Pinacoteca mostra o melhor da arte americana


A exposição 'Pelas Ruas: Vida Moderna e Experiências Urbanas na Arte dos Estados Unidos' traz de Edward Hopper a Andy Warhol

Por Antonio Gonçalves Filho

A exposição Pelas Ruas: Vida Moderna e Experiências Urbanas na Arte dos Estados Unidos, aberta neste sábado (27) na Pinacoteca do Estado, é praticamente uma síntese da arte norte-americana entre 1893, ano da Exposição Mundial Colombiana, e 1976, quando foi comemorado o bicentenário dos EUA. Alguns dos melhores pintores ativos no fim do século 19 e durante o século 20 estão representados na mostra, às vezes com mais de uma obra, do paisagista Childe Hassan (1859-1935) ao maior nome da arte pop americana, Andy Warhol (1928-1987), passando pelo pintor Edward Hopper e fotógrafos como Walker Evans, Robert Frank e Gordon Parks.

Segunda parceria da Pinacoteca do Estado com a Terra Foundation (a primeira foi a mostra Paisagem nas Américas, em 2015/16), a exposição, que reúne 150 obras de 78 artistas e 16 diferentes acervos (Whitney Museum, entre eles), traz não apenas nomes imediatamente reconhecíveis, como Hopper, mas artistas pouco conhecidos do público brasileiro, como os irmãos Isaac e Raphael Sayer.

A tela 'Agência de Emprego" (1937),de Isaac Sayer,mostra os efeitos da Grande Depressão Foto: Daniel Teixeira
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Durante os anos da Grande Depressão americana, os irmãos Sayer registraram a miséria no país mais poderoso do mundo. São deles duas obras tocantes sobre o período, uma pintura de 1931 assinada pelo primeiro, que retrata desempregados numa agência de empregos, e outra de seu irmão Raphael, que registra o café da manhã de destituídos numa missão religiosa que acolhe pessoas em situação de rua.

Ao lado dos irmãos Sayer, fotos da prestigiada Dorothea Lange (também dos anos 1930) registram as cenas reais dos desempregados à procura de uma colocação numa agência da rua Howard, em São Francisco. A poucos metros, na mesma sala, Walker Evans, o fotógrafo que melhor retratou a situação dos deserdados na Depressão, a pedido do próprio governo americano, mostra também o outro lado da moeda, apontando sua câmera para a opulência de uma metrópole como Nova York nos anos 1920, como na foto em que mostra a ponte do Brooklin (1928) em contra-plongée.

Pelas Ruas, contudo, não é uma exposição ideológica sobre a miséria e o esplendor dos centros urbanos americanos, garantem as três curadoras da exposição, Valéria Piccoli, curadora-chefe da Pinacoteca, Fernanda Pitta e Taylor L. Poulin, curadora-assistente da Terra Foundation. É, sim, uma mostra que, a partir do registro do marco zero da modernidade americana, a Exposição Mundial Colombiana, em 1893, visa acompanhar a expansão artística nas cidades dos EUA, mostrando como elas viraram espaços de experimentação e ajudaram a criar novas linguagens artísticas.

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Visitante se encaminha para a tela 'Palhaço com Tambor' (1942), de Walt Kuhn Foto: Daniel Teixeira

“Nessa exposição de 1893 se discute o modelo da cidade moderna, como nas três telas de Childe Hassan, em que ele reinventa o espaço urbano”, observa a curadora Fernanda Pitta. Nas telas de Hassan, a predominância de pessoas brancas sugere uma supremacia racial que seria contestada posteriormente por pintores como o afrodescendente Jacob Lawrence (1917-2000) e Robert Spencer, um impressionista da Pensilvânia e autor de uma das telas da mostra, Êxodo (1928). Nela, Spencer faz – intencionalmente ou não –, uma referência à tela Il Quarto Stato (1901) do italiano Pelizza da Volpedo, alterando o tema para o drama da migração que marcou a história americana.

Na mesma época, outros pintores abandonaram a linguagem realista para abraçar a abstração, caso de George Josimovich (1894-1986), que, na tela Estação Central de Illinois (1927), evoca o cubista francês Léger, professor de Tarsila do Amaral. Um dos trabalhos de Hopper emprestado para a mostra, Alvorada na Pensilvânia (1942) adota igualmente como tema uma estação ferroviária, mas num outro registro, o da solidão urbana em espaços vazios.

