ter aulas de tango, extravasando em coreografias embaladas a Gardel seu estado desiludido. Situação similar se dava no elogiado "Mademoiselle Chambon" (2009), que consagrou o cineasta com um César (o Oscar da França) de melhor roteiro. Nele, um professor cansado das imposições profissionais se reinventa num amor. Mas o benquerer passou a ter um lugar de coadjuvante em suas narrativas pautadas por piquetes. "Sou um estudioso dos sintomas existenciais da exclusão e de seu impacto ético na estrutura da moral burguesa, que insiste em segregar e dominar o que se apresenta como diferente. A trajetória de pessoas que operam a partir de um código de honra particular e se encontram numa situação nas quais o mundo as empurra para a solidão é a síntese de um filme como 'Um Autre Monde', em parte por eu contextualizar o trabalho sob uma ótica de sociabilização", diz Brizé ao Estadão, em entrevista concedida durante o 24º Rendez-Vous Avec Le Cinéma Français, o fórum anual de promoção de longas organizado pelo governo francês, todo mês de janeiro, antes presencialmente em Paris; hoje, online.

Stéphane Brizé entrou para a lista dos grandes diretores da França depois do êxito de "Um Valor De Um Homem", em 2015  Foto: Estadão

Esse foco ganhou evidência em 2015, quando Brizé deslumbrou Cannes com "O Valor de um Homem", forjando parceria com o ator Vincent Lindon (espécie de Antonio Fagundes do Velho Mundo). Ali, o realizador deu uma guinada de autoralidade e de prestígio em sua obra enveredando por cartografias da exclusão financeira. Fez, na sequência, o belíssimo "Em Guerra", indicado à Palma de Ouro da Croisette, em 2018, por sua observação da cultura das greves nos dias de hoje. E agora, seu novo trabalho, egresso das gôndolas venezianas, mostra as angústias de um executivo, Philippe Lemesle (Lindon, em devastadora atuação), diante do sucateamento gradual das políticas de recursos humanos de sua empresa. Angústias essas que ele despeja na relação com a mulher, Anne (Sandrine Kiberlain), e o filho, Lucas (Anthony Bajon). Na briga pelo Leão veneziano, o cineasta foi, uma vez, definido como uma mistura entre o inglês Ken Loach (de "Eu, Daniel Blake") e o franco-grego Costa-Gavras (de "Z"), ambos famosos por reflexões marxistas (cada um à sua maneira) e por retratarem a política sob códigos de gêneros cinematográfico, do melodrama ao thriller. Ele carrega o marxismo de Loach na veia e busca de Costa-Gavras o timbre preciso de suspense para eletrizar plateias. "Sou cineasta e, não, cientista social. A poética é o compromisso primeiro da obra que eu busco erigir. Não posso me render à Sociologia, embora ela seja uma parceira importante, pois, se o fizer, estarei produzindo ensaios acadêmicos e, não, filmes. O trabalho mais essencial do cineasta é enquadrar uma realidade seja ela qual for, a partir de uma poética que ele precisa encontrar. Eu posso partir de uma premissa intelectual na escrita de um roteiro, mas, na filmagem, há que se buscar uma organicidade poética. Isso vem, por exemplo, da camada sonora, a música, que eu planejo antes mesmo de começar o roteiro. A música me guia. As palavras do diálogo são música", explica o cineasta. "No cinema, a palavra transparece como um reflexo da ansiedade". No atual longa de Brizé, já na MUBI, Lemesle vive um racha em sua relação com Anne, no momento em que lida com as fragilidades desumanas de sua chefia, ao lidar com os trabalhadores de um grupo industrial. Philippe chegou a um ponto em que tem que decidir sobre o sentido de sua vida. Mas essa decisão é permeada pelo fantasma de uma demissão em massa, tema essencial do realizador, na ativa desde 1993, quando estreou na direção de curtas-metragens. "Vivemos na era da bipolarização, em que nada se equaliza. O capitalismo nos conduziu a um ponto em que as pessoas se falam, mas não se entendem. Com isso, não desarmar as mecânicas que engendram o Poder", diz o diretor, cujo novo projeto é uma história de amor ambientada em uma praia. "O que mais me interessa não é checar se o espectador entendeu dinâmicas de mercado comigo e, sim, saber se ele se emocionou, e partiu do que eu mostrei para repensar o mundo a seu redor".

