“Um fenômeno. Você é um fenômeno. Espero que você faça essa peça para sempre. Até ficar bem velhinho!”, é o que dizia Fernanda Montenegro após assistir o monólogo Macacos, no teatro Ipanema, no Rio, no meio das outras pessoas que tinham acabado de ver o espetáculo.
Clayton Nascimento, autor e protagonista do espetáculo, foi considerado Melhor Ator em três premiações recentes: Shell de Teatro, APCA e Deus Ateu. A peça já foi assistida por grandes nomes da dramaturgia como Neusa Borges, Marieta Severo, Regina Casé, Lilia Cabral e Caio Blat.
Macacos é um monólogo onde ele expõe, debate e retrata o racismo e a história do Brasil. Com uma atuação potente e um discurso que passeia pelos livros de história, teve o título escolhido depois de um episódio de racismo sofrido pelo goleiro Aranha, chamado de “Macaco” por torcedores rivais. A peça emociona e denuncia violências sofridas por pessoas negras no seu cotidiano.
Nascido em São Paulo, mas com pais piauienses, Clayton se autodenomina “piauílistano”. Sua mãe, dona Maria do Carmo Nogueira Santos do Nascimento, preocupada com a violência do bairro, colocou o menino para estudar teatro desde criança. Além de ator, diretor e autor, ele é mestrando na USP, preparador de elenco da Globo e professor do Célia Helena Escola de Teatro. Atualmente, Clayton se divide atuando em Macacos e dando vida ao personagem Caíto, na novela das 7, Fuzuê.
O Estadão encontrou Clayton Nascimento em uma das pausas das gravações e dos palcos para uma entrevista.
O quanto a influência dos seus pais piauienses está na sua criação artística e como pessoa?
Isso me influencia muito no meu próprio eu e no modo que eu vejo e me relaciono com as pessoas. Meu pai, que foi um homem do sertão do Piauí, um contador de histórias, dizia: “Vou te contar uma história filho, só que para contar, eu tenho que ficar em pé, para você saber como se conta”.
Ouvindo e vendo meu pai, eu aprendo a contar a história não somente com as palavras, mas com o corpo, com o olhar, com a alegria. Piauiense é um povo muito honesto e muito feliz.
Quando começou sua carreira no teatro?
Eu morava numa periferia da cidade de São Paulo, no bairro do Jabaquara, que, naqueles anos 90, tinha uma questão de saúde e segurança pública muito intensa.
Eu presenciei muito tiroteio brincando na rua e cresci muito perto do tráfico. Uma vez minha mãe chegou em casa do trabalho e estava acontecendo um tiroteio na rua. Ela me defendeu. No dia seguinte, ela me levou para o teatro. Cheguei até a Casa do Teatro, coordenada pela Lígia Cortez, que me possibilitou 15 anos de bolsa de estudos. Foi quando me apaixonei por aquilo.
Como começou o processo de escrever Macacos?
Macacos foi um processo de seis anos. Eu não sabia exatamente se ia virar uma dramaturgia, se ia virar um espetáculo, que o que ia ser. O que percebi era que eu fazia aula dentro da Universidade de São Paulo e às vezes eu via que eu era o único aluno negro. Especialmente se essa aula fosse à tarde.
Às vezes eu me via ali e percebia que eu precisava democratizar um pouco a informação, principalmente de onde eu estava vindo. O meu pai, piauiense, encanador, minha mãe manicure. Eu vim de uma periferia da Zona Sul de São Paulo, em uma das maiores universidades que existem na América Latina, ou até do mundo.
Eu recebi informações ali e pensava: será todos os meus sabem disso? Será que o povo, em geral, tem essa informação? Eu falei: vou fazer isso virar uma cena, porque era um modo que eu tinha para democratizar essas informações. É isso que eu faço em Macacos.
Quais foram suas referências? Quais livros e estudiosos que te auxiliaram nesse processo?
Você sabe que na história da teratologia brasileira tem tido pouquíssimos exemplos de atores pretos em monólogos que tenham viajado o Brasil e tido acolhimento popular. Então, honestamente, na feitura do espetáculo, eu não consegui encontrar grandes referências, mas claro que eu assistia muitos deles.
Teoricamente, Macacos faz uma viagem por muitos livros. Eu estudo Machado de Assis, a história da colonização brasileira, a sequência do Laurentino Gomes, Conceição Evaristo, Maria Carolina de Jesus, os hinos nacionais. Eu precisei me dedicar a estudar os hinos e as festas populares do Brasil.
Como foi para você ganhar esses prêmios? E ser tão reconhecido por grandes nomes, como a Fernando Montenegro?
Eu imaginava algum dia: “Vou ter 50 anos e isso vai acontecer”. De repente isso acontece na minha vida quando eu tenho 33. Eu me lembro até hoje da emoção que tive quando a Marisa Orth disse meu nome. Um mês depois que ganhei o Shell, a Fernanda Montenegro foi assistir ao espetáculo e disse ali na terceira fileira:
“Um fenômeno! Um fenômeno você é um fenômeno! Obrigado por você ser brasileiro, tomara que você faça essa peça até ficar bem velhinho.”
Você fala durante Macacos sobre não ver atores negros de óculos. Como está sendo para você fazer esse personagem da Globo? Afinal, ele usa óculos?
Eu já tinha chegado à Rede Globo, mas como preparador de elenco. Agora é a primeira vez que eu estou na Globo como ator. É minha primeira novela, e eu estou conseguindo levar para a cena um personagem que tem um nome, sobrenome, sonhos, que está desde o início da narrativa, tem objetivos e às vezes usa óculos.