Não foram necessários mais do que quatro horas para que, na madrugada do dia 17 de agosto de 2008, as chamas destruíssem o Teatro Cultura Artística. Nove anos se passaram, no entanto, para que a sua reconstrução saísse do papel, o que deve acontecer a partir de outubro, quando começam as obras do novo teatro, cujo projeto foi redesenhado e deve ser concluído em 2021. A primeira fase da obra, que fará do Cultura Artística uma sala de música de câmara, vai custar R$ 30 milhões, já em caixa; para o acabamento do prédio, a campanha de arrecadação continua.
“Alguns fatores nos levaram a mexer no projeto, após uma reflexão a respeito do que parecia essencial não apenas para nossas atividades mas também para a cidade. Um deles foi o fato de que São Paulo já tem uma grande sala de concertos sinfônicos, a Sala São Paulo, mas não tem um espaço próprio para a música de câmara”, explica Frederico Lohmann, superintendente da Cultura Artística.
A segunda razão era a necessidade de construir um espaço que pudesse abrigar todas as atividades da Cultura Artística, “a temporada artística, mas também o trabalho com programas educativos”. “E a terceira preocupação era que o projeto se adequasse ao prédio remanescente, com um orçamento o mais eficiente possível e tendo em vista custos menores de manutenção”, completa Lohmann.
Com o mural Alegoria das Artes, de Di Cavalcanti, em sua fachada, o Teatro Cultura Artística original, inaugurado em 1950, tinha duas salas, uma de 1.600 lugares e outra de 450. Após o incêndio, o mural, que sobreviveu às chamas, tornou-se o ponto de partida de um novo projeto de Paulo Bruna. Nele, além das duas salas, seria construído um prédio de dez andares, para área administrativa e técnica.
Nos últimos dois anos, no entanto, Bruna redimensionou o projeto, cuja versão final foi obtida com exclusividade pelo Estado. A área de apoio, com camarins, docas, escritórios e acervos, terá agora quatro andares. A sala maior contará com 750 lugares, com duas plateias centrais, plateias laterais, um andar de balcões e lugares atrás do palco, que pode abrigar até 80 músicos. Comparativamente, a sala corresponde a 60% do comprimento da Sala São Paulo, com a mesma largura. Já a sala menor terá 150 lugares, podendo ser usada também para cursos.
“Vamos continuar apresentando grandes orquestras na Sala São Paulo, mas vamos transferir toda a programação de música de câmara para a nossa sala. É o melhor dos mundos: você vai ter orquestra em um lugar ideal, que é a Sala São Paulo, e vai ter música de câmara em um lugar ideal, que é o novo Teatro Cultura Artística”, diz Lohmann.
Educação. As dimensões da sala de espetáculos não são as únicas novidades. O prédio ganhou, por exemplo, um foyer lateral, envidraçado, que se comunica com a Praça Roosevelt, além de outras áreas de convivência para o público e para os artistas. Além disso, o último andar contará com salas de ensaio e de aulas, tendo em vista o investimento da entidade em atividades educacionais – segundo Lohmann, elas serão reunidas em um novo instituto que começa a funcionar em 2018.
“A ideia de dialogar com o entorno vinha já do projeto original do Rino Levi. Para ele, era importante que o teatro ajudasse a manter aquela área viva”, explica Lohmann. Por conta disso, estão previstos espaços, no térreo, para uma livraria e um café, abertos para a rua; já no foyer do primeiro andar, haverá um restaurante. Também está prevista uma sala de exposições permanentes.
Essa volta às origens levou também a descobertas sobre a decoração original, feitas por uma equipe de restauradores. Em alguns lugares, foram tiradas dez camadas de tintas, permitindo, por exemplo, identificar que tipos de pisos e pastilhas de decoração foram usados. “Para nós, o resgate do passado é importante, quando aliado a um olhar moderno, que entende o teatro não apenas como uma sala de espetáculos, mas como um espaço vivo, em que a educação terá um papel cada vez mais fundamental.”
Teatro recebeu grandes artistas de todo o mundo
O projeto de construção de um teatro para a Sociedade de Cultura Artística, criada em 1912 por um grupo de pessoas que incluía Vicente de Carvalho, Nestor Pestana e Julio Mesquita, começou a ser discutido em 1916.
Três anos mais tarde, viria a compra do terreno no começo da Rua Consolação. Até que, nos anos 1930, a chegada de Esther Mesquita ao comando da entidade tiraria o antigo sonho do papel. À arrecadação de fundos se somou o processo de idealização do prédio, encomendado ao arquiteto Rino Levi.
As obras começariam em 1947. E, em 8 de março de 1950, com um concerto regido por Villa-Lobos, o teatro abria pela primeira vez as suas portas. Desde então, tornou-se referência na programação artística da cidade, atraindo artistas brasileiros e de todo o mundo, como Guiomar Novais, Arthur Rubinstein, Nelson Freire, Kurt Masur, Mstislav Rostropovich, além de atores e atrizes como Jardel Filho, Cacilda Becker e Paulo Autran. Todos os registros dessa história foram preservados e, poupado pelo incêndio, o acervo histórico ganhará destaque no novo prédio.