Projeto social leva crianças carentes com câncer a museus


Com apoio do Instituto Volpi, Projeto Felicidade concede uma semana de passeios às crianças

Por André Cáceres

Crianças e obras de arte foram uma mistura explosiva em 2017, em meio a um cenário político polarizado capaz de englobar todas as áreas da sociedade e encaixar qualquer discussão, do futebol à arte contemporânea, em um dos lados do debate. O ano foi marcado pelo cerceamento às manifestações culturais, do cancelamento da exposição Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira pelo Santander Cultural de Porto Alegre à primeira vez em que o Masp, em seus 70 anos de história, proibiu menores de 18 anos de acessarem uma de suas exposições, Histórias da Sexualidade. O contato com a arte, no entanto, provoca estímulos benéficos às crianças e contribui em grande medida para sua formação, como atestam as reportagens dessa edição especial infantil do Aliás, sobre instituições que se apoiam na arte para educar os pequeninos. 

Criança observa fotografia no Museu do Futebol durante passeio do Projeto Felicidade Foto: Amanda Perobelli/Estadão

Outro ponto de tangência entre os universos infantil e artístico está relacionado não tanto à obra, mas à vida de um dos grandes nomes da pintura nacional. Alfredo Volpi (1896-1988) nasceu na Itália, mas, como dizia aos amigos, “só nasci lá”. O artista foi o maior nome do modernismo brasileiro. A priori, suas pinturas chegaram a ser tratadas pelo público como meras bandeirinhas, mas logo encheram os olhos de pesos pesados da crítica nacional como Mário Pedrosa e internacional como o britânico Herbert Read. “Críticos tecem elogios ao Volpi, mas o Alfredo ninguém sabe quem foi”, afirma o advogado Pedro Mastrobuono, presidente do Instituto Volpi, ao Aliás

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Crianças do Projeto Felicidade no Estádio do Pacaembu Foto: Amanda Perobelli/Estadão

Um aspecto pouco conhecido da vida do pintor foi sua relação com as crianças. Em sua residência, no bairro do Cambuci, o artista acolheu 19 filhos adotivos, dentre os quais Djanira Volpi, de ascendência angolana, que se espelhou no pai para pintar. “Eu tinha cinco anos quando me levaram para lá. Meu pai foi muito amável, doce, de boa conduta, prestativo. Ele amava muito as crianças. Os próprios pais as levavam ou elas iam parar lá. Aprendi a pintar sozinha, só de ver ele fazer”, conta Djanira, hoje com 72 anos.

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Mastrobuono se espanta: “A casa dele parecia uma creche e ele não exigia nada. Já vi fazerem isso com gato, mas com gente? Ele resgatou crianças de rua, algumas chegavam nas fraldas e outros já eram adolescentes, ele não fazia distinção, crianças de todas as idades, de todas as procedências”, relata ele, que, quando jovem, chegou a conhecer o pintor. “O Instituto Volpi tem o dever de preservar não só a obra artística, mas a memória do pintor, que é de um legado humano muito diferenciado. Telas que na época não passavam de 5 mil dólares hoje valem milhões. Volpi enriqueceu muita gente. É nosso dever devolver o benefício econômico da valorização da obra dele.” Com o intuito de perpetuar os valores do artista, o Instituto Volpi firmou uma parceria com o Projeto Felicidade, que leva crianças carentes em tratamento de câncer para realizar atividades culturais, visitar museus, conhecer o mar e ir a parques. 

Presidente do Instituto Volpi, o advogado Pedro Mastrobuono Foto: Alex Silva/Estadão

A iniciativa surgiu em 2001 e conta com o apoio de 36 hospitais no País inteiro. Todas as semanas, médicos e assistentes sociais encaminham14 crianças portadoras de câncer provenientes de famílias de classes menos favorecidas. “O projeto visa fortalecer o vínculo familiar, a autoestima, o vínculo social. Essas crianças e até seus pais, que muitas vezes nunca foram a um museu, se sentem merecedoras de entrar nesses lugares”, diz a diretora-geral Flávia Bochernitsan. “Uma mãe contou que passava em frente a um museu toda semana para levar sua filha à Santa Casa, mas nunca entrou porque não sabia o que havia lá dentro e tinha vergonha de perguntar”, relembra Flávia.