Vincent Lindon estrela o longa mais recente do cineasta francês que é definido como sendo a mistura marxista de Ken Loach com Costa-Gavras  Foto: Estadão

Rodrigo Fonseca Encontrar o cinema do francês Stéphane Brizé ao alcance de um clique - no caso, da URL www.mubi.com - é um presente, embrulhado com as fitas da excelência de uma linhagem da produção audiovisual que ainda acredita na potência poética da política como espaço para a construção de dramaturgias de denúncia. A MUBI foi buscar o seminal "Un Autre Monde", com o qual o cineasta lutou pelo Leão de Ouro, em Veneza, em setembro de 2021. Na plataforma digital, famosa por sua curadoria humanizada, seu título ficou em inglês: "Another World". Aos 56 anos, Brizé persiste em sua autoral inquietação diante de homens já na casa dos 50 ou 60 anos, fraturados por imposições do sistema econômico. É algo que se vê em sua obra desde seu primeiro longa-metragem de sucesso: "Dançar, Despertar de um Desejo" (2005). Ele foi premiado no Festival de San Sebastián, na Espanha, com esse drama sobre um sujeito que recicla sua rotina depois que decide ter aulas de tango, extravasando em coreografias embaladas a Gardel seu estado desiludido. Situação similar se dava no elogiado "Mademoiselle Chambon" (2009), que consagrou o cineasta com um César (o Oscar da França) de melhor roteiro. Nele, um professor cansado das imposições profissionais se reinventa num amor. Mas o benquerer passou a ter um lugar de coadjuvante em suas narrativas pautadas por piquetes. "Sou um estudioso dos sintomas existenciais da exclusão e de seu impacto ético na estrutura da moral burguesa, que insiste em segregar e dominar o que se apresenta como diferente. A trajetória de pessoas que operam a partir de um código de honra particular e se encontram numa situação nas quais o mundo as empurra para a solidão é a síntese de um filme como 'Um Autre Monde', em parte por eu contextualizar o trabalho sob uma ótica de sociabilização", diz Brizé ao Estadão, em entrevista concedida durante o 24º Rendez-Vous Avec Le Cinéma Français, o fórum anual de promoção de longas organizado pelo governo francês, todo mês de janeiro, antes presencialmente em Paris; hoje, online.

Stéphane Brizé entrou para a lista dos grandes diretores da França depois do êxito de "Um Valor De Um Homem", em 2015  Foto: Estadão

Esse foco ganhou evidência em 2015, quando Brizé deslumbrou Cannes com "O Valor de um Homem", forjando parceria com o ator Vincent Lindon (espécie de Antonio Fagundes do Velho Mundo). Ali, o realizador deu uma guinada de autoralidade e de prestígio em sua obra enveredando por cartografias da exclusão financeira. Fez, na sequência, o belíssimo "Em Guerra", indicado à Palma de Ouro da Croisette, em 2018, por sua observação da cultura das greves nos dias de hoje. E agora, seu novo trabalho, egresso das gôndolas venezianas, mostra as angústias de um executivo, Philippe Lemesle (Lindon, em devastadora atuação), diante do sucateamento gradual das políticas de recursos humanos de sua empresa. Angústias essas que ele despeja na relação com a mulher, Anne (Sandrine Kiberlain), e o filho, Lucas (Anthony Bajon). Na briga pelo Leão veneziano, o cineasta foi, uma vez, definido como uma mistura entre o inglês Ken Loach (de "Eu, Daniel Blake") e o franco-grego Costa-Gavras (de "Z"), ambos famosos por reflexões marxistas (cada um à sua maneira) e por retratarem a política sob códigos de gêneros cinematográfico, do melodrama ao thriller. Ele carrega o marxismo de Loach na veia e busca de Costa-Gavras o timbre preciso de suspense para eletrizar plateias. "Sou cineasta e, não, cientista social. A poética é o compromisso primeiro da obra que eu busco erigir. Não posso me render à Sociologia, embora ela seja uma parceira importante, pois, se o fizer, estarei produzindo ensaios acadêmicos e, não, filmes. O trabalho mais essencial do cineasta é enquadrar uma realidade seja ela qual for, a partir de uma poética que ele precisa encontrar. Eu posso partir de uma premissa intelectual na escrita de um roteiro, mas, na filmagem, há que se buscar uma organicidade poética. Isso vem, por exemplo, da camada sonora, a música, que eu planejo antes mesmo de começar o roteiro. A música me guia. As palavras do diálogo são música", explica o cineasta. "No cinema, a palavra transparece como um reflexo da ansiedade". No atual longa de Brizé, já na MUBI, Lemesle vive um racha em sua relação com Anne, no momento em que lida com as fragilidades desumanas de sua chefia, ao lidar com os trabalhadores de um grupo industrial. Philippe chegou a um ponto em que tem que decidir sobre o sentido de sua vida. Mas essa decisão é permeada pelo fantasma de uma demissão em massa, tema essencial do realizador, na ativa desde 1993, quando estreou na direção de curtas-metragens. "Vivemos na era da bipolarização, em que nada se equaliza. O capitalismo nos conduziu a um ponto em que as pessoas se falam, mas não se entendem. Com isso, não desarmar as mecânicas que engendram o Poder", diz o diretor, cujo novo projeto é uma história de amor ambientada em uma praia. "O que mais me interessa não é checar se o espectador entendeu dinâmicas de mercado comigo e, sim, saber se ele se emocionou, e partiu do que eu mostrei para repensar o mundo a seu redor".

