Peça de George Bernard Shaw ganha montagem de 6 horas


Festival em homenagem ao dramaturgo irlandês chega à 58ª edição no Canadá

Por Eric Grode
Atualização:

NIAGARA ON THE LAKE, CANADÁ - “Encantadores”, “maravilha”, “anjos”, “encantadores” novamente. No espaço de menos de uma hora esses foram alguns termos afetuosos que partiam das cadeiras no Festival Theater, um dos três palcos que compõem o Shaw Festival, em Niagara on the Lake, Ontario.

Kimberly Rampersad, diretora de 'Homem e Super-homem' noShaw Festival Foto: Tara Walton/The New York Times

Ensaios de tecnologia – ajustes de milésimos de segundo de cada detalhe da iluminação e dos efeitos sonoros de uma peça – podem desanimar até os profissionais de teatro mais resistentes. Mas Kimbeley Rampersad, que emitiu essas palavras gentis, que vinham do espaço das cadeiras pouco iluminado, não demonstrava falta de vontade. Não com o evento principal do festival, do qual era encarregada – na sua segunda vez a dirigir aqui.

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Uma estátua de bronze de George Bernard Shaw se encontra no centro desta bucólica cidade a 30 quilômetros de Niagara Falls, mas somente duas peças dele serão apresentadas na temporada deste ano, com 11 espetáculos no total.

Algumas pessoas dirão, contudo, que na verdade são três Shaws numa temporada com 12 peças. Porque uma delas – a que Rampersad está supervisionando – é a “besta gloriosa” (usando uma frase dela) conhecida como Man and Superman (Homem e Super-homem), que Shaw levou uma década para ver montada integralmente. 

A estreia da peça, em 1905, foi encenada sem o seu terceiro ato, uma extensa sequência de sonho conhecida como Don Juan no Inferno, em que quatro dos personagens se transformam em seus ancestrais. Várias companhias teatrais adotaram essa mescla de fantasmagoria filosófica e a encenaram como uma peça separada; outras examinaram o roteiro publicado (com um apêndice de 58 páginas dedicado ao protagonista, o Revolutionist’s Handbook and Pocket Companion) e optaram, em vez disso, pelo Pigmalião. Mas o Festival Shaw é exaustivo, com seis horas (incluindo a pausa para o almoço) dedicadas às reflexões de Bernard Shaw sobre anarquia, proto-feminismo, a Fabian Society e muitas, realmente muitas, outras ideias. 

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Man and Superman começou no último fim de semana e será encenado num total de 17 vezes até 5 de outubro. 

“Man and Superman é uma das razões pelas quais assumi este trabalho”, disse Tim Carroll, que se tornou diretor artístico do festival em 2017. “Acho que é uma das grandes coisas feitas por um humano, do mesmo modo que a Missa em Si Menor, de Bach, e a Flauta Mágica, de Mozart.

Mas que humano deveria dirigi-la? O processo de decisão de Carroll foi baseado na sua própria experiência trabalhando para Mark Rylance, do Shakespeare’s Globe Theater, em Londres. “No início da minha estadia lá, Mark veio até mim e perguntou o que eu gostaria de fazer no ano seguinte, antes mesmo de ver o que eu fiz. Perguntei a ele se não gostaria de ver como ficariam as coisas e ele me respondeu: ‘confio em você’. Em grande parte da minha vida trabalhei como freelancer e cheguei aqui determinado a não esquecer como é essa sensação.”

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Rampesad, dançarina e coreógrafa de Winnipeg, Manitoba, veio pela primeira vez ao festival em 2015 para se apresentar em Sweet Charity e Pigmalião (a reutilização do elenco do teatro, marca referencial do festival, significa que todos os 13 membros de Man and Superman também aparecem em Cyrano de Bergerac ou na escabrosa peça de Howard Barker, Victory, mas não no mesmo dia. 