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Obra sem titulo de Hughie Lee-Smith: a solidão na cena urbana desoladora Foto: Daniel Teixeira

A outra obra de Hopper é uma água-forte de 1921, Sombras da Noite, em que um homem solitário é visto de cima, em plongée, como se a metrópole opressora estivesse prestes a esmagá-lo. Também num cenário metafísico, o pintor Louis Guglielmi (1906-1956), ultrapassado pelo expressionismo abstrato e depois esquecido, ambienta sua tela Terror no Brooklin (1943), em que três mulheres negras, encapsuladas, são acossadas pelo clima pesado da região. Outro ponto alto contra o racismo é a pintura de Horace Pippin (1888-1946), autodidata negro que se dedicou a “adaptar” temas da pintura clássica (como a Crucificação de um Negro, em 1943). Na mostra está uma tela exemplar sua, Homem Num Banco, de 1946.

Andy Warhol tampouco é pop na mostra. Ela traz uma gravura sua de 1965 em que recria um ato político conhecido como Birmingham Race Riot, sobre o ataque (com cães) comandado por um comissário de polícia do Alabama contra militantes por direitos civis. Warhol encerra a exposição, mas há também gente engraçada nela, como Paul Cadmus (1904-1999), que, na tela Licença para Desembarcar”(1933), mostra, em plena Depreessão, uma cena engraçada e erótica: um grupo de marinheiros farreando com prostitutas e homossexuais, escondidos no fundo da pintura. Dá para desconfiar que o finlandês Touko Laaksonen usou o marinheiro marombado (à direita da tela) do quadro como modelo de seu personagem homoerótico Tom of Finland. Os americanos sempre fazendo história.

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'Licençapara Desembarcar' (1933), tela de Paul Cadmus, trata de erotismo em plena Depressão Foto: Daniel Teixeira

Serviço:

Pelas ruas: vida moderna e experiências urbanas na arte dos Estados Unidos. 1893-1976

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Pinacoteca do Estado. Praça da Luz, nº 2

De quarta a segunda, das 10h às 18h. Ingressos no site da Pinacoteca R$ 20 (inteira), R 10 (meia-entrada

Até 30/01/2023

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A exposição Pelas Ruas: Vida Moderna e Experiências Urbanas na Arte dos Estados Unidos, aberta neste sábado (27) na Pinacoteca do Estado, é praticamente uma síntese da arte norte-americana entre 1893, ano da Exposição Mundial Colombiana, e 1976, quando foi comemorado o bicentenário dos EUA. Alguns dos melhores pintores ativos no fim do século 19 e durante o século 20 estão representados na mostra, às vezes com mais de uma obra, do paisagista Childe Hassan (1859-1935) ao maior nome da arte pop americana, Andy Warhol (1928-1987), passando pelo pintor Edward Hopper e fotógrafos como Walker Evans, Robert Frank e Gordon Parks.

Segunda parceria da Pinacoteca do Estado com a Terra Foundation (a primeira foi a mostra Paisagem nas Américas, em 2015/16), a exposição, que reúne 150 obras de 78 artistas e 16 diferentes acervos (Whitney Museum, entre eles), traz não apenas nomes imediatamente reconhecíveis, como Hopper, mas artistas pouco conhecidos do público brasileiro, como os irmãos Isaac e Raphael Sayer.

A tela 'Agência de Emprego" (1937),de Isaac Sayer,mostra os efeitos da Grande Depressão Foto: Daniel Teixeira

Durante os anos da Grande Depressão americana, os irmãos Sayer registraram a miséria no país mais poderoso do mundo. São deles duas obras tocantes sobre o período, uma pintura de 1931 assinada pelo primeiro, que retrata desempregados numa agência de empregos, e outra de seu irmão Raphael, que registra o café da manhã de destituídos numa missão religiosa que acolhe pessoas em situação de rua.