Vincent Lindon estrela o longa mais recente do cineasta francês que é definido como sendo a mistura marxista de Ken Loach com Costa-Gavras  Foto: Estadão

Rodrigo Fonseca Encontrar o cinema do francês Stéphane Brizé ao alcance de um clique - no caso, da URL www.mubi.com - é um presente, embrulhado com as fitas da excelência de uma linhagem da produção audiovisual que ainda acredita na potência poética da política como espaço para a construção de dramaturgias de denúncia. A MUBI foi buscar o seminal "Un Autre Monde", com o qual o cineasta lutou pelo Leão de Ouro, em Veneza, em setembro de 2021. Na plataforma digital, famosa por sua curadoria humanizada, seu título ficou em inglês: "Another World". Aos 56 anos, Brizé persiste em sua autoral inquietação diante de homens já na casa dos 50 ou 60 anos, fraturados por imposições do sistema econômico. É algo que se vê em sua obra desde seu primeiro longa-metragem de sucesso: "Dançar, Despertar de um Desejo" (2005). Ele foi premiado no Festival de San Sebastián, na Espanha, com esse drama sobre um sujeito que recicla sua rotina depois que decide ter aulas de tango, extravasando em coreografias embaladas a Gardel seu estado desiludido. Situação similar se dava no elogiado "Mademoiselle Chambon" (2009), que consagrou o cineasta com um César (o Oscar da França) de melhor roteiro. Nele, um professor cansado das imposições profissionais se reinventa num amor. Mas o benquerer passou a ter um lugar de coadjuvante em suas narrativas pautadas por piquetes. "Sou um estudioso dos sintomas existenciais da exclusão e de seu impacto ético na estrutura da moral burguesa, que insiste em segregar e dominar o que se apresenta como diferente. A trajetória de pessoas que operam a partir de um código de honra particular e se encontram numa situação nas quais o mundo as empurra para a solidão é a síntese de um filme como 'Um Autre Monde', em parte por eu contextualizar o trabalho sob uma ótica de sociabilização", diz Brizé ao Estadão, em entrevista concedida durante o 24º Rendez-Vous Avec Le Cinéma Français, o fórum anual de promoção de longas organizado pelo governo francês, todo mês de janeiro, antes presencialmente em Paris; hoje, online.

