Paulo Henriques Britto mostra domínio da poesia em ‘Fim de Verão’


Crítico literário e professor lança coletânea de poemas e dialoga com Emily Dickinson

Por Dirce Waltrick do Amarante

Fim de Verão, de Paulo Henriques Britto, está catalogado como “poesia brasileira”, contudo, é bem mais do que isso: também pode ser lido como crítica literária (ou pós-crítica), com direito a uma reflexão sobre leitura, escrita, tradução e, é claro, poesia; temas que o autor aborda com humor afiado, característico de sua escrita.

Os poemas de Britto, que adotam formas fixas, são, à primeira vista, uma espécie letra de canção que deve “caber na pauta estreita” e compõe uma “música ou algo pior; ou melhor do que música, sintaxe/ tão tensa que não dá margem a sentido/ [...] que mal se entende mas rima”. No caso de Britto, ao contrário do que dizia Carlos Drummond de Andrade, a rima talvez seja uma solução.

Em Anacruse, lê-se, entre aspas, como se fosse a citação das palavras de um crítico literário, que “‘em sua mais recente coletânea/ ele retorna os mesmos velhos temas’”. A propósito de “velhos temas”, Britto os retoma em outro poema, O Leitor, quando aborda a ideia do gênio não original, ou seja, a ideia de que no século 21 tudo tem seu par, tudo já foi dito ou escrito, resta saber reciclar: “[...] outra tarde, irmã desta, em ano outro,/ já lhe rendeu o gêmeo poema/ que por um triz não diluiu o outro/ de agora na triste contrafação/ de uma re-revivescida emoção”.

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Paulo Henriques Britto, poeta e professor, que está lançando o livro 'Fim de Verão', pela Companhia das Letras Foto: Renato Parada

O suposto “crítico literário” de Anacruse prossegue afirmando que a poesia que o leitor encontrará no livro é “‘calculista, sarcástica, fria/ pobre em imagens, pouco musical [...] imune ao visceral, ao sentimento, [...] em suma, uma poesia rala e pobre,/ que espelha a mesquinhez do nosso tempo’”. Só assim, parece-me, o autor consegue discorrer sobre os temas escolhidos (forma e conteúdo estão estreitamente ligados) e escapar dos clichês que, vez por outra, dão o tom da poesia brasileira.

Em Endoxa, aliás, o poeta elenca uma série de lugares comuns: “Do alto se enxerga mais longe,/ mas tudo parece pequeno” ou “A dor mais feroz e funda/ não admite expressão”. Então, conclui: “(Dizer isso num poema?/ Melhor não.)”.

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A ironia de Britto não poupa nem o leitor que, em sua poesia, é visto como um fingidor (ou leviano) que afirma entender “sem entender um centésimo. E no entanto segue em frente, / irresponsável, intrépido/ [...] catando coisas bonitas”. Mas, ao final, se o leitor olhar bem de perto, verá que não encontrou nada, porque não havia nada para ser “catado”. O poema também passa a perna no leitor.

A poeta norte-americana Emily Elizabeth Dickinson Foto: Michael Medeiros/Amherst College Archives and Special Collections

Paulo Henriques Britto, que além de poeta é tradutor consagrado, incorpora em seu livro uma discussão sobre o exercício tradutório, unindo a teoria com a prática. A propósito, a epígrafe de Fim de Tarde é um poema da poeta norte-americana Emily Dickinson, que ele cita em inglês e em sua tradução para o português. Mais adiante, ele volta à poeta em Três traduções e treze variações sobre um poema de Emily Dickinson, e é aí justamente que o leitor encontra exemplos concretos do que os versos de Sem Fio afirmam: “Poema brota do idioma/ e a ele adere feito craca./ Só sai de lá cortado a faca:/ vira outro em outro idioma”. Portanto, está “preso a uma língua, o verso/ é vítima de violência./ Eu, tradutor, o liberto/ e lhe dou independência”.