Ao lado dos irmãos Sayer, fotos da prestigiada Dorothea Lange (também dos anos 1930) registram as cenas reais dos desempregados à procura de uma colocação numa agência da rua Howard, em São Francisco. A poucos metros, na mesma sala, Walker Evans, o fotógrafo que melhor retratou a situação dos deserdados na Depressão, a pedido do próprio governo americano, mostra também o outro lado da moeda, apontando sua câmera para a opulência de uma metrópole como Nova York nos anos 1920, como na foto em que mostra a ponte do Brooklin (1928) em contra-plongée.

Pelas Ruas, contudo, não é uma exposição ideológica sobre a miséria e o esplendor dos centros urbanos americanos, garantem as três curadoras da exposição, Valéria Piccoli, curadora-chefe da Pinacoteca, Fernanda Pitta e Taylor L. Poulin, curadora-assistente da Terra Foundation. É, sim, uma mostra que, a partir do registro do marco zero da modernidade americana, a Exposição Mundial Colombiana, em 1893, visa acompanhar a expansão artística nas cidades dos EUA, mostrando como elas viraram espaços de experimentação e ajudaram a criar novas linguagens artísticas.

Visitante se encaminha para a tela 'Palhaço com Tambor' (1942), de Walt Kuhn Foto: Daniel Teixeira

“Nessa exposição de 1893 se discute o modelo da cidade moderna, como nas três telas de Childe Hassan, em que ele reinventa o espaço urbano”, observa a curadora Fernanda Pitta. Nas telas de Hassan, a predominância de pessoas brancas sugere uma supremacia racial que seria contestada posteriormente por pintores como o afrodescendente Jacob Lawrence (1917-2000) e Robert Spencer, um impressionista da Pensilvânia e autor de uma das telas da mostra, Êxodo (1928). Nela, Spencer faz – intencionalmente ou não –, uma referência à tela Il Quarto Stato (1901) do italiano Pelizza da Volpedo, alterando o tema para o drama da migração que marcou a história americana.

Na mesma época, outros pintores abandonaram a linguagem realista para abraçar a abstração, caso de George Josimovich (1894-1986), que, na tela Estação Central de Illinois (1927), evoca o cubista francês Léger, professor de Tarsila do Amaral. Um dos trabalhos de Hopper emprestado para a mostra, Alvorada na Pensilvânia (1942) adota igualmente como tema uma estação ferroviária, mas num outro registro, o da solidão urbana em espaços vazios.

Obra sem titulo de Hughie Lee-Smith: a solidão na cena urbana desoladora Foto: Daniel Teixeira

A outra obra de Hopper é uma água-forte de 1921, Sombras da Noite, em que um homem solitário é visto de cima, em plongée, como se a metrópole opressora estivesse prestes a esmagá-lo. Também num cenário metafísico, o pintor Louis Guglielmi (1906-1956), ultrapassado pelo expressionismo abstrato e depois esquecido, ambienta sua tela Terror no Brooklin (1943), em que três mulheres negras, encapsuladas, são acossadas pelo clima pesado da região. Outro ponto alto contra o racismo é a pintura de Horace Pippin (1888-1946), autodidata negro que se dedicou a “adaptar” temas da pintura clássica (como a Crucificação de um Negro, em 1943). Na mostra está uma tela exemplar sua, Homem Num Banco, de 1946.

Andy Warhol tampouco é pop na mostra. Ela traz uma gravura sua de 1965 em que recria um ato político conhecido como Birmingham Race Riot, sobre o ataque (com cães) comandado por um comissário de polícia do Alabama contra militantes por direitos civis. Warhol encerra a exposição, mas há também gente engraçada nela, como Paul Cadmus (1904-1999), que, na tela Licença para Desembarcar”(1933), mostra, em plena Depreessão, uma cena engraçada e erótica: um grupo de marinheiros farreando com prostitutas e homossexuais, escondidos no fundo da pintura. Dá para desconfiar que o finlandês Touko Laaksonen usou o marinheiro marombado (à direita da tela) do quadro como modelo de seu personagem homoerótico Tom of Finland. Os americanos sempre fazendo história.