Stéphane Brizé entrou para a lista dos grandes diretores da França depois do êxito de "Um Valor De Um Homem", em 2015  Foto: Estadão

Esse foco ganhou evidência em 2015, quando Brizé deslumbrou Cannes com "O Valor de um Homem", forjando parceria com o ator Vincent Lindon (espécie de Antonio Fagundes do Velho Mundo). Ali, o realizador deu uma guinada de autoralidade e de prestígio em sua obra enveredando por cartografias da exclusão financeira. Fez, na sequência, o belíssimo "Em Guerra", indicado à Palma de Ouro da Croisette, em 2018, por sua observação da cultura das greves nos dias de hoje. E agora, seu novo trabalho, egresso das gôndolas venezianas, mostra as angústias de um executivo, Philippe Lemesle (Lindon, em devastadora atuação), diante do sucateamento gradual das políticas de recursos humanos de sua empresa. Angústias essas que ele despeja na relação com a mulher, Anne (Sandrine Kiberlain), e o filho, Lucas (Anthony Bajon). Na briga pelo Leão veneziano, o cineasta foi, uma vez, definido como uma mistura entre o inglês Ken Loach (de "Eu, Daniel Blake") e o franco-grego Costa-Gavras (de "Z"), ambos famosos por reflexões marxistas (cada um à sua maneira) e por retratarem a política sob códigos de gêneros cinematográfico, do melodrama ao thriller. Ele carrega o marxismo de Loach na veia e busca de Costa-Gavras o timbre preciso de suspense para eletrizar plateias. "Sou cineasta e, não, cientista social. A poética é o compromisso primeiro da obra que eu busco erigir. Não posso me render à Sociologia, embora ela seja uma parceira importante, pois, se o fizer, estarei produzindo ensaios acadêmicos e, não, filmes. O trabalho mais essencial do cineasta é enquadrar uma realidade seja ela qual for, a partir de uma poética que ele precisa encontrar. Eu posso partir de uma premissa intelectual na escrita de um roteiro, mas, na filmagem, há que se buscar uma organicidade poética. Isso vem, por exemplo, da camada sonora, a música, que eu planejo antes mesmo de começar o roteiro. A música me guia. As palavras do diálogo são música", explica o cineasta. "No cinema, a palavra transparece como um reflexo da ansiedade". No atual longa de Brizé, já na MUBI, Lemesle vive um racha em sua relação com Anne, no momento em que lida com as fragilidades desumanas de sua chefia, ao lidar com os trabalhadores de um grupo industrial. Philippe chegou a um ponto em que tem que decidir sobre o sentido de sua vida. Mas essa decisão é permeada pelo fantasma de uma demissão em massa, tema essencial do realizador, na ativa desde 1993, quando estreou na direção de curtas-metragens. "Vivemos na era da bipolarização, em que nada se equaliza. O capitalismo nos conduziu a um ponto em que as pessoas se falam, mas não se entendem. Com isso, não desarmar as mecânicas que engendram o Poder", diz o diretor, cujo novo projeto é uma história de amor ambientada em uma praia. "O que mais me interessa não é checar se o espectador entendeu dinâmicas de mercado comigo e, sim, saber se ele se emocionou, e partiu do que eu mostrei para repensar o mundo a seu redor".

Vincent Lindon estrela o longa mais recente do cineasta francês que é definido como sendo a mistura marxista de Ken Loach com Costa-Gavras  Foto: Estadão

Rodrigo Fonseca Encontrar o cinema do francês Stéphane Brizé ao alcance de um clique - no caso, da URL www.mubi.com - é um presente, embrulhado com as fitas da excelência de uma linhagem da produção audiovisual que ainda acredita na potência poética da política como espaço para a construção de dramaturgias de denúncia. A MUBI foi buscar o seminal "Un Autre Monde", com o qual o cineasta lutou pelo Leão de Ouro, em Veneza, em setembro de 2021. Na plataforma digital, famosa por sua curadoria humanizada, seu título ficou em inglês: "Another World". Aos 56 anos, Brizé persiste em sua autoral inquietação diante de homens já na casa dos 50 ou 60 anos, fraturados por imposições do sistema econômico. É algo que se vê em sua obra desde seu primeiro longa-metragem de sucesso: "Dançar, Despertar de um Desejo" (2005). Ele foi premiado no Festival de San Sebastián, na Espanha, com esse drama sobre um sujeito que recicla sua rotina depois que decide ter aulas de tango, extravasando em coreografias embaladas a Gardel seu estado desiludido. Situação similar se dava no elogiado "Mademoiselle Chambon" (2009), que consagrou o cineasta com um César (o Oscar da França) de melhor roteiro. Nele, um professor cansado das imposições profissionais se reinventa num amor. Mas o benquerer passou a ter um lugar de coadjuvante em suas narrativas pautadas por piquetes. "Sou um estudioso dos sintomas existenciais da exclusão e de seu impacto ético na estrutura da moral burguesa, que insiste em segregar e dominar o que se apresenta como diferente. A trajetória de pessoas que operam a partir de um código de honra particular e se encontram numa situação nas quais o mundo as empurra para a solidão é a síntese de um filme como 'Um Autre Monde', em parte por eu contextualizar o trabalho sob uma ótica de sociabilização", diz Brizé ao Estadão, em entrevista concedida durante o 24º Rendez-Vous Avec Le Cinéma Français, o fórum anual de promoção de longas organizado pelo governo francês, todo mês de janeiro, antes presencialmente em Paris; hoje, online.