Ela retornou em 2017, na função de diretora interina do festival, ocasião em que auxiliou Carroll em Androcles and the Lion, de Shaw. “Com base na força do seu trabalho, ele convidou-a para dirigir a peça de ato único O’Flaherty V.C., também de Bernard Shaw. (E a escalou para Grand Hotel este ano).

Rampesad, que começou sua mudança para a direção há uma década, quando sentiu que as oportunidades para trabalhar com dança começavam a diminuir, disse que está conexão com tudo que envolve Bernard Shaw não ocorreu da noite para o dia. Quando deixou de interpretar Shaw para dirigir Shaw, ela se atribuiu a tarefa de ler uma peça dele por semana por vários meses.

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“Ele é uma indústria, mas também é uma lente para o mundo E cada vez que resolvemos um dos seus mistérios dois novos aparecem.”

E então há o mistério de 80 minutos conhecido com Don Juan no Inferno, que muitos estudiosos de Shaw afirmam que é melhor que sua própria entidade. Rampersad discorda.

“Ele adiciona mágica à peça. Acrescenta o cosmos, que fornece real peso ao quarto ato. Para mim seria como o fio condutor que estaria perdido desta tapeçaria se não estivesse ali”.

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Encontrar espaço para mágica, mas também para a lógica é onde os talentos de Rampersad se destacam, disse Sara Tophan, que faz o principal papel feminino em Man and Superman.

“Kim tem um instinto insaciável para a explicação, o que é vital para qualquer diretor”, disse Sara Tophan. “A única palavra que me surge para descrevê-la é ‘extraordinária’”.

Quem trabalha ao lado dela é Gray Powell que também elogiou a destreza de Rampersad para tornar essas peças sobrecarregadas de ideias acessíveis ao público. “A clareza dos argumentos é a parte mais difícil no caso de Bernard Shaw – eles têm de soar como pensamentos reais ocorrendo em tempo real. E Kim consegue isto”, disse ele.

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A confiança de Carroll nela surgiu em outro aspecto este ano. Ele e Kate Hennig, sua diretora artística associada, criaram um novo cargo de diretor artístico interino. “Kate e eu examinávamos o panorama do teatro canadense e concluímos que realmente deveríamos incorporar Kim na função”.

Ela foi convidada para participar de todas as reuniões de Carroll – e são muitas – e os dois se encontram pelo menos uma vez por semana para discutir ideais como também detalhes da programação. (Não que suas outras habilidades foram esquecidas: Rampersad aparecerá no Holiday Inn do festival este inverno e vai coreografar e dirigir Gypsy neste festival em 2020.

“É uma oportunidade que tenho de aprender o que significa me dedicar a outras pessoas. O papel do diretor artístico é onde minha arte encontra minha política”, disse ela referindo-se à nova função.

Mas primeiro ela precisa lidar com a obra imponente de Shaw – que descreve como “sair do rigor de dar o melhor de si mesmo e levar os outros a darem o que têm de melhor – sair do inferno e voltar à terra”.

E à medida que entra e sai dessas reuniões, ela retorna a Man and Superman impelida pela motivação do seu chefe, “que enfatiza o rigor e o abandono”. Tim é do tipo que diz: “Vá, vá! Seja excelente, mas vá!” / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

NIAGARA ON THE LAKE, CANADÁ - “Encantadores”, “maravilha”, “anjos”, “encantadores” novamente. No espaço de menos de uma hora esses foram alguns termos afetuosos que partiam das cadeiras no Festival Theater, um dos três palcos que compõem o Shaw Festival, em Niagara on the Lake, Ontario.

Kimberly Rampersad, diretora de 'Homem e Super-homem' noShaw Festival Foto: Tara Walton/The New York Times

Ensaios de tecnologia – ajustes de milésimos de segundo de cada detalhe da iluminação e dos efeitos sonoros de uma peça – podem desanimar até os profissionais de teatro mais resistentes. Mas Kimbeley Rampersad, que emitiu essas palavras gentis, que vinham do espaço das cadeiras pouco iluminado, não demonstrava falta de vontade. Não com o evento principal do festival, do qual era encarregada – na sua segunda vez a dirigir aqui.

