Coluna semanal do antropólogo Roberto DaMatta com reflexões sobre o Brasil

Opinião| A eleição legitima a ‘posse’ em cargos públicos e define quem terá ‘a faca e o queijo na mão’


Não é simples fazer democracia em sociedades com uma história social marcada por aristocracia e escravidão. Nelas, a igualdade é crime ou tabu

Por Roberto DaMatta

Um período eleitoral revelador de tendências e repleto de agressões despe uma questão que ronda o nosso espaço político: o dilema da lei em conflito com candidatos a um habitual mandonismo.

“O Estado democrático de direito é aquele em que o poder do Estado é limitado pelos direitos dos cidadãos. Sua finalidade é coibir abusos do aparato estatal para com os indivíduos.” Essa conceituação, roubada da internet, esquece de dizer que a outra finalidade do Estado democrático de direito é coibir os recorrentes abusos dos mandões contra esse Estado democrático de direito. Abusos amparados pelo aforismo que diz: aos amigos tudo: aos inimigos a lei!

A eleição legitima a “posse” em cargos públicos e assim define quem terá “a faca e o queijo na mão!”. Essa inocente onipotência faz com que desvios particularistas da lei sejam ingenuamente chamados de “jeitinho”. O jeito remete a carinho e entendimento familiar, pois o seu objetivo é manipular e não contestar a lei. Ele permite o paradoxo brasileiro de obedecer e, ao mesmo tempo, desobedecer à lei sem estuprá-la como faz a “corrupção”, que se sabe impune.

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Um período eleitoral revelador de tendências e repleto de agressões despe uma questão que ronda o nosso espaço político: o dilema da lei em conflito com candidatos a um habitual mandonismo. Foto: Antonio Augusto/Estadão

Já o estridente “Você sabe com quem está falando?” reitera práticas hierárquicas. Esses mecanismos inibem a regra lei e promovem a insegurança tanto da regra impessoal quanto do costume. Assim sendo, o Estado democrático de direito deve sobretudo proteger-se contra os assaltos de seus donos.

Leis têm propósitos, data e nome. Max Weber as classificou como instrumentos de uma “dominação racional-burocrática” com uma assustadora autonomia porque, tal como o mercado autorregulado, elas submetem seus operadores. Hábitos e costumes, porém, raramente têm autores. Leis aparecem e desaparecem, mas costumes tendem a permanecer. É essa antipatia da lei pelo costume e vice-versa que fabrica a malandragem, os contraventores e criminosos. Não seria exagero dizer que, no Brasil, a proibição legal sem sua contrapartida prática estimula meliantes. É o caso do jogo que lembra o erro da “lei seca” dos Estados Unidos.

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O segredo, como percebeu Alexis de Tocqueville na América dos 1830, reside na conjunção de costumes com leis numa prática que harmonize Estado e sociedade.

Não é fácil romper com costumes tipo “amor com amor se paga”. Nos sistemas aristocráticos e patriarcais, é mais fácil receber “regalias” e “privilégios” que aristocratizam a elite “branca” do que igualar. Aristocratas têm leis privadas, privilégios – e, caso cometam crimes, são deles anistiados ou julgados por leis apropriadas à sua condição.

Em suma, não é simples fazer democracia em sociedades com uma história social marcada por aristocracia e escravidão. Nelas, a igualdade é crime ou tabu. Contudo, vale a pena lutar para que o nosso Estado Democrático de direito saia da perfeição da teoria para o inesperado das práticas.

Um período eleitoral revelador de tendências e repleto de agressões despe uma questão que ronda o nosso espaço político: o dilema da lei em conflito com candidatos a um habitual mandonismo.

“O Estado democrático de direito é aquele em que o poder do Estado é limitado pelos direitos dos cidadãos. Sua finalidade é coibir abusos do aparato estatal para com os indivíduos.” Essa conceituação, roubada da internet, esquece de dizer que a outra finalidade do Estado democrático de direito é coibir os recorrentes abusos dos mandões contra esse Estado democrático de direito. Abusos amparados pelo aforismo que diz: aos amigos tudo: aos inimigos a lei!

A eleição legitima a “posse” em cargos públicos e assim define quem terá “a faca e o queijo na mão!”. Essa inocente onipotência faz com que desvios particularistas da lei sejam ingenuamente chamados de “jeitinho”. O jeito remete a carinho e entendimento familiar, pois o seu objetivo é manipular e não contestar a lei. Ele permite o paradoxo brasileiro de obedecer e, ao mesmo tempo, desobedecer à lei sem estuprá-la como faz a “corrupção”, que se sabe impune.

Um período eleitoral revelador de tendências e repleto de agressões despe uma questão que ronda o nosso espaço político: o dilema da lei em conflito com candidatos a um habitual mandonismo. Foto: Antonio Augusto/Estadão

Já o estridente “Você sabe com quem está falando?” reitera práticas hierárquicas. Esses mecanismos inibem a regra lei e promovem a insegurança tanto da regra impessoal quanto do costume. Assim sendo, o Estado democrático de direito deve sobretudo proteger-se contra os assaltos de seus donos.