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Pergunto-me se na tradução de um modo geral os tradutores tomariam as mesmas liberdades que Britto tomou ao se autotraduzir e ao traduzir Dickinson. Talvez o tradutor incauto, diante de um texto a ser vertido para a sua língua, possa se lembrar dos versos de Quatro Autotraduções: “Não há saída. Mas lembre: este lugar/ parecia impossível de entrar”. Contudo, o tradutor entra e toma “os fatos tais como eles são/ (por vocês, por exemplo) percebidos./ O resto é silêncio./ Ou, talvez, ruído”.

Nesse livro breve, mas recheado de discussões importantes, algumas considerações sobre o Brasil atual também são levantadas. Em Vers de Circonstance, que fala em “imunidade de rebanho” e, numa espécie de poesia bucólica, debochadamente afirma: “Olhai/ as vacas do campo: não lhes faz falta a ciência,/ pastam em plena bem -aventurança,/ sem que nenhuma antevisão do matadouro/ perturbe a santa paz da ruminança”.

“Há um clima geral de suspeita”, lê-se no poema Post Mortem, mas de uma coisa o leitor pode ter certeza: Fim de tarde não irá decepcionar o “respeitável público”, para parafrasear um verso de Oito Sonetos Entrópicos.

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FIM DE VERÃO

PAULO HENRIQUES BRITTO

COMPANHIA DAS LETRAS

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96 PÁGINAS

R$ 59,90 ou R$ 35,90 ( e-book)

Fim de Verão, de Paulo Henriques Britto, está catalogado como “poesia brasileira”, contudo, é bem mais do que isso: também pode ser lido como crítica literária (ou pós-crítica), com direito a uma reflexão sobre leitura, escrita, tradução e, é claro, poesia; temas que o autor aborda com humor afiado, característico de sua escrita.

Os poemas de Britto, que adotam formas fixas, são, à primeira vista, uma espécie letra de canção que deve “caber na pauta estreita” e compõe uma “música ou algo pior; ou melhor do que música, sintaxe/ tão tensa que não dá margem a sentido/ [...] que mal se entende mas rima”. No caso de Britto, ao contrário do que dizia Carlos Drummond de Andrade, a rima talvez seja uma solução.

Em Anacruse, lê-se, entre aspas, como se fosse a citação das palavras de um crítico literário, que “‘em sua mais recente coletânea/ ele retorna os mesmos velhos temas’”. A propósito de “velhos temas”, Britto os retoma em outro poema, O Leitor, quando aborda a ideia do gênio não original, ou seja, a ideia de que no século 21 tudo tem seu par, tudo já foi dito ou escrito, resta saber reciclar: “[...] outra tarde, irmã desta, em ano outro,/ já lhe rendeu o gêmeo poema/ que por um triz não diluiu o outro/ de agora na triste contrafação/ de uma re-revivescida emoção”.

Paulo Henriques Britto, poeta e professor, que está lançando o livro 'Fim de Verão', pela Companhia das Letras Foto: Renato Parada

O suposto “crítico literário” de Anacruse prossegue afirmando que a poesia que o leitor encontrará no livro é “‘calculista, sarcástica, fria/ pobre em imagens, pouco musical [...] imune ao visceral, ao sentimento, [...] em suma, uma poesia rala e pobre,/ que espelha a mesquinhez do nosso tempo’”. Só assim, parece-me, o autor consegue discorrer sobre os temas escolhidos (forma e conteúdo estão estreitamente ligados) e escapar dos clichês que, vez por outra, dão o tom da poesia brasileira.

Em Endoxa, aliás, o poeta elenca uma série de lugares comuns: “Do alto se enxerga mais longe,/ mas tudo parece pequeno” ou “A dor mais feroz e funda/ não admite expressão”. Então, conclui: “(Dizer isso num poema?/ Melhor não.)”.

A ironia de Britto não poupa nem o leitor que, em sua poesia, é visto como um fingidor (ou leviano) que afirma entender “sem entender um centésimo. E no entanto segue em frente, / irresponsável, intrépido/ [...] catando coisas bonitas”. Mas, ao final, se o leitor olhar bem de perto, verá que não encontrou nada, porque não havia nada para ser “catado”. O poema também passa a perna no leitor.