Uma estátua de bronze de George Bernard Shaw se encontra no centro desta bucólica cidade a 30 quilômetros de Niagara Falls, mas somente duas peças dele serão apresentadas na temporada deste ano, com 11 espetáculos no total.

Algumas pessoas dirão, contudo, que na verdade são três Shaws numa temporada com 12 peças. Porque uma delas – a que Rampersad está supervisionando – é a “besta gloriosa” (usando uma frase dela) conhecida como Man and Superman (Homem e Super-homem), que Shaw levou uma década para ver montada integralmente. 

A estreia da peça, em 1905, foi encenada sem o seu terceiro ato, uma extensa sequência de sonho conhecida como Don Juan no Inferno, em que quatro dos personagens se transformam em seus ancestrais. Várias companhias teatrais adotaram essa mescla de fantasmagoria filosófica e a encenaram como uma peça separada; outras examinaram o roteiro publicado (com um apêndice de 58 páginas dedicado ao protagonista, o Revolutionist’s Handbook and Pocket Companion) e optaram, em vez disso, pelo Pigmalião. Mas o Festival Shaw é exaustivo, com seis horas (incluindo a pausa para o almoço) dedicadas às reflexões de Bernard Shaw sobre anarquia, proto-feminismo, a Fabian Society e muitas, realmente muitas, outras ideias. 

Man and Superman começou no último fim de semana e será encenado num total de 17 vezes até 5 de outubro. 

“Man and Superman é uma das razões pelas quais assumi este trabalho”, disse Tim Carroll, que se tornou diretor artístico do festival em 2017. “Acho que é uma das grandes coisas feitas por um humano, do mesmo modo que a Missa em Si Menor, de Bach, e a Flauta Mágica, de Mozart.

Mas que humano deveria dirigi-la? O processo de decisão de Carroll foi baseado na sua própria experiência trabalhando para Mark Rylance, do Shakespeare’s Globe Theater, em Londres. “No início da minha estadia lá, Mark veio até mim e perguntou o que eu gostaria de fazer no ano seguinte, antes mesmo de ver o que eu fiz. Perguntei a ele se não gostaria de ver como ficariam as coisas e ele me respondeu: ‘confio em você’. Em grande parte da minha vida trabalhei como freelancer e cheguei aqui determinado a não esquecer como é essa sensação.”

Rampesad, dançarina e coreógrafa de Winnipeg, Manitoba, veio pela primeira vez ao festival em 2015 para se apresentar em Sweet Charity e Pigmalião (a reutilização do elenco do teatro, marca referencial do festival, significa que todos os 13 membros de Man and Superman também aparecem em Cyrano de Bergerac ou na escabrosa peça de Howard Barker, Victory, mas não no mesmo dia. 

Ela retornou em 2017, na função de diretora interina do festival, ocasião em que auxiliou Carroll em Androcles and the Lion, de Shaw. “Com base na força do seu trabalho, ele convidou-a para dirigir a peça de ato único O’Flaherty V.C., também de Bernard Shaw. (E a escalou para Grand Hotel este ano).

Rampesad, que começou sua mudança para a direção há uma década, quando sentiu que as oportunidades para trabalhar com dança começavam a diminuir, disse que está conexão com tudo que envolve Bernard Shaw não ocorreu da noite para o dia. Quando deixou de interpretar Shaw para dirigir Shaw, ela se atribuiu a tarefa de ler uma peça dele por semana por vários meses.

“Ele é uma indústria, mas também é uma lente para o mundo E cada vez que resolvemos um dos seus mistérios dois novos aparecem.”

E então há o mistério de 80 minutos conhecido com Don Juan no Inferno, que muitos estudiosos de Shaw afirmam que é melhor que sua própria entidade. Rampersad discorda.

“Ele adiciona mágica à peça. Acrescenta o cosmos, que fornece real peso ao quarto ato. Para mim seria como o fio condutor que estaria perdido desta tapeçaria se não estivesse ali”.