'Licençapara Desembarcar' (1933), tela de Paul Cadmus, trata de erotismo em plena Depressão Foto: Daniel Teixeira

Serviço:

Pelas ruas: vida moderna e experiências urbanas na arte dos Estados Unidos. 1893-1976

Pinacoteca do Estado. Praça da Luz, nº 2

De quarta a segunda, das 10h às 18h. Ingressos no site da Pinacoteca R$ 20 (inteira), R 10 (meia-entrada

Até 30/01/2023

A exposição Pelas Ruas: Vida Moderna e Experiências Urbanas na Arte dos Estados Unidos, aberta neste sábado (27) na Pinacoteca do Estado, é praticamente uma síntese da arte norte-americana entre 1893, ano da Exposição Mundial Colombiana, e 1976, quando foi comemorado o bicentenário dos EUA. Alguns dos melhores pintores ativos no fim do século 19 e durante o século 20 estão representados na mostra, às vezes com mais de uma obra, do paisagista Childe Hassan (1859-1935) ao maior nome da arte pop americana, Andy Warhol (1928-1987), passando pelo pintor Edward Hopper e fotógrafos como Walker Evans, Robert Frank e Gordon Parks.

Segunda parceria da Pinacoteca do Estado com a Terra Foundation (a primeira foi a mostra Paisagem nas Américas, em 2015/16), a exposição, que reúne 150 obras de 78 artistas e 16 diferentes acervos (Whitney Museum, entre eles), traz não apenas nomes imediatamente reconhecíveis, como Hopper, mas artistas pouco conhecidos do público brasileiro, como os irmãos Isaac e Raphael Sayer.

A tela 'Agência de Emprego" (1937),de Isaac Sayer,mostra os efeitos da Grande Depressão Foto: Daniel Teixeira

Durante os anos da Grande Depressão americana, os irmãos Sayer registraram a miséria no país mais poderoso do mundo. São deles duas obras tocantes sobre o período, uma pintura de 1931 assinada pelo primeiro, que retrata desempregados numa agência de empregos, e outra de seu irmão Raphael, que registra o café da manhã de destituídos numa missão religiosa que acolhe pessoas em situação de rua.

Ao lado dos irmãos Sayer, fotos da prestigiada Dorothea Lange (também dos anos 1930) registram as cenas reais dos desempregados à procura de uma colocação numa agência da rua Howard, em São Francisco. A poucos metros, na mesma sala, Walker Evans, o fotógrafo que melhor retratou a situação dos deserdados na Depressão, a pedido do próprio governo americano, mostra também o outro lado da moeda, apontando sua câmera para a opulência de uma metrópole como Nova York nos anos 1920, como na foto em que mostra a ponte do Brooklin (1928) em contra-plongée.

Pelas Ruas, contudo, não é uma exposição ideológica sobre a miséria e o esplendor dos centros urbanos americanos, garantem as três curadoras da exposição, Valéria Piccoli, curadora-chefe da Pinacoteca, Fernanda Pitta e Taylor L. Poulin, curadora-assistente da Terra Foundation. É, sim, uma mostra que, a partir do registro do marco zero da modernidade americana, a Exposição Mundial Colombiana, em 1893, visa acompanhar a expansão artística nas cidades dos EUA, mostrando como elas viraram espaços de experimentação e ajudaram a criar novas linguagens artísticas.

Visitante se encaminha para a tela 'Palhaço com Tambor' (1942), de Walt Kuhn Foto: Daniel Teixeira

“Nessa exposição de 1893 se discute o modelo da cidade moderna, como nas três telas de Childe Hassan, em que ele reinventa o espaço urbano”, observa a curadora Fernanda Pitta. Nas telas de Hassan, a predominância de pessoas brancas sugere uma supremacia racial que seria contestada posteriormente por pintores como o afrodescendente Jacob Lawrence (1917-2000) e Robert Spencer, um impressionista da Pensilvânia e autor de uma das telas da mostra, Êxodo (1928). Nela, Spencer faz – intencionalmente ou não –, uma referência à tela Il Quarto Stato (1901) do italiano Pelizza da Volpedo, alterando o tema para o drama da migração que marcou a história americana.

Na mesma época, outros pintores abandonaram a linguagem realista para abraçar a abstração, caso de George Josimovich (1894-1986), que, na tela Estação Central de Illinois (1927), evoca o cubista francês Léger, professor de Tarsila do Amaral. Um dos trabalhos de Hopper emprestado para a mostra, Alvorada na Pensilvânia (1942) adota igualmente como tema uma estação ferroviária, mas num outro registro, o da solidão urbana em espaços vazios.