A poeta norte-americana Emily Elizabeth Dickinson Foto: Michael Medeiros/Amherst College Archives and Special Collections

Paulo Henriques Britto, que além de poeta é tradutor consagrado, incorpora em seu livro uma discussão sobre o exercício tradutório, unindo a teoria com a prática. A propósito, a epígrafe de Fim de Tarde é um poema da poeta norte-americana Emily Dickinson, que ele cita em inglês e em sua tradução para o português. Mais adiante, ele volta à poeta em Três traduções e treze variações sobre um poema de Emily Dickinson, e é aí justamente que o leitor encontra exemplos concretos do que os versos de Sem Fio afirmam: “Poema brota do idioma/ e a ele adere feito craca./ Só sai de lá cortado a faca:/ vira outro em outro idioma”. Portanto, está “preso a uma língua, o verso/ é vítima de violência./ Eu, tradutor, o liberto/ e lhe dou independência”.

Pergunto-me se na tradução de um modo geral os tradutores tomariam as mesmas liberdades que Britto tomou ao se autotraduzir e ao traduzir Dickinson. Talvez o tradutor incauto, diante de um texto a ser vertido para a sua língua, possa se lembrar dos versos de Quatro Autotraduções: “Não há saída. Mas lembre: este lugar/ parecia impossível de entrar”. Contudo, o tradutor entra e toma “os fatos tais como eles são/ (por vocês, por exemplo) percebidos./ O resto é silêncio./ Ou, talvez, ruído”.

Nesse livro breve, mas recheado de discussões importantes, algumas considerações sobre o Brasil atual também são levantadas. Em Vers de Circonstance, que fala em “imunidade de rebanho” e, numa espécie de poesia bucólica, debochadamente afirma: “Olhai/ as vacas do campo: não lhes faz falta a ciência,/ pastam em plena bem -aventurança,/ sem que nenhuma antevisão do matadouro/ perturbe a santa paz da ruminança”.

“Há um clima geral de suspeita”, lê-se no poema Post Mortem, mas de uma coisa o leitor pode ter certeza: Fim de tarde não irá decepcionar o “respeitável público”, para parafrasear um verso de Oito Sonetos Entrópicos.

FIM DE VERÃO

PAULO HENRIQUES BRITTO

COMPANHIA DAS LETRAS

96 PÁGINAS

R$ 59,90 ou R$ 35,90 ( e-book)

Fim de Verão, de Paulo Henriques Britto, está catalogado como “poesia brasileira”, contudo, é bem mais do que isso: também pode ser lido como crítica literária (ou pós-crítica), com direito a uma reflexão sobre leitura, escrita, tradução e, é claro, poesia; temas que o autor aborda com humor afiado, característico de sua escrita.

Os poemas de Britto, que adotam formas fixas, são, à primeira vista, uma espécie letra de canção que deve “caber na pauta estreita” e compõe uma “música ou algo pior; ou melhor do que música, sintaxe/ tão tensa que não dá margem a sentido/ [...] que mal se entende mas rima”. No caso de Britto, ao contrário do que dizia Carlos Drummond de Andrade, a rima talvez seja uma solução.

Em Anacruse, lê-se, entre aspas, como se fosse a citação das palavras de um crítico literário, que “‘em sua mais recente coletânea/ ele retorna os mesmos velhos temas’”. A propósito de “velhos temas”, Britto os retoma em outro poema, O Leitor, quando aborda a ideia do gênio não original, ou seja, a ideia de que no século 21 tudo tem seu par, tudo já foi dito ou escrito, resta saber reciclar: “[...] outra tarde, irmã desta, em ano outro,/ já lhe rendeu o gêmeo poema/ que por um triz não diluiu o outro/ de agora na triste contrafação/ de uma re-revivescida emoção”.

Paulo Henriques Britto, poeta e professor, que está lançando o livro 'Fim de Verão', pela Companhia das Letras Foto: Renato Parada

O suposto “crítico literário” de Anacruse prossegue afirmando que a poesia que o leitor encontrará no livro é “‘calculista, sarcástica, fria/ pobre em imagens, pouco musical [...] imune ao visceral, ao sentimento, [...] em suma, uma poesia rala e pobre,/ que espelha a mesquinhez do nosso tempo’”. Só assim, parece-me, o autor consegue discorrer sobre os temas escolhidos (forma e conteúdo estão estreitamente ligados) e escapar dos clichês que, vez por outra, dão o tom da poesia brasileira.