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Além de levar as crianças a locais como o Masp, MAM, Memorial da América Latina e até à Faap, o Projeto Felicidade estimula o artesanato com oficinas e um kitcom lápis, massinha de modelar, giz de cera e outros materiais. Com 97 voluntários na equipe atualmente, a iniciativa também promove cursos de capacitação profissional, corte e costura, artesanato, marcenaria e informática para os pais. 

Sede do projeto Felicidade em São Paulo Foto: Amanda Perobelli/Estadão
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O Projeto Felicidade, porém, depende de doações e da captação de dinheiro via leis de incentivo à cultura para sobreviver, e o acalorado debate político vem minando os recursos da instituição. “Como algo assim pode passar momentos de dificuldade?”, indaga Mastrobuono. “É incrível como o projeto sofre o desgaste da Lei Rouanet em função do desprestígio de que a lei está gozando nesse período em que está sendo contestada. Mas ele está completamente fora desse mundo de discussão que ganhou as páginas dos jornais”, justifica.

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Flávia informa que as doações para o projeto podem ser feitas por meio do site (felicidade.org.br), e que as crianças recebem material escolar, brinquedos e objetos novos. “Essas pessoas estão costumados a participar de campanhas de agasalho, todo tipo de ação que arrecada itens usados. Se queremos restaurar a autoestima e a dignidade humana, nada mais justo que fornecermos coisas novas a elas”, pondera a diretora.

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Criança brinca com bola no Museu do Futebol Foto: Amanda Perobelli/Estadão

O apoio do Instituto Volpi consistirá em uma série de ações, desde direcionar as doações recebidas pela entidade para o Projeto Felicidade e distribuir qualquer material publicado pelo instituto aos participantes até propor que as crianças visitem o MAC, que tem a maior coleção pública de obras de Volpi, formada pela doação de Ciccillo Matarazzo e Theon Spanudis. “Não adianta só ser volpista no colecionismo. A gente está tentando transmitir o valor de ser no comportamento social, e acho que isso é muito do dever do instituto”, afirma Mastrobuono, para quem o contato com a arte é fundamental para a formação da criança. “Quem não convive com arte não fala esse idioma. Acho muito difícil uma criança que cresce em meio à arte ser triste. É um estímulo que eu não sei quantificar, mas abre a cabeça inclusive para a compreensão de outras disciplinas. Ela tem contato com uma maneira muito peculiar de se exprimir e transmitir conteúdo. E se ela consegue absorver conteúdo por essa maneira cifrada, as outras se tornam até mais simples”, conclui.

Crianças e obras de arte foram uma mistura explosiva em 2017, em meio a um cenário político polarizado capaz de englobar todas as áreas da sociedade e encaixar qualquer discussão, do futebol à arte contemporânea, em um dos lados do debate. O ano foi marcado pelo cerceamento às manifestações culturais, do cancelamento da exposição Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira pelo Santander Cultural de Porto Alegre à primeira vez em que o Masp, em seus 70 anos de história, proibiu menores de 18 anos de acessarem uma de suas exposições, Histórias da Sexualidade. O contato com a arte, no entanto, provoca estímulos benéficos às crianças e contribui em grande medida para sua formação, como atestam as reportagens dessa edição especial infantil do Aliás, sobre instituições que se apoiam na arte para educar os pequeninos. 

