Coluna semanal do antropólogo Roberto DaMatta com reflexões sobre o Brasil

Opinião|Como as ‘democracias relativizadas’ moldam a desigualdade e a hipocrisia global


Quem gosta de exclusões abomina o igualitarismo; para eles, o povo obedece e o mandão é seu dono

Por Roberto DaMatta

Infelizmente, tais abortos, dizem os especialistas, surgem na dinâmica geopolítica deste mundo globalizado, no qual parece que tudo vale.

Relativizar não é simples, embora seja corriqueiro em um planeta pautado por uma cosmológica hipocrisia. Realmente, como manter as aberrantes diferenças de poder e riqueza entre classes sociais, etnias, países, continentes e hemisférios, sustentando um ideal de justiça e igualdade, senão relativizando?

TQ SÃO PAULO 28.09.2022 METRÓPOLE CRISE DESIGUALDADE SOCIAL Morador em situação de rua em frente a loja de roupas em meio a chuva nessa quarta-feira, um dos dias mais chuvosos do ano. FOTO TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO  Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO
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Relativizamos diferenças pessoais quando repetimos que “gosto não de discute”. Mas temos imensas dificuldade para simpatizar com costumes ou pessoas que não se harmonizam com valores que nos constituem e fabricam.

Receitas ou imperativos constitucionais que definem o que somos ou julgamos ser são difíceis de relativizar. No caso brasileiro, a escravidão permeia nossa dificuldade de relativizar a cor da pele e o trabalho. Trabalhar não seria coisa para “senhores” em um sistema no qual quem trabalhava usando o corpo - realizando ofícios manuais, dizia a antiga legislação luso-nacional - era um grupo inferior, cujo paradigma até hoje é o negro.

No plano político, olhares compreensivos são ainda mais raros porque envolvem governos e opositores que devem ser neutralizados ou eliminados. Na nossa América Latina, oposição e governo em geral têm como objetivo uma recíproca destruição, jamais a construção de um país. O problema mais agudo é a relatividade das leis e dos tribunais, que anistiam hoje o corrupto de outro dia, tornando todas as regras manipuláveis - logo, relativas a quem comanda a máquina pública. Questões como o tempo no qual uma população terá o direito de desfrutar liberdade com igualdade podem ser golpeadas com crueldade, como exige a ditadura bolivariana na Venezuela.

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No Brasil, as elites sempre foram arrebatadas pela liberdade que permitia criticar e trocar de lado no poder, enquanto a igualdade era, e ainda é, um valor fácil de prometer, mas ofensivo ou até mesmo impossível de praticar. Pois a igualdade submete quem não se relativiza perante a lei. Os “mandões”, para quem tudo vale - menos a igualdade perante a lei. Essa dimensão irredutível da democracia.

Quem gosta das exclusões abomina o igualitarismo universalista e assim parteja “democracias relativas”. Democracias nas quais o povo obedece à lei - e o mandão é o seu dono.

Infelizmente, tais abortos, dizem os especialistas, surgem na dinâmica geopolítica deste mundo globalizado, no qual parece que tudo vale.

Relativizar não é simples, embora seja corriqueiro em um planeta pautado por uma cosmológica hipocrisia. Realmente, como manter as aberrantes diferenças de poder e riqueza entre classes sociais, etnias, países, continentes e hemisférios, sustentando um ideal de justiça e igualdade, senão relativizando?

TQ SÃO PAULO 28.09.2022 METRÓPOLE CRISE DESIGUALDADE SOCIAL Morador em situação de rua em frente a loja de roupas em meio a chuva nessa quarta-feira, um dos dias mais chuvosos do ano. FOTO TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO  Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Relativizamos diferenças pessoais quando repetimos que “gosto não de discute”. Mas temos imensas dificuldade para simpatizar com costumes ou pessoas que não se harmonizam com valores que nos constituem e fabricam.

Receitas ou imperativos constitucionais que definem o que somos ou julgamos ser são difíceis de relativizar. No caso brasileiro, a escravidão permeia nossa dificuldade de relativizar a cor da pele e o trabalho. Trabalhar não seria coisa para “senhores” em um sistema no qual quem trabalhava usando o corpo - realizando ofícios manuais, dizia a antiga legislação luso-nacional - era um grupo inferior, cujo paradigma até hoje é o negro.

No plano político, olhares compreensivos são ainda mais raros porque envolvem governos e opositores que devem ser neutralizados ou eliminados