Em Endoxa, aliás, o poeta elenca uma série de lugares comuns: “Do alto se enxerga mais longe,/ mas tudo parece pequeno” ou “A dor mais feroz e funda/ não admite expressão”. Então, conclui: “(Dizer isso num poema?/ Melhor não.)”.

A ironia de Britto não poupa nem o leitor que, em sua poesia, é visto como um fingidor (ou leviano) que afirma entender “sem entender um centésimo. E no entanto segue em frente, / irresponsável, intrépido/ [...] catando coisas bonitas”. Mas, ao final, se o leitor olhar bem de perto, verá que não encontrou nada, porque não havia nada para ser “catado”. O poema também passa a perna no leitor.

A poeta norte-americana Emily Elizabeth Dickinson Foto: Michael Medeiros/Amherst College Archives and Special Collections

Paulo Henriques Britto, que além de poeta é tradutor consagrado, incorpora em seu livro uma discussão sobre o exercício tradutório, unindo a teoria com a prática. A propósito, a epígrafe de Fim de Tarde é um poema da poeta norte-americana Emily Dickinson, que ele cita em inglês e em sua tradução para o português. Mais adiante, ele volta à poeta em Três traduções e treze variações sobre um poema de Emily Dickinson, e é aí justamente que o leitor encontra exemplos concretos do que os versos de Sem Fio afirmam: “Poema brota do idioma/ e a ele adere feito craca./ Só sai de lá cortado a faca:/ vira outro em outro idioma”. Portanto, está “preso a uma língua, o verso/ é vítima de violência./ Eu, tradutor, o liberto/ e lhe dou independência”.

Pergunto-me se na tradução de um modo geral os tradutores tomariam as mesmas liberdades que Britto tomou ao se autotraduzir e ao traduzir Dickinson. Talvez o tradutor incauto, diante de um texto a ser vertido para a sua língua, possa se lembrar dos versos de Quatro Autotraduções: “Não há saída. Mas lembre: este lugar/ parecia impossível de entrar”. Contudo, o tradutor entra e toma “os fatos tais como eles são/ (por vocês, por exemplo) percebidos./ O resto é silêncio./ Ou, talvez, ruído”.

Nesse livro breve, mas recheado de discussões importantes, algumas considerações sobre o Brasil atual também são levantadas. Em Vers de Circonstance, que fala em “imunidade de rebanho” e, numa espécie de poesia bucólica, debochadamente afirma: “Olhai/ as vacas do campo: não lhes faz falta a ciência,/ pastam em plena bem -aventurança,/ sem que nenhuma antevisão do matadouro/ perturbe a santa paz da ruminança”.

“Há um clima geral de suspeita”, lê-se no poema Post Mortem, mas de uma coisa o leitor pode ter certeza: Fim de tarde não irá decepcionar o “respeitável público”, para parafrasear um verso de Oito Sonetos Entrópicos.

FIM DE VERÃO

PAULO HENRIQUES BRITTO

COMPANHIA DAS LETRAS

96 PÁGINAS

R$ 59,90 ou R$ 35,90 ( e-book)

Fim de Verão, de Paulo Henriques Britto, está catalogado como “poesia brasileira”, contudo, é bem mais do que isso: também pode ser lido como crítica literária (ou pós-crítica), com direito a uma reflexão sobre leitura, escrita, tradução e, é claro, poesia; temas que o autor aborda com humor afiado, característico de sua escrita.

Os poemas de Britto, que adotam formas fixas, são, à primeira vista, uma espécie letra de canção que deve “caber na pauta estreita” e compõe uma “música ou algo pior; ou melhor do que música, sintaxe/ tão tensa que não dá margem a sentido/ [...] que mal se entende mas rima”. No caso de Britto, ao contrário do que dizia Carlos Drummond de Andrade, a rima talvez seja uma solução.