Stéphane Brizé entrou para a lista dos grandes diretores da França depois do êxito de "Um Valor De Um Homem", em 2015  Foto: Estadão

Esse foco ganhou evidência em 2015, quando Brizé deslumbrou Cannes com "O Valor de um Homem", forjando parceria com o ator Vincent Lindon (espécie de Antonio Fagundes do Velho Mundo). Ali, o realizador deu uma guinada de autoralidade e de prestígio em sua obra enveredando por cartografias da exclusão financeira. Fez, na sequência, o belíssimo "Em Guerra", indicado à Palma de Ouro da Croisette, em 2018, por sua observação da cultura das greves nos dias de hoje. E agora, seu novo trabalho, egresso das gôndolas venezianas, mostra as angústias de um executivo, Philippe Lemesle (Lindon, em devastadora atuação), diante do sucateamento gradual das políticas de recursos humanos de sua empresa. Angústias essas que ele despeja na relação com a mulher, Anne (Sandrine Kiberlain), e o filho, Lucas (Anthony Bajon). Na briga pelo Leão veneziano, o cineasta foi, uma vez, definido como uma mistura entre o inglês Ken Loach (de "Eu, Daniel Blake") e o franco-grego Costa-Gavras (de "Z"), ambos famosos por reflexões marxistas (cada um à sua maneira) e por retratarem a política sob códigos de gêneros cinematográfico, do melodrama ao thriller. Ele carrega o marxismo de Loach na veia e busca de Costa-Gavras o timbre preciso de suspense para eletrizar plateias. "Sou cineasta e, não, cientista social. A poética é o compromisso primeiro da obra que eu busco erigir. Não posso me render à Sociologia, embora ela seja uma parceira importante, pois, se o fizer, estarei produzindo ensaios acadêmicos e, não, filmes. O trabalho mais essencial do cineasta é enquadrar uma realidade seja ela qual for, a partir de uma poética que ele precisa encontrar. Eu posso partir de uma premissa intelectual na escrita de um roteiro, mas, na filmagem, há que se buscar uma organicidade poética. Isso vem, por exemplo, da camada sonora, a música, que eu planejo antes mesmo de começar o roteiro. A música me guia. As palavras do diálogo são música", explica o cineasta. "No cinema, a palavra transparece como um reflexo da ansiedade". No atual longa de Brizé, já na MUBI, Lemesle vive um racha em sua relação com Anne, no momento em que lida com as fragilidades desumanas de sua chefia, ao lidar com os trabalhadores de um grupo industrial. Philippe chegou a um ponto em que tem que decidir sobre o sentido de sua vida. Mas essa decisão é permeada pelo fantasma de uma demissão em massa, tema essencial do realizador, na ativa desde 1993, quando estreou na direção de curtas-metragens. "Vivemos na era da bipolarização, em que nada se equaliza. O capitalismo nos conduziu a um ponto em que as pessoas se falam, mas não se entendem. Com isso, não desarmar as mecânicas que engendram o Poder", diz o diretor, cujo novo projeto é uma história de amor ambientada em uma praia. "O que mais me interessa não é checar se o espectador entendeu dinâmicas de mercado comigo e, sim, saber se ele se emocionou, e partiu do que eu mostrei para repensar o mundo a seu redor".

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