Obra sem titulo de Hughie Lee-Smith: a solidão na cena urbana desoladora Foto: Daniel Teixeira

A outra obra de Hopper é uma água-forte de 1921, Sombras da Noite, em que um homem solitário é visto de cima, em plongée, como se a metrópole opressora estivesse prestes a esmagá-lo. Também num cenário metafísico, o pintor Louis Guglielmi (1906-1956), ultrapassado pelo expressionismo abstrato e depois esquecido, ambienta sua tela Terror no Brooklin (1943), em que três mulheres negras, encapsuladas, são acossadas pelo clima pesado da região. Outro ponto alto contra o racismo é a pintura de Horace Pippin (1888-1946), autodidata negro que se dedicou a “adaptar” temas da pintura clássica (como a Crucificação de um Negro, em 1943). Na mostra está uma tela exemplar sua, Homem Num Banco, de 1946.

Andy Warhol tampouco é pop na mostra. Ela traz uma gravura sua de 1965 em que recria um ato político conhecido como Birmingham Race Riot, sobre o ataque (com cães) comandado por um comissário de polícia do Alabama contra militantes por direitos civis. Warhol encerra a exposição, mas há também gente engraçada nela, como Paul Cadmus (1904-1999), que, na tela Licença para Desembarcar”(1933), mostra, em plena Depreessão, uma cena engraçada e erótica: um grupo de marinheiros farreando com prostitutas e homossexuais, escondidos no fundo da pintura. Dá para desconfiar que o finlandês Touko Laaksonen usou o marinheiro marombado (à direita da tela) do quadro como modelo de seu personagem homoerótico Tom of Finland. Os americanos sempre fazendo história.

'Licençapara Desembarcar' (1933), tela de Paul Cadmus, trata de erotismo em plena Depressão Foto: Daniel Teixeira

Serviço:

Pelas ruas: vida moderna e experiências urbanas na arte dos Estados Unidos. 1893-1976

Pinacoteca do Estado. Praça da Luz, nº 2

De quarta a segunda, das 10h às 18h. Ingressos no site da Pinacoteca R$ 20 (inteira), R 10 (meia-entrada

Até 30/01/2023

A exposição Pelas Ruas: Vida Moderna e Experiências Urbanas na Arte dos Estados Unidos, aberta neste sábado (27) na Pinacoteca do Estado, é praticamente uma síntese da arte norte-americana entre 1893, ano da Exposição Mundial Colombiana, e 1976, quando foi comemorado o bicentenário dos EUA. Alguns dos melhores pintores ativos no fim do século 19 e durante o século 20 estão representados na mostra, às vezes com mais de uma obra, do paisagista Childe Hassan (1859-1935) ao maior nome da arte pop americana, Andy Warhol (1928-1987), passando pelo pintor Edward Hopper e fotógrafos como Walker Evans, Robert Frank e Gordon Parks.

Segunda parceria da Pinacoteca do Estado com a Terra Foundation (a primeira foi a mostra Paisagem nas Américas, em 2015/16), a exposição, que reúne 150 obras de 78 artistas e 16 diferentes acervos (Whitney Museum, entre eles), traz não apenas nomes imediatamente reconhecíveis, como Hopper, mas artistas pouco conhecidos do público brasileiro, como os irmãos Isaac e Raphael Sayer.

A tela 'Agência de Emprego" (1937),de Isaac Sayer,mostra os efeitos da Grande Depressão Foto: Daniel Teixeira

Durante os anos da Grande Depressão americana, os irmãos Sayer registraram a miséria no país mais poderoso do mundo. São deles duas obras tocantes sobre o período, uma pintura de 1931 assinada pelo primeiro, que retrata desempregados numa agência de empregos, e outra de seu irmão Raphael, que registra o café da manhã de destituídos numa missão religiosa que acolhe pessoas em situação de rua.

Ao lado dos irmãos Sayer, fotos da prestigiada Dorothea Lange (também dos anos 1930) registram as cenas reais dos desempregados à procura de uma colocação numa agência da rua Howard, em São Francisco. A poucos metros, na mesma sala, Walker Evans, o fotógrafo que melhor retratou a situação dos deserdados na Depressão, a pedido do próprio governo americano, mostra também o outro lado da moeda, apontando sua câmera para a opulência de uma metrópole como Nova York nos anos 1920, como na foto em que mostra a ponte do Brooklin (1928) em contra-plongée.