Criança observa fotografia no Museu do Futebol durante passeio do Projeto Felicidade Foto: Amanda Perobelli/Estadão

Outro ponto de tangência entre os universos infantil e artístico está relacionado não tanto à obra, mas à vida de um dos grandes nomes da pintura nacional. Alfredo Volpi (1896-1988) nasceu na Itália, mas, como dizia aos amigos, “só nasci lá”. O artista foi o maior nome do modernismo brasileiro. A priori, suas pinturas chegaram a ser tratadas pelo público como meras bandeirinhas, mas logo encheram os olhos de pesos pesados da crítica nacional como Mário Pedrosa e internacional como o britânico Herbert Read. “Críticos tecem elogios ao Volpi, mas o Alfredo ninguém sabe quem foi”, afirma o advogado Pedro Mastrobuono, presidente do Instituto Volpi, ao Aliás

Crianças do Projeto Felicidade no Estádio do Pacaembu Foto: Amanda Perobelli/Estadão

Um aspecto pouco conhecido da vida do pintor foi sua relação com as crianças. Em sua residência, no bairro do Cambuci, o artista acolheu 19 filhos adotivos, dentre os quais Djanira Volpi, de ascendência angolana, que se espelhou no pai para pintar. “Eu tinha cinco anos quando me levaram para lá. Meu pai foi muito amável, doce, de boa conduta, prestativo. Ele amava muito as crianças. Os próprios pais as levavam ou elas iam parar lá. Aprendi a pintar sozinha, só de ver ele fazer”, conta Djanira, hoje com 72 anos.

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Mastrobuono se espanta: “A casa dele parecia uma creche e ele não exigia nada. Já vi fazerem isso com gato, mas com gente? Ele resgatou crianças de rua, algumas chegavam nas fraldas e outros já eram adolescentes, ele não fazia distinção, crianças de todas as idades, de todas as procedências”, relata ele, que, quando jovem, chegou a conhecer o pintor. “O Instituto Volpi tem o dever de preservar não só a obra artística, mas a memória do pintor, que é de um legado humano muito diferenciado. Telas que na época não passavam de 5 mil dólares hoje valem milhões. Volpi enriqueceu muita gente. É nosso dever devolver o benefício econômico da valorização da obra dele.” Com o intuito de perpetuar os valores do artista, o Instituto Volpi firmou uma parceria com o Projeto Felicidade, que leva crianças carentes em tratamento de câncer para realizar atividades culturais, visitar museus, conhecer o mar e ir a parques. 

Presidente do Instituto Volpi, o advogado Pedro Mastrobuono Foto: Alex Silva/Estadão

A iniciativa surgiu em 2001 e conta com o apoio de 36 hospitais no País inteiro. Todas as semanas, médicos e assistentes sociais encaminham14 crianças portadoras de câncer provenientes de famílias de classes menos favorecidas. “O projeto visa fortalecer o vínculo familiar, a autoestima, o vínculo social. Essas crianças e até seus pais, que muitas vezes nunca foram a um museu, se sentem merecedoras de entrar nesses lugares”, diz a diretora-geral Flávia Bochernitsan. “Uma mãe contou que passava em frente a um museu toda semana para levar sua filha à Santa Casa, mas nunca entrou porque não sabia o que havia lá dentro e tinha vergonha de perguntar”, relembra Flávia.

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Além de levar as crianças a locais como o Masp, MAM, Memorial da América Latina e até à Faap, o Projeto Felicidade estimula o artesanato com oficinas e um kitcom lápis, massinha de modelar, giz de cera e outros materiais. Com 97 voluntários na equipe atualmente, a iniciativa também promove cursos de capacitação profissional, corte e costura, artesanato, marcenaria e informática para os pais. 

Sede do projeto Felicidade em São Paulo Foto: Amanda Perobelli/Estadão

O Projeto Felicidade, porém, depende de doações e da captação de dinheiro via leis de incentivo à cultura para sobreviver, e o acalorado debate político vem minando os recursos da instituição. “Como algo assim pode passar momentos de dificuldade?”, indaga Mastrobuono. “É incrível como o projeto sofre o desgaste da Lei Rouanet em função do desprestígio de que a lei está gozando nesse período em que está sendo contestada. Mas ele está completamente fora desse mundo de discussão que ganhou as páginas dos jornais”, justifica.