Em Anacruse, lê-se, entre aspas, como se fosse a citação das palavras de um crítico literário, que “‘em sua mais recente coletânea/ ele retorna os mesmos velhos temas’”. A propósito de “velhos temas”, Britto os retoma em outro poema, O Leitor, quando aborda a ideia do gênio não original, ou seja, a ideia de que no século 21 tudo tem seu par, tudo já foi dito ou escrito, resta saber reciclar: “[...] outra tarde, irmã desta, em ano outro,/ já lhe rendeu o gêmeo poema/ que por um triz não diluiu o outro/ de agora na triste contrafação/ de uma re-revivescida emoção”.

Paulo Henriques Britto, poeta e professor, que está lançando o livro 'Fim de Verão', pela Companhia das Letras Foto: Renato Parada

O suposto “crítico literário” de Anacruse prossegue afirmando que a poesia que o leitor encontrará no livro é “‘calculista, sarcástica, fria/ pobre em imagens, pouco musical [...] imune ao visceral, ao sentimento, [...] em suma, uma poesia rala e pobre,/ que espelha a mesquinhez do nosso tempo’”. Só assim, parece-me, o autor consegue discorrer sobre os temas escolhidos (forma e conteúdo estão estreitamente ligados) e escapar dos clichês que, vez por outra, dão o tom da poesia brasileira.

Em Endoxa, aliás, o poeta elenca uma série de lugares comuns: “Do alto se enxerga mais longe,/ mas tudo parece pequeno” ou “A dor mais feroz e funda/ não admite expressão”. Então, conclui: “(Dizer isso num poema?/ Melhor não.)”.

A ironia de Britto não poupa nem o leitor que, em sua poesia, é visto como um fingidor (ou leviano) que afirma entender “sem entender um centésimo. E no entanto segue em frente, / irresponsável, intrépido/ [...] catando coisas bonitas”. Mas, ao final, se o leitor olhar bem de perto, verá que não encontrou nada, porque não havia nada para ser “catado”. O poema também passa a perna no leitor.

A poeta norte-americana Emily Elizabeth Dickinson Foto: Michael Medeiros/Amherst College Archives and Special Collections

Paulo Henriques Britto, que além de poeta é tradutor consagrado, incorpora em seu livro uma discussão sobre o exercício tradutório, unindo a teoria com a prática. A propósito, a epígrafe de Fim de Tarde é um poema da poeta norte-americana Emily Dickinson, que ele cita em inglês e em sua tradução para o português. Mais adiante, ele volta à poeta em Três traduções e treze variações sobre um poema de Emily Dickinson, e é aí justamente que o leitor encontra exemplos concretos do que os versos de Sem Fio afirmam: “Poema brota do idioma/ e a ele adere feito craca./ Só sai de lá cortado a faca:/ vira outro em outro idioma”. Portanto, está “preso a uma língua, o verso/ é vítima de violência./ Eu, tradutor, o liberto/ e lhe dou independência”.

Pergunto-me se na tradução de um modo geral os tradutores tomariam as mesmas liberdades que Britto tomou ao se autotraduzir e ao traduzir Dickinson. Talvez o tradutor incauto, diante de um texto a ser vertido para a sua língua, possa se lembrar dos versos de Quatro Autotraduções: “Não há saída. Mas lembre: este lugar/ parecia impossível de entrar”. Contudo, o tradutor entra e toma “os fatos tais como eles são/ (por vocês, por exemplo) percebidos./ O resto é silêncio./ Ou, talvez, ruído”.

Nesse livro breve, mas recheado de discussões importantes, algumas considerações sobre o Brasil atual também são levantadas. Em Vers de Circonstance, que fala em “imunidade de rebanho” e, numa espécie de poesia bucólica, debochadamente afirma: “Olhai/ as vacas do campo: não lhes faz falta a ciência,/ pastam em plena bem -aventurança,/ sem que nenhuma antevisão do matadouro/ perturbe a santa paz da ruminança”.

“Há um clima geral de suspeita”, lê-se no poema Post Mortem, mas de uma coisa o leitor pode ter certeza: Fim de tarde não irá decepcionar o “respeitável público”, para parafrasear um verso de Oito Sonetos Entrópicos.

FIM DE VERÃO

PAULO HENRIQUES BRITTO

COMPANHIA DAS LETRAS

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R$ 59,90 ou R$ 35,90 ( e-book)

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