Coluna semanal do antropólogo Roberto DaMatta com reflexões sobre o Brasil

Opinião|Brasilianização dos Estado Unidos?


O corolário do regime democrático é que todos os disputantes honrem as regras do jogo

Por Roberto DaMatta

Sem dúvida, pois um mundo globalizado está sujeito a um processo inevitável e inusitado de múltiplas aculturações. Um encontro de línguas e culturas que aponta na direção de um planeta menos nacionalmente diferenciado, mais distante de poderes coloniais e farto de superpotências. A França faz pensar numa certa Alemanha; a Itália supera a flegma britânica; a China lembra o planeta Mongo do Imperador Ming, inimigo de Flash Gordon. Na Sul América, a Argentina produz um frenético tango antipatrimonial, ao lado de um caudilhismo maduro e do nevoeiro golpista que ronda montanhas.

No Brasil, há um tenaz esforço pela democracia, mas - eis o inusitado - os Estados Unidos esquecem a América dos constitucionalistas - seus “pais fundadores”. Aqui, reitero, lutamos pelas ancoragens impessoais cujo partido é o Brasil; lá, há o fascínio por um autocrata fantasiado de super-herói, auxiliado por uma Suprema Corte reacionária que transforma presidentes em reis...

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Assombra a decisão jurídica de dividir para imunizar o papel de presidente do de cidadão que, numa democracia, é regido pela universalidade da lei. Não é uma vida incorrupta como homem ou mulher comuns que enseja a sua eleição como o “número um” de um povo republicano? O primo entre pares por merecimento não é o escolhido justamente pela totalidade de sua vida?

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A democracia é um regime alimentado por competição, por governos com tempo limitado no poder. Nela, os eleitores oscilam entre programas que podem tudo, exceto apropriar-se definitivamente do poder. O corolário desse axioma constitucional é que todos os disputantes honrem as regras do jogo.

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Imagem da Suprema Corte americana. 'Nos Estados Unidos há o fascínio por um autocrata fantasiado de super-herói, auxiliado por uma Suprema Corte reacionária que transforma presidentes em reis', escreve Roberto DaMatta Foto: Steve Heap/Adobe Stock

As democracias têm grande tolerância com desvios, malandragens e populismos. Nelas, todo mundo tem o direito a fazer gol. Mas não se pode impedir o adversário de marcar pontos. Precisamente por isso, árbitros independentes dos competidores são essenciais. Sem eles, há o risco de a disputa ameaçar a estrutura competitiva, confundindo concorrer e rivalizar com rebelião.

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A ausência de pessoas fora do jogo, mas com autoridade sobre a competição, porque têm como dever honrar as regras da disputa e não os seus disputantes, é constitutiva da competição. A América mostrou ao mundo um extremado respeito à sua pioneira Constituição. Lamento que, hoje, sua Corte Suprema faccionalizada tenha nela aplicado o lado mais lastimável do “jeitinho” brasileiro.

Sem dúvida, pois um mundo globalizado está sujeito a um processo inevitável e inusitado de múltiplas aculturações. Um encontro de línguas e culturas que aponta na direção de um planeta menos nacionalmente diferenciado, mais distante de poderes coloniais e farto de superpotências. A França faz pensar numa certa Alemanha; a Itália supera a flegma britânica; a China lembra o planeta Mongo do Imperador Ming, inimigo de Flash Gordon. Na Sul América, a Argentina produz um frenético tango antipatrimonial, ao lado de um caudilhismo maduro e do nevoeiro golpista que ronda montanhas.

No Brasil, há um tenaz esforço pela democracia, mas - eis o inusitado - os Estados Unidos esquecem a América dos constitucionalistas - seus “pais fundadores”. Aqui, reitero, lutamos pelas ancoragens impessoais cujo partido é o Brasil; lá, há o fascínio por um autocrata fantasiado de super-herói, auxiliado por uma Suprema Corte reacionária que transforma presidentes em reis...

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Assombra a decisão jurídica de dividir para imunizar o papel de presidente do de cidadão que, numa democracia, é regido pela universalidade da lei. Não é uma vida incorrupta como homem ou mulher comuns que enseja a sua eleição como o “número um” de um povo republicano? O primo entre pares por merecimento não é o escolhido justamente pela totalidade de sua vida?

