Um festival com maioria de competidores pernambucanos só poderia dar mesmo um pernambucano como vencedor. O que ninguém esperava é que os ganhadores fossem dois, já que o júri, indeciso, resolveu dividir o prêmio principal entre Era uma Vez Eu, Verônica, de Marcelo Gomes, e Eles Voltam, de Marcelo Lordello.Mas os jurados, além da façanha de enfraquecer o prêmio principal, dividindo-o, ainda conseguiram promover a maior injustiça em festivais dos últimos tempos ao ignorar a interpretação de Hermila Guedes em Era uma Vez Eu, Verônica. Deram o prêmio de atriz à menina estreante Maria Luiza Tavares, de Eles Voltam, que, claro, tem qualidades, mas é ainda apenas uma garota promissora. Uma "esperança" para o futuro, como se diz na Europa. Hermila é atriz completa, e nunca esteve tão entregue a um papel como neste trabalho. Uma pena.De qualquer forma, Era uma Vez Eu, Verônica ficou com o Candango de melhor filme, e os de ator coadjuvante (W.J. Solha), roteiro (Marcelo Gomes), fotografia (Mauro Pinheiro Jr.), trilha sonora (Tomas Alves Souza e Karina Buhr), além do prêmio do público. Premiação importante para um trabalho visceral, que contempla o mal-estar da juventude do Recife, mas o tempera com as forças da vida e do sexo. A própria cidade é vista sob ângulo múltiplo, palco da destruição causada pela especulação imobiliária, e também local da alegria, do carnaval e do frevo. A realidade tem muitas faces, parece nos relembrar esse belo filme. Ao receber seu prêmio, o diretor Marcelo Gomes o dedicou a Hermila, em evidente desagravo à sua atriz.Coube a Eles Voltam, além da sua metade do Candango principal, o já citado de atriz (Maria Luiza Tavares), e os de atriz coadjuvante (Elayne Moura) e prêmio da crítica. Emocionado, o diretor Marcelo Lordello lembrou que Elayne mora num assentamento de sem-terra. "A reforma agrária para valer é uma necessidade no nosso País", disse. O filme tem essa virtude de colocar em contato personagens oriundos de classes diferentes, sem qualquer panfletarismo, de uma maneira poética muito tocante.O estiloso e algo vazio Boa Sorte, Meu Amor ficou com um inacreditável troféu de direção (Daniel Aragão), som, e a bizarra menção especial do júri ao ator veterano Carlos Mossy, que faz uma ponta inexpressiva no filme. Esse Amor Que nos Consome, de Allan Ribeiro, ficou com direção de arte (Gatto Larsen e Rubens Bardot), montagem (Ricardo Pretti). Trabalho interessante sobre um grupo de dança carioca, seus bastidores, seu processo de criação. Coube a Noites de Reis, de Vinícius Reis, o prêmio de ator, para Enrique Diaz.A premiação de documentários também não se fez sem polêmica. O vencedor, Otto, de Cao Guimarães, foi vaiado pela plateia ao anúncio do prêmio. "É belo, porém narcísico", era a acusação mais frequente ao filme, que acompanha a gravidez da mulher do diretor, Flor, e o nascimento do filho que dá nome ao documentário. Além de melhor filme, Otto levou os troféus de fotografia, trilha sonora, som. É uma bela peça cinematográfica, diga-se o que se disser.Em seguida, veio o também muito bom Elena, com os troféus de direção (Petra Costa), direção de arte e montagem. Nesse trabalho corajoso, a diretora refaz a história de sua irmã, Elena, atriz que tenta fazer carreira no cinema dos Estados Unidos, fracassa e se mata em Nova York. Quando Elena morreu, Petra era apenas uma garota. A família tinha o hábito de se filmar, portanto, ela dispunha de bom material em estado bruto para começar. Para enfrentar o tema complicado, dá a ele o ar de uma ficção em primeira pessoa, num intimismo doído que comoveu muita gente em Brasília.Entre os curtas, venceu Vestido de Laerte, de Claudia Priscilla e Pedro Marques, tendo o cartunista Laerte, praticante do crossdressing, como personagem de estranha ficção. O ótimo A Mão Que Afaga ganhou os prêmios de atriz, roteiro, montagem e também o troféu da crítica. Em mostra fraca, o prêmio de melhor animação ficou para Valquíria, de Luiz Henrique Marques.