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Flávia informa que as doações para o projeto podem ser feitas por meio do site (felicidade.org.br), e que as crianças recebem material escolar, brinquedos e objetos novos. “Essas pessoas estão costumados a participar de campanhas de agasalho, todo tipo de ação que arrecada itens usados. Se queremos restaurar a autoestima e a dignidade humana, nada mais justo que fornecermos coisas novas a elas”, pondera a diretora.

Criança brinca com bola no Museu do Futebol Foto: Amanda Perobelli/Estadão

O apoio do Instituto Volpi consistirá em uma série de ações, desde direcionar as doações recebidas pela entidade para o Projeto Felicidade e distribuir qualquer material publicado pelo instituto aos participantes até propor que as crianças visitem o MAC, que tem a maior coleção pública de obras de Volpi, formada pela doação de Ciccillo Matarazzo e Theon Spanudis. “Não adianta só ser volpista no colecionismo. A gente está tentando transmitir o valor de ser no comportamento social, e acho que isso é muito do dever do instituto”, afirma Mastrobuono, para quem o contato com a arte é fundamental para a formação da criança. “Quem não convive com arte não fala esse idioma. Acho muito difícil uma criança que cresce em meio à arte ser triste. É um estímulo que eu não sei quantificar, mas abre a cabeça inclusive para a compreensão de outras disciplinas. Ela tem contato com uma maneira muito peculiar de se exprimir e transmitir conteúdo. E se ela consegue absorver conteúdo por essa maneira cifrada, as outras se tornam até mais simples”, conclui.

Crianças e obras de arte foram uma mistura explosiva em 2017, em meio a um cenário político polarizado capaz de englobar todas as áreas da sociedade e encaixar qualquer discussão, do futebol à arte contemporânea, em um dos lados do debate. O ano foi marcado pelo cerceamento às manifestações culturais, do cancelamento da exposição Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira pelo Santander Cultural de Porto Alegre à primeira vez em que o Masp, em seus 70 anos de história, proibiu menores de 18 anos de acessarem uma de suas exposições, Histórias da Sexualidade. O contato com a arte, no entanto, provoca estímulos benéficos às crianças e contribui em grande medida para sua formação, como atestam as reportagens dessa edição especial infantil do Aliás, sobre instituições que se apoiam na arte para educar os pequeninos. 

Criança observa fotografia no Museu do Futebol durante passeio do Projeto Felicidade Foto: Amanda Perobelli/Estadão

Outro ponto de tangência entre os universos infantil e artístico está relacionado não tanto à obra, mas à vida de um dos grandes nomes da pintura nacional. Alfredo Volpi (1896-1988) nasceu na Itália, mas, como dizia aos amigos, “só nasci lá”. O artista foi o maior nome do modernismo brasileiro. A priori, suas pinturas chegaram a ser tratadas pelo público como meras bandeirinhas, mas logo encheram os olhos de pesos pesados da crítica nacional como Mário Pedrosa e internacional como o britânico Herbert Read. “Críticos tecem elogios ao Volpi, mas o Alfredo ninguém sabe quem foi”, afirma o advogado Pedro Mastrobuono, presidente do Instituto Volpi, ao Aliás

Crianças do Projeto Felicidade no Estádio do Pacaembu Foto: Amanda Perobelli/Estadão

Um aspecto pouco conhecido da vida do pintor foi sua relação com as crianças. Em sua residência, no bairro do Cambuci, o artista acolheu 19 filhos adotivos, dentre os quais Djanira Volpi, de ascendência angolana, que se espelhou no pai para pintar. “Eu tinha cinco anos quando me levaram para lá. Meu pai foi muito amável, doce, de boa conduta, prestativo. Ele amava muito as crianças. Os próprios pais as levavam ou elas iam parar lá. Aprendi a pintar sozinha, só de ver ele fazer”, conta Djanira, hoje com 72 anos.