Leis têm propósitos, data e nome. Max Weber as classificou como instrumentos de uma “dominação racional-burocrática” com uma assustadora autonomia porque, tal como o mercado autorregulado, elas submetem seus operadores. Hábitos e costumes, porém, raramente têm autores. Leis aparecem e desaparecem, mas costumes tendem a permanecer. É essa antipatia da lei pelo costume e vice-versa que fabrica a malandragem, os contraventores e criminosos. Não seria exagero dizer que, no Brasil, a proibição legal sem sua contrapartida prática estimula meliantes. É o caso do jogo que lembra o erro da “lei seca” dos Estados Unidos.

O segredo, como percebeu Alexis de Tocqueville na América dos 1830, reside na conjunção de costumes com leis numa prática que harmonize Estado e sociedade.

Não é fácil romper com costumes tipo “amor com amor se paga”. Nos sistemas aristocráticos e patriarcais, é mais fácil receber “regalias” e “privilégios” que aristocratizam a elite “branca” do que igualar. Aristocratas têm leis privadas, privilégios – e, caso cometam crimes, são deles anistiados ou julgados por leis apropriadas à sua condição.

Em suma, não é simples fazer democracia em sociedades com uma história social marcada por aristocracia e escravidão. Nelas, a igualdade é crime ou tabu. Contudo, vale a pena lutar para que o nosso Estado Democrático de direito saia da perfeição da teoria para o inesperado das práticas.

Um período eleitoral revelador de tendências e repleto de agressões despe uma questão que ronda o nosso espaço político: o dilema da lei em conflito com candidatos a um habitual mandonismo.

“O Estado democrático de direito é aquele em que o poder do Estado é limitado pelos direitos dos cidadãos. Sua finalidade é coibir abusos do aparato estatal para com os indivíduos.” Essa conceituação, roubada da internet, esquece de dizer que a outra finalidade do Estado democrático de direito é coibir os recorrentes abusos dos mandões contra esse Estado democrático de direito. Abusos amparados pelo aforismo que diz: aos amigos tudo: aos inimigos a lei!

A eleição legitima a “posse” em cargos públicos e assim define quem terá “a faca e o queijo na mão!”. Essa inocente onipotência faz com que desvios particularistas da lei sejam ingenuamente chamados de “jeitinho”. O jeito remete a carinho e entendimento familiar, pois o seu objetivo é manipular e não contestar a lei. Ele permite o paradoxo brasileiro de obedecer e, ao mesmo tempo, desobedecer à lei sem estuprá-la como faz a “corrupção”, que se sabe impune.

Um período eleitoral revelador de tendências e repleto de agressões despe uma questão que ronda o nosso espaço político: o dilema da lei em conflito com candidatos a um habitual mandonismo. Foto: Antonio Augusto/Estadão

Já o estridente “Você sabe com quem está falando?” reitera práticas hierárquicas. Esses mecanismos inibem a regra lei e promovem a insegurança tanto da regra impessoal quanto do costume. Assim sendo, o Estado democrático de direito deve sobretudo proteger-se contra os assaltos de seus donos.

Leis têm propósitos, data e nome. Max Weber as classificou como instrumentos de uma “dominação racional-burocrática” com uma assustadora autonomia porque, tal como o mercado autorregulado, elas submetem seus operadores. Hábitos e costumes, porém, raramente têm autores. Leis aparecem e desaparecem, mas costumes tendem a permanecer. É essa antipatia da lei pelo costume e vice-versa que fabrica a malandragem, os contraventores e criminosos. Não seria exagero dizer que, no Brasil, a proibição legal sem sua contrapartida prática estimula meliantes. É o caso do jogo que lembra o erro da “lei seca” dos Estados Unidos.

O segredo, como percebeu Alexis de Tocqueville na América dos 1830, reside na conjunção de costumes com leis numa prática que harmonize Estado e sociedade.

Não é fácil romper com costumes tipo “amor com amor se paga”. Nos sistemas aristocráticos e patriarcais, é mais fácil receber “regalias” e “privilégios” que aristocratizam a elite “branca” do que igualar. Aristocratas têm leis privadas, privilégios – e, caso cometam crimes, são deles anistiados ou julgados por leis apropriadas à sua condição.

Em suma, não é simples fazer democracia em sociedades com uma história social marcada por aristocracia e escravidão. Nelas, a igualdade é crime ou tabu. Contudo, vale a pena lutar para que o nosso Estado Democrático de direito saia da perfeição da teoria para o inesperado das práticas.

Opinião por Roberto DaMatta

É antropólogo social, escritor e autor de 'Fila e Democracia'

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