Encontrar espaço para mágica, mas também para a lógica é onde os talentos de Rampersad se destacam, disse Sara Tophan, que faz o principal papel feminino em Man and Superman.

“Kim tem um instinto insaciável para a explicação, o que é vital para qualquer diretor”, disse Sara Tophan. “A única palavra que me surge para descrevê-la é ‘extraordinária’”.

Quem trabalha ao lado dela é Gray Powell que também elogiou a destreza de Rampersad para tornar essas peças sobrecarregadas de ideias acessíveis ao público. “A clareza dos argumentos é a parte mais difícil no caso de Bernard Shaw – eles têm de soar como pensamentos reais ocorrendo em tempo real. E Kim consegue isto”, disse ele.

A confiança de Carroll nela surgiu em outro aspecto este ano. Ele e Kate Hennig, sua diretora artística associada, criaram um novo cargo de diretor artístico interino. “Kate e eu examinávamos o panorama do teatro canadense e concluímos que realmente deveríamos incorporar Kim na função”.

Ela foi convidada para participar de todas as reuniões de Carroll – e são muitas – e os dois se encontram pelo menos uma vez por semana para discutir ideais como também detalhes da programação. (Não que suas outras habilidades foram esquecidas: Rampersad aparecerá no Holiday Inn do festival este inverno e vai coreografar e dirigir Gypsy neste festival em 2020.

“É uma oportunidade que tenho de aprender o que significa me dedicar a outras pessoas. O papel do diretor artístico é onde minha arte encontra minha política”, disse ela referindo-se à nova função.

Mas primeiro ela precisa lidar com a obra imponente de Shaw – que descreve como “sair do rigor de dar o melhor de si mesmo e levar os outros a darem o que têm de melhor – sair do inferno e voltar à terra”.

E à medida que entra e sai dessas reuniões, ela retorna a Man and Superman impelida pela motivação do seu chefe, “que enfatiza o rigor e o abandono”. Tim é do tipo que diz: “Vá, vá! Seja excelente, mas vá!” / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

NIAGARA ON THE LAKE, CANADÁ - “Encantadores”, “maravilha”, “anjos”, “encantadores” novamente. No espaço de menos de uma hora esses foram alguns termos afetuosos que partiam das cadeiras no Festival Theater, um dos três palcos que compõem o Shaw Festival, em Niagara on the Lake, Ontario.

Kimberly Rampersad, diretora de 'Homem e Super-homem' noShaw Festival Foto: Tara Walton/The New York Times

Ensaios de tecnologia – ajustes de milésimos de segundo de cada detalhe da iluminação e dos efeitos sonoros de uma peça – podem desanimar até os profissionais de teatro mais resistentes. Mas Kimbeley Rampersad, que emitiu essas palavras gentis, que vinham do espaço das cadeiras pouco iluminado, não demonstrava falta de vontade. Não com o evento principal do festival, do qual era encarregada – na sua segunda vez a dirigir aqui.

Uma estátua de bronze de George Bernard Shaw se encontra no centro desta bucólica cidade a 30 quilômetros de Niagara Falls, mas somente duas peças dele serão apresentadas na temporada deste ano, com 11 espetáculos no total.

Algumas pessoas dirão, contudo, que na verdade são três Shaws numa temporada com 12 peças. Porque uma delas – a que Rampersad está supervisionando – é a “besta gloriosa” (usando uma frase dela) conhecida como Man and Superman (Homem e Super-homem), que Shaw levou uma década para ver montada integralmente. 

A estreia da peça, em 1905, foi encenada sem o seu terceiro ato, uma extensa sequência de sonho conhecida como Don Juan no Inferno, em que quatro dos personagens se transformam em seus ancestrais. Várias companhias teatrais adotaram essa mescla de fantasmagoria filosófica e a encenaram como uma peça separada; outras examinaram o roteiro publicado (com um apêndice de 58 páginas dedicado ao protagonista, o Revolutionist’s Handbook and Pocket Companion) e optaram, em vez disso, pelo Pigmalião. Mas o Festival Shaw é exaustivo, com seis horas (incluindo a pausa para o almoço) dedicadas às reflexões de Bernard Shaw sobre anarquia, proto-feminismo, a Fabian Society e muitas, realmente muitas, outras ideias. 