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A democracia é um regime alimentado por competição, por governos com tempo limitado no poder. Nela, os eleitores oscilam entre programas que podem tudo, exceto apropriar-se definitivamente do poder. O corolário desse axioma constitucional é que todos os disputantes honrem as regras do jogo.

Imagem da Suprema Corte americana. 'Nos Estados Unidos há o fascínio por um autocrata fantasiado de super-herói, auxiliado por uma Suprema Corte reacionária que transforma presidentes em reis', escreve Roberto DaMatta Foto: Steve Heap/Adobe Stock

As democracias têm grande tolerância com desvios, malandragens e populismos. Nelas, todo mundo tem o direito a fazer gol. Mas não se pode impedir o adversário de marcar pontos. Precisamente por isso, árbitros independentes dos competidores são essenciais. Sem eles, há o risco de a disputa ameaçar a estrutura competitiva, confundindo concorrer e rivalizar com rebelião.

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A ausência de pessoas fora do jogo, mas com autoridade sobre a competição, porque têm como dever honrar as regras da disputa e não os seus disputantes, é constitutiva da competição. A América mostrou ao mundo um extremado respeito à sua pioneira Constituição. Lamento que, hoje, sua Corte Suprema faccionalizada tenha nela aplicado o lado mais lastimável do “jeitinho” brasileiro.

Sem dúvida, pois um mundo globalizado está sujeito a um processo inevitável e inusitado de múltiplas aculturações. Um encontro de línguas e culturas que aponta na direção de um planeta menos nacionalmente diferenciado, mais distante de poderes coloniais e farto de superpotências. A França faz pensar numa certa Alemanha; a Itália supera a flegma britânica; a China lembra o planeta Mongo do Imperador Ming, inimigo de Flash Gordon. Na Sul América, a Argentina produz um frenético tango antipatrimonial, ao lado de um caudilhismo maduro e do nevoeiro golpista que ronda montanhas.

No Brasil, há um tenaz esforço pela democracia, mas - eis o inusitado - os Estados Unidos esquecem a América dos constitucionalistas - seus “pais fundadores”. Aqui, reitero, lutamos pelas ancoragens impessoais cujo partido é o Brasil; lá, há o fascínio por um autocrata fantasiado de super-herói, auxiliado por uma Suprema Corte reacionária que transforma presidentes em reis...

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Assombra a decisão jurídica de dividir para imunizar o papel de presidente do de cidadão que, numa democracia, é regido pela universalidade da lei. Não é uma vida incorrupta como homem ou mulher comuns que enseja a sua eleição como o “número um” de um povo republicano? O primo entre pares por merecimento não é o escolhido justamente pela totalidade de sua vida?

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A democracia é um regime alimentado por competição, por governos com tempo limitado no poder. Nela, os eleitores oscilam entre programas que podem tudo, exceto apropriar-se definitivamente do poder. O corolário desse axioma constitucional é que todos os disputantes honrem as regras do jogo.

Imagem da Suprema Corte americana. 'Nos Estados Unidos há o fascínio por um autocrata fantasiado de super-herói, auxiliado por uma Suprema Corte reacionária que transforma presidentes em reis', escreve Roberto DaMatta Foto: Steve Heap/Adobe Stock

As democracias têm grande tolerância com desvios, malandragens e populismos. Nelas, todo mundo tem o direito a fazer gol. Mas não se pode impedir o adversário de marcar pontos. Precisamente por isso, árbitros independentes dos competidores são essenciais. Sem eles, há o risco de a disputa ameaçar a estrutura competitiva, confundindo concorrer e rivalizar com rebelião.

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A ausência de pessoas fora do jogo, mas com autoridade sobre a competição, porque têm como dever honrar as regras da disputa e não os seus disputantes, é constitutiva da competição. A América mostrou ao mundo um extremado respeito à sua pioneira Constituição. Lamento que, hoje, sua Corte Suprema faccionalizada tenha nela aplicado o lado mais lastimável do “jeitinho” brasileiro.

Opinião por Roberto DaMatta

É antropólogo social, escritor e autor de 'Fila e Democracia'

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