+++Poema infantil russo que incomodou Stalin é traduzido no Brasil

Mastrobuono se espanta: “A casa dele parecia uma creche e ele não exigia nada. Já vi fazerem isso com gato, mas com gente? Ele resgatou crianças de rua, algumas chegavam nas fraldas e outros já eram adolescentes, ele não fazia distinção, crianças de todas as idades, de todas as procedências”, relata ele, que, quando jovem, chegou a conhecer o pintor. “O Instituto Volpi tem o dever de preservar não só a obra artística, mas a memória do pintor, que é de um legado humano muito diferenciado. Telas que na época não passavam de 5 mil dólares hoje valem milhões. Volpi enriqueceu muita gente. É nosso dever devolver o benefício econômico da valorização da obra dele.” Com o intuito de perpetuar os valores do artista, o Instituto Volpi firmou uma parceria com o Projeto Felicidade, que leva crianças carentes em tratamento de câncer para realizar atividades culturais, visitar museus, conhecer o mar e ir a parques. 

Presidente do Instituto Volpi, o advogado Pedro Mastrobuono Foto: Alex Silva/Estadão

A iniciativa surgiu em 2001 e conta com o apoio de 36 hospitais no País inteiro. Todas as semanas, médicos e assistentes sociais encaminham14 crianças portadoras de câncer provenientes de famílias de classes menos favorecidas. “O projeto visa fortalecer o vínculo familiar, a autoestima, o vínculo social. Essas crianças e até seus pais, que muitas vezes nunca foram a um museu, se sentem merecedoras de entrar nesses lugares”, diz a diretora-geral Flávia Bochernitsan. “Uma mãe contou que passava em frente a um museu toda semana para levar sua filha à Santa Casa, mas nunca entrou porque não sabia o que havia lá dentro e tinha vergonha de perguntar”, relembra Flávia.

+++Livros infantis de Gertrude Stein ganham tradução e mostram nova faceta da autora

Além de levar as crianças a locais como o Masp, MAM, Memorial da América Latina e até à Faap, o Projeto Felicidade estimula o artesanato com oficinas e um kitcom lápis, massinha de modelar, giz de cera e outros materiais. Com 97 voluntários na equipe atualmente, a iniciativa também promove cursos de capacitação profissional, corte e costura, artesanato, marcenaria e informática para os pais. 

Sede do projeto Felicidade em São Paulo Foto: Amanda Perobelli/Estadão

O Projeto Felicidade, porém, depende de doações e da captação de dinheiro via leis de incentivo à cultura para sobreviver, e o acalorado debate político vem minando os recursos da instituição. “Como algo assim pode passar momentos de dificuldade?”, indaga Mastrobuono. “É incrível como o projeto sofre o desgaste da Lei Rouanet em função do desprestígio de que a lei está gozando nesse período em que está sendo contestada. Mas ele está completamente fora desse mundo de discussão que ganhou as páginas dos jornais”, justifica.

+++'Em Busca de Watership Down' ganha reedição e novo filme de animação

Flávia informa que as doações para o projeto podem ser feitas por meio do site (felicidade.org.br), e que as crianças recebem material escolar, brinquedos e objetos novos. “Essas pessoas estão costumados a participar de campanhas de agasalho, todo tipo de ação que arrecada itens usados. Se queremos restaurar a autoestima e a dignidade humana, nada mais justo que fornecermos coisas novas a elas”, pondera a diretora.

