Um casal chega devagar na varanda de um casarão situado no meio do nada, em pleno coração da natureza. Ao redor, só árvores. E suas exclamações são de alegria, algo como enfim sós. Ali eles pretendem ficar "sozinhos juntos", o sonho de todo casal apaixonado, isolar-se do mundo para viver uma paixão. Mas será tão bom assim? Esse é o mote da peça "Alguém Vai Vir", do norueguês Jon Fosse, que estréia nesta sexta-feira, no Crowne Plaza. Na direção, Alexandre Tenório, e no palco Cristina Cavalcanti, Marcelo Diaz e Sérgio Carrera. Foi a atriz Cristina quem descobriu o texto deste dramaturgo de 47 anos. Claro que há também uma remissão à paranóia contemporânea, à insegurança urbana nesse desejo de isolamento. Que ganha uma dimensão ainda maior na São Paulo ameaçada e amedrontada. Numa primeira leitura, o texto pode parecer bem estranho, mas o mesmo podia ser dito de Terrorismo, que resultou em uma ótima montagem, peça também descoberta por essa atriz. "Tô ficando boa nisso",brinca Cristina ao comentar a bizarrice de "Alguém Vai Vir". "O próprio autor diz que escreve como se fosse música. É preciso ir descobrindo os diferentes ritmos para que as frases ganhem sentido." Tenório, o diretor, concorda. "O texto é repetitivo e tem um espectro pequeno de palavras. O mais importante é a atmosfera, o clima que se instaura entre os personagens." Eles compraram o casarão mobiliado, talvez para não ter de levar nada para lá, para não construírem eles próprios uma ponte entre a cidade e essa suposta ilha de paz. Mas será que o isolamento é a melhor forma de preservação? Afastados, os outros serão sempre desconhecidos e, por isso mesmo, ameaçadores. Segundo a equipe de criação, o reduzido público de amigos que assistiu a algumas leituras da peça riu muito, o que não deixou de ser uma surpresa, já que não se trata de uma comédia. Mas é evidente que a situação provoca empatia e provoca graça ver alguém comemorar o fato de estar junto com o outro, "só os dois, sozinhos, juntos, para sempre", e perceber a mudança de tom nessa frase que, depois de algum tempo, já não soa tão feliz. "Claro que há o humor do patético, da situação absurda a que os personagens se impuseram", diz Tenório. Mas ele avisa que tanto ele quanto os atores vêm tomando muito cuidado para não cair na ´tentação´ do humor. "Temos medo disso, de sair da medida justa. Por isso privilegiamos movimentos lentos que dêem conta da angústia dessa tentativa de isolamento para preservar alguma coisa que se perde assim mesmo." Na verdade a peça fala de um movimento que é muito comum - daí a identificação da platéia - que é a tentativa de reter alguma coisa, de tomar posse absoluta dela. Porém quanto mais o casal de isola, mais eles temem o aparecimento de outra pessoa. Afastados, não têm paz porque vivem na expectativa de aparecer alguém. Quando este alguém surge, passam a sentir-se ameaçados, com ou sem razão. "Aparentemente não há nada de ameaçador no personagem que surge repentinamente naquela casa. Ele é o antigo proprietário, ganhou a casa de herança, seus pais viveram ali, ele só quer fazer uma visita, rever aquele local da infância", diz Cristina. Alguém Vai Vir. 100 min.12 anos. Teatro Augusta - Sala Experimental (50 lug.). RuaAugusta, 943, 3151-4141. 6.ª, 21h30; sáb., 21 h; dom., 18 h.R$ 20 (6.ª) e R$ 30. Até 1/10
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