Autor de Clarice (Cosac Naify), a mais completa biografia da escritora, o americano Benjamin Moser reconhece a forte influência da pintura em sua obra. "Sobretudo nos livros Água Viva e Um Sopro de Vida", comentou, por e-mail, ao Estado. "Naquela altura, poucos anos antes de sua morte, já estava muito cansada e desconfiava cada vez mais de sua capacidade artística. Andava dizendo que estava farta de si mesma, confessava até ao cabeleireiro que não sabia mais escrever, e acho que a pintura lhe deu um novo impulso criativo."Moser lembra que o melhor amigo de Clarice dos tempos da faculdade, Lúcio Cardoso, também virou pintor depois de sofrer um derrame. O problema é que ele não conseguiu mais escrever, embora tenha se transformado em um bom artista plástico. "Clarice, apesar de cansada, ainda podia escrever, e o processo de pintar lhe revelava novos caminhos na literatura que ela explorava quando voltou a escrever", conta. "Dizia que as pinturas dela eram 'tão feias que dá gosto', mas acho que não é a palavra: são incômodas, perturbantes, mais que feias. O que gosto nelas é poder visualizar o processo de criação - vemos Clarice diante delas muito diretamente."Já a pintora Maria Bonomi (foto), que manteve uma longa e fraterna amizade com a escritora desde 1958, lembra-se do interesse dela pelo seu processo técnico e criativo. "A visualidade a interessava muito e a intrigava demais", disse. "Era muito gratificante conversar sobre arte com Clarice, pois ela nos acrescentava questões. E, como pintora, era onírica com muita legitimidade e competência." / U.B.