Pelas Ruas, contudo, não é uma exposição ideológica sobre a miséria e o esplendor dos centros urbanos americanos, garantem as três curadoras da exposição, Valéria Piccoli, curadora-chefe da Pinacoteca, Fernanda Pitta e Taylor L. Poulin, curadora-assistente da Terra Foundation. É, sim, uma mostra que, a partir do registro do marco zero da modernidade americana, a Exposição Mundial Colombiana, em 1893, visa acompanhar a expansão artística nas cidades dos EUA, mostrando como elas viraram espaços de experimentação e ajudaram a criar novas linguagens artísticas.

Visitante se encaminha para a tela 'Palhaço com Tambor' (1942), de Walt Kuhn Foto: Daniel Teixeira

“Nessa exposição de 1893 se discute o modelo da cidade moderna, como nas três telas de Childe Hassan, em que ele reinventa o espaço urbano”, observa a curadora Fernanda Pitta. Nas telas de Hassan, a predominância de pessoas brancas sugere uma supremacia racial que seria contestada posteriormente por pintores como o afrodescendente Jacob Lawrence (1917-2000) e Robert Spencer, um impressionista da Pensilvânia e autor de uma das telas da mostra, Êxodo (1928). Nela, Spencer faz – intencionalmente ou não –, uma referência à tela Il Quarto Stato (1901) do italiano Pelizza da Volpedo, alterando o tema para o drama da migração que marcou a história americana.

Na mesma época, outros pintores abandonaram a linguagem realista para abraçar a abstração, caso de George Josimovich (1894-1986), que, na tela Estação Central de Illinois (1927), evoca o cubista francês Léger, professor de Tarsila do Amaral. Um dos trabalhos de Hopper emprestado para a mostra, Alvorada na Pensilvânia (1942) adota igualmente como tema uma estação ferroviária, mas num outro registro, o da solidão urbana em espaços vazios.

Obra sem titulo de Hughie Lee-Smith: a solidão na cena urbana desoladora Foto: Daniel Teixeira

A outra obra de Hopper é uma água-forte de 1921, Sombras da Noite, em que um homem solitário é visto de cima, em plongée, como se a metrópole opressora estivesse prestes a esmagá-lo. Também num cenário metafísico, o pintor Louis Guglielmi (1906-1956), ultrapassado pelo expressionismo abstrato e depois esquecido, ambienta sua tela Terror no Brooklin (1943), em que três mulheres negras, encapsuladas, são acossadas pelo clima pesado da região. Outro ponto alto contra o racismo é a pintura de Horace Pippin (1888-1946), autodidata negro que se dedicou a “adaptar” temas da pintura clássica (como a Crucificação de um Negro, em 1943). Na mostra está uma tela exemplar sua, Homem Num Banco, de 1946.

Andy Warhol tampouco é pop na mostra. Ela traz uma gravura sua de 1965 em que recria um ato político conhecido como Birmingham Race Riot, sobre o ataque (com cães) comandado por um comissário de polícia do Alabama contra militantes por direitos civis. Warhol encerra a exposição, mas há também gente engraçada nela, como Paul Cadmus (1904-1999), que, na tela Licença para Desembarcar”(1933), mostra, em plena Depreessão, uma cena engraçada e erótica: um grupo de marinheiros farreando com prostitutas e homossexuais, escondidos no fundo da pintura. Dá para desconfiar que o finlandês Touko Laaksonen usou o marinheiro marombado (à direita da tela) do quadro como modelo de seu personagem homoerótico Tom of Finland. Os americanos sempre fazendo história.

'Licençapara Desembarcar' (1933), tela de Paul Cadmus, trata de erotismo em plena Depressão Foto: Daniel Teixeira

Serviço:

Pelas ruas: vida moderna e experiências urbanas na arte dos Estados Unidos. 1893-1976

Pinacoteca do Estado. Praça da Luz, nº 2

De quarta a segunda, das 10h às 18h. Ingressos no site da Pinacoteca R$ 20 (inteira), R 10 (meia-entrada

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