Man and Superman começou no último fim de semana e será encenado num total de 17 vezes até 5 de outubro. 

“Man and Superman é uma das razões pelas quais assumi este trabalho”, disse Tim Carroll, que se tornou diretor artístico do festival em 2017. “Acho que é uma das grandes coisas feitas por um humano, do mesmo modo que a Missa em Si Menor, de Bach, e a Flauta Mágica, de Mozart.

Mas que humano deveria dirigi-la? O processo de decisão de Carroll foi baseado na sua própria experiência trabalhando para Mark Rylance, do Shakespeare’s Globe Theater, em Londres. “No início da minha estadia lá, Mark veio até mim e perguntou o que eu gostaria de fazer no ano seguinte, antes mesmo de ver o que eu fiz. Perguntei a ele se não gostaria de ver como ficariam as coisas e ele me respondeu: ‘confio em você’. Em grande parte da minha vida trabalhei como freelancer e cheguei aqui determinado a não esquecer como é essa sensação.”

Rampesad, dançarina e coreógrafa de Winnipeg, Manitoba, veio pela primeira vez ao festival em 2015 para se apresentar em Sweet Charity e Pigmalião (a reutilização do elenco do teatro, marca referencial do festival, significa que todos os 13 membros de Man and Superman também aparecem em Cyrano de Bergerac ou na escabrosa peça de Howard Barker, Victory, mas não no mesmo dia. 

Ela retornou em 2017, na função de diretora interina do festival, ocasião em que auxiliou Carroll em Androcles and the Lion, de Shaw. “Com base na força do seu trabalho, ele convidou-a para dirigir a peça de ato único O’Flaherty V.C., também de Bernard Shaw. (E a escalou para Grand Hotel este ano).

Rampesad, que começou sua mudança para a direção há uma década, quando sentiu que as oportunidades para trabalhar com dança começavam a diminuir, disse que está conexão com tudo que envolve Bernard Shaw não ocorreu da noite para o dia. Quando deixou de interpretar Shaw para dirigir Shaw, ela se atribuiu a tarefa de ler uma peça dele por semana por vários meses.

“Ele é uma indústria, mas também é uma lente para o mundo E cada vez que resolvemos um dos seus mistérios dois novos aparecem.”

E então há o mistério de 80 minutos conhecido com Don Juan no Inferno, que muitos estudiosos de Shaw afirmam que é melhor que sua própria entidade. Rampersad discorda.

“Ele adiciona mágica à peça. Acrescenta o cosmos, que fornece real peso ao quarto ato. Para mim seria como o fio condutor que estaria perdido desta tapeçaria se não estivesse ali”.

Encontrar espaço para mágica, mas também para a lógica é onde os talentos de Rampersad se destacam, disse Sara Tophan, que faz o principal papel feminino em Man and Superman.

“Kim tem um instinto insaciável para a explicação, o que é vital para qualquer diretor”, disse Sara Tophan. “A única palavra que me surge para descrevê-la é ‘extraordinária’”.

Quem trabalha ao lado dela é Gray Powell que também elogiou a destreza de Rampersad para tornar essas peças sobrecarregadas de ideias acessíveis ao público. “A clareza dos argumentos é a parte mais difícil no caso de Bernard Shaw – eles têm de soar como pensamentos reais ocorrendo em tempo real. E Kim consegue isto”, disse ele.

A confiança de Carroll nela surgiu em outro aspecto este ano. Ele e Kate Hennig, sua diretora artística associada, criaram um novo cargo de diretor artístico interino. “Kate e eu examinávamos o panorama do teatro canadense e concluímos que realmente deveríamos incorporar Kim na função”.

Ela foi convidada para participar de todas as reuniões de Carroll – e são muitas – e os dois se encontram pelo menos uma vez por semana para discutir ideais como também detalhes da programação. (Não que suas outras habilidades foram esquecidas: Rampersad aparecerá no Holiday Inn do festival este inverno e vai coreografar e dirigir Gypsy neste festival em 2020.

“É uma oportunidade que tenho de aprender o que significa me dedicar a outras pessoas. O papel do diretor artístico é onde minha arte encontra minha política”, disse ela referindo-se à nova função.

Mas primeiro ela precisa lidar com a obra imponente de Shaw – que descreve como “sair do rigor de dar o melhor de si mesmo e levar os outros a darem o que têm de melhor – sair do inferno e voltar à terra”.

E à medida que entra e sai dessas reuniões, ela retorna a Man and Superman impelida pela motivação do seu chefe, “que enfatiza o rigor e o abandono”. Tim é do tipo que diz: “Vá, vá! Seja excelente, mas vá!” / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

NIAGARA ON THE LAKE, CANADÁ - “Encantadores”, “maravilha”, “anjos”, “encantadores” novamente. No espaço de menos de uma hora esses foram alguns termos afetuosos que partiam das cadeiras no Festival Theater, um dos três palcos que compõem o Shaw Festival, em Niagara on the Lake, Ontario.

Kimberly Rampersad, diretora de 'Homem e Super-homem' noShaw Festival Foto: Tara Walton/The New York Times

Ensaios de tecnologia – ajustes de milésimos de segundo de cada detalhe da iluminação e dos efeitos sonoros de uma peça – podem desanimar até os profissionais de teatro mais resistentes. Mas Kimbeley Rampersad, que emitiu essas palavras gentis, que vinham do espaço das cadeiras pouco iluminado, não demonstrava falta de vontade. Não com o evento principal do festival, do qual era encarregada – na sua segunda vez a dirigir aqui.

Uma estátua de bronze de George Bernard Shaw se encontra no centro desta bucólica cidade a 30 quilômetros de Niagara Falls, mas somente duas peças dele serão apresentadas na temporada deste ano, com 11 espetáculos no total.

Algumas pessoas dirão, contudo, que na verdade são três Shaws numa temporada com 12 peças. Porque uma delas – a que Rampersad está supervisionando – é a “besta gloriosa” (usando uma frase dela) conhecida como Man and Superman (Homem e Super-homem), que Shaw levou uma década para ver montada integralmente. 

A estreia da peça, em 1905, foi encenada sem o seu terceiro ato, uma extensa sequência de sonho conhecida como Don Juan no Inferno, em que quatro dos personagens se transformam em seus ancestrais. Várias companhias teatrais adotaram essa mescla de fantasmagoria filosófica e a encenaram como uma peça separada; outras examinaram o roteiro publicado (com um apêndice de 58 páginas dedicado ao protagonista, o Revolutionist’s Handbook and Pocket Companion) e optaram, em vez disso, pelo Pigmalião. Mas o Festival Shaw é exaustivo, com seis horas (incluindo a pausa para o almoço) dedicadas às reflexões de Bernard Shaw sobre anarquia, proto-feminismo, a Fabian Society e muitas, realmente muitas, outras ideias. 

Man and Superman começou no último fim de semana e será encenado num total de 17 vezes até 5 de outubro. 

“Man and Superman é uma das razões pelas quais assumi este trabalho”, disse Tim Carroll, que se tornou diretor artístico do festival em 2017. “Acho que é uma das grandes coisas feitas por um humano, do mesmo modo que a Missa em Si Menor, de Bach, e a Flauta Mágica, de Mozart.

Mas que humano deveria dirigi-la? O processo de decisão de Carroll foi baseado na sua própria experiência trabalhando para Mark Rylance, do Shakespeare’s Globe Theater, em Londres. “No início da minha estadia lá, Mark veio até mim e perguntou o que eu gostaria de fazer no ano seguinte, antes mesmo de ver o que eu fiz. Perguntei a ele se não gostaria de ver como ficariam as coisas e ele me respondeu: ‘confio em você’. Em grande parte da minha vida trabalhei como freelancer e cheguei aqui determinado a não esquecer como é essa sensação.”

Rampesad, dançarina e coreógrafa de Winnipeg, Manitoba, veio pela primeira vez ao festival em 2015 para se apresentar em Sweet Charity e Pigmalião (a reutilização do elenco do teatro, marca referencial do festival, significa que todos os 13 membros de Man and Superman também aparecem em Cyrano de Bergerac ou na escabrosa peça de Howard Barker, Victory, mas não no mesmo dia. 

Ela retornou em 2017, na função de diretora interina do festival, ocasião em que auxiliou Carroll em Androcles and the Lion, de Shaw. “Com base na força do seu trabalho, ele convidou-a para dirigir a peça de ato único O’Flaherty V.C., também de Bernard Shaw. (E a escalou para Grand Hotel este ano).

Rampesad, que começou sua mudança para a direção há uma década, quando sentiu que as oportunidades para trabalhar com dança começavam a diminuir, disse que está conexão com tudo que envolve Bernard Shaw não ocorreu da noite para o dia. Quando deixou de interpretar Shaw para dirigir Shaw, ela se atribuiu a tarefa de ler uma peça dele por semana por vários meses.

“Ele é uma indústria, mas também é uma lente para o mundo E cada vez que resolvemos um dos seus mistérios dois novos aparecem.”

E então há o mistério de 80 minutos conhecido com Don Juan no Inferno, que muitos estudiosos de Shaw afirmam que é melhor que sua própria entidade. Rampersad discorda.

“Ele adiciona mágica à peça. Acrescenta o cosmos, que fornece real peso ao quarto ato. Para mim seria como o fio condutor que estaria perdido desta tapeçaria se não estivesse ali”.

Encontrar espaço para mágica, mas também para a lógica é onde os talentos de Rampersad se destacam, disse Sara Tophan, que faz o principal papel feminino em Man and Superman.

“Kim tem um instinto insaciável para a explicação, o que é vital para qualquer diretor”, disse Sara Tophan. “A única palavra que me surge para descrevê-la é ‘extraordinária’”.

Quem trabalha ao lado dela é Gray Powell que também elogiou a destreza de Rampersad para tornar essas peças sobrecarregadas de ideias acessíveis ao público. “A clareza dos argumentos é a parte mais difícil no caso de Bernard Shaw – eles têm de soar como pensamentos reais ocorrendo em tempo real. E Kim consegue isto”, disse ele.

A confiança de Carroll nela surgiu em outro aspecto este ano. Ele e Kate Hennig, sua diretora artística associada, criaram um novo cargo de diretor artístico interino. “Kate e eu examinávamos o panorama do teatro canadense e concluímos que realmente deveríamos incorporar Kim na função”.

Ela foi convidada para participar de todas as reuniões de Carroll – e são muitas – e os dois se encontram pelo menos uma vez por semana para discutir ideais como também detalhes da programação. (Não que suas outras habilidades foram esquecidas: Rampersad aparecerá no Holiday Inn do festival este inverno e vai coreografar e dirigir Gypsy neste festival em 2020.

“É uma oportunidade que tenho de aprender o que significa me dedicar a outras pessoas. O papel do diretor artístico é onde minha arte encontra minha política”, disse ela referindo-se à nova função.

Mas primeiro ela precisa lidar com a obra imponente de Shaw – que descreve como “sair do rigor de dar o melhor de si mesmo e levar os outros a darem o que têm de melhor – sair do inferno e voltar à terra”.

E à medida que entra e sai dessas reuniões, ela retorna a Man and Superman impelida pela motivação do seu chefe, “que enfatiza o rigor e o abandono”. Tim é do tipo que diz: “Vá, vá! Seja excelente, mas vá!” / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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