Criança brinca com bola no Museu do Futebol Foto: Amanda Perobelli/Estadão

O apoio do Instituto Volpi consistirá em uma série de ações, desde direcionar as doações recebidas pela entidade para o Projeto Felicidade e distribuir qualquer material publicado pelo instituto aos participantes até propor que as crianças visitem o MAC, que tem a maior coleção pública de obras de Volpi, formada pela doação de Ciccillo Matarazzo e Theon Spanudis. “Não adianta só ser volpista no colecionismo. A gente está tentando transmitir o valor de ser no comportamento social, e acho que isso é muito do dever do instituto”, afirma Mastrobuono, para quem o contato com a arte é fundamental para a formação da criança. “Quem não convive com arte não fala esse idioma. Acho muito difícil uma criança que cresce em meio à arte ser triste. É um estímulo que eu não sei quantificar, mas abre a cabeça inclusive para a compreensão de outras disciplinas. Ela tem contato com uma maneira muito peculiar de se exprimir e transmitir conteúdo. E se ela consegue absorver conteúdo por essa maneira cifrada, as outras se tornam até mais simples”, conclui.

Crianças e obras de arte foram uma mistura explosiva em 2017, em meio a um cenário político polarizado capaz de englobar todas as áreas da sociedade e encaixar qualquer discussão, do futebol à arte contemporânea, em um dos lados do debate. O ano foi marcado pelo cerceamento às manifestações culturais, do cancelamento da exposição Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira pelo Santander Cultural de Porto Alegre à primeira vez em que o Masp, em seus 70 anos de história, proibiu menores de 18 anos de acessarem uma de suas exposições, Histórias da Sexualidade. O contato com a arte, no entanto, provoca estímulos benéficos às crianças e contribui em grande medida para sua formação, como atestam as reportagens dessa edição especial infantil do Aliás, sobre instituições que se apoiam na arte para educar os pequeninos. 

Criança observa fotografia no Museu do Futebol durante passeio do Projeto Felicidade Foto: Amanda Perobelli/Estadão

Outro ponto de tangência entre os universos infantil e artístico está relacionado não tanto à obra, mas à vida de um dos grandes nomes da pintura nacional. Alfredo Volpi (1896-1988) nasceu na Itália, mas, como dizia aos amigos, “só nasci lá”. O artista foi o maior nome do modernismo brasileiro. A priori, suas pinturas chegaram a ser tratadas pelo público como meras bandeirinhas, mas logo encheram os olhos de pesos pesados da crítica nacional como Mário Pedrosa e internacional como o britânico Herbert Read. “Críticos tecem elogios ao Volpi, mas o Alfredo ninguém sabe quem foi”, afirma o advogado Pedro Mastrobuono, presidente do Instituto Volpi, ao Aliás

Crianças do Projeto Felicidade no Estádio do Pacaembu Foto: Amanda Perobelli/Estadão

Um aspecto pouco conhecido da vida do pintor foi sua relação com as crianças. Em sua residência, no bairro do Cambuci, o artista acolheu 19 filhos adotivos, dentre os quais Djanira Volpi, de ascendência angolana, que se espelhou no pai para pintar. “Eu tinha cinco anos quando me levaram para lá. Meu pai foi muito amável, doce, de boa conduta, prestativo. Ele amava muito as crianças. Os próprios pais as levavam ou elas iam parar lá. Aprendi a pintar sozinha, só de ver ele fazer”, conta Djanira, hoje com 72 anos.

+++Poema infantil russo que incomodou Stalin é traduzido no Brasil

Mastrobuono se espanta: “A casa dele parecia uma creche e ele não exigia nada. Já vi fazerem isso com gato, mas com gente? Ele resgatou crianças de rua, algumas chegavam nas fraldas e outros já eram adolescentes, ele não fazia distinção, crianças de todas as idades, de todas as procedências”, relata ele, que, quando jovem, chegou a conhecer o pintor. “O Instituto Volpi tem o dever de preservar não só a obra artística, mas a memória do pintor, que é de um legado humano muito diferenciado. Telas que na época não passavam de 5 mil dólares hoje valem milhões. Volpi enriqueceu muita gente. É nosso dever devolver o benefício econômico da valorização da obra dele.” Com o intuito de perpetuar os valores do artista, o Instituto Volpi firmou uma parceria com o Projeto Felicidade, que leva crianças carentes em tratamento de câncer para realizar atividades culturais, visitar museus, conhecer o mar e ir a parques. 

Presidente do Instituto Volpi, o advogado Pedro Mastrobuono Foto: Alex Silva/Estadão

A iniciativa surgiu em 2001 e conta com o apoio de 36 hospitais no País inteiro. Todas as semanas, médicos e assistentes sociais encaminham14 crianças portadoras de câncer provenientes de famílias de classes menos favorecidas. “O projeto visa fortalecer o vínculo familiar, a autoestima, o vínculo social. Essas crianças e até seus pais, que muitas vezes nunca foram a um museu, se sentem merecedoras de entrar nesses lugares”, diz a diretora-geral Flávia Bochernitsan. “Uma mãe contou que passava em frente a um museu toda semana para levar sua filha à Santa Casa, mas nunca entrou porque não sabia o que havia lá dentro e tinha vergonha de perguntar”, relembra Flávia.

+++Livros infantis de Gertrude Stein ganham tradução e mostram nova faceta da autora

Além de levar as crianças a locais como o Masp, MAM, Memorial da América Latina e até à Faap, o Projeto Felicidade estimula o artesanato com oficinas e um kitcom lápis, massinha de modelar, giz de cera e outros materiais. Com 97 voluntários na equipe atualmente, a iniciativa também promove cursos de capacitação profissional, corte e costura, artesanato, marcenaria e informática para os pais. 

Sede do projeto Felicidade em São Paulo Foto: Amanda Perobelli/Estadão

O Projeto Felicidade, porém, depende de doações e da captação de dinheiro via leis de incentivo à cultura para sobreviver, e o acalorado debate político vem minando os recursos da instituição. “Como algo assim pode passar momentos de dificuldade?”, indaga Mastrobuono. “É incrível como o projeto sofre o desgaste da Lei Rouanet em função do desprestígio de que a lei está gozando nesse período em que está sendo contestada. Mas ele está completamente fora desse mundo de discussão que ganhou as páginas dos jornais”, justifica.

+++'Em Busca de Watership Down' ganha reedição e novo filme de animação

Flávia informa que as doações para o projeto podem ser feitas por meio do site (felicidade.org.br), e que as crianças recebem material escolar, brinquedos e objetos novos. “Essas pessoas estão costumados a participar de campanhas de agasalho, todo tipo de ação que arrecada itens usados. Se queremos restaurar a autoestima e a dignidade humana, nada mais justo que fornecermos coisas novas a elas”, pondera a diretora.

Criança brinca com bola no Museu do Futebol Foto: Amanda Perobelli/Estadão

O apoio do Instituto Volpi consistirá em uma série de ações, desde direcionar as doações recebidas pela entidade para o Projeto Felicidade e distribuir qualquer material publicado pelo instituto aos participantes até propor que as crianças visitem o MAC, que tem a maior coleção pública de obras de Volpi, formada pela doação de Ciccillo Matarazzo e Theon Spanudis. “Não adianta só ser volpista no colecionismo. A gente está tentando transmitir o valor de ser no comportamento social, e acho que isso é muito do dever do instituto”, afirma Mastrobuono, para quem o contato com a arte é fundamental para a formação da criança. “Quem não convive com arte não fala esse idioma. Acho muito difícil uma criança que cresce em meio à arte ser triste. É um estímulo que eu não sei quantificar, mas abre a cabeça inclusive para a compreensão de outras disciplinas. Ela tem contato com uma maneira muito peculiar de se exprimir e transmitir conteúdo. E se ela consegue absorver conteúdo por essa maneira cifrada, as outras se tornam até mais simples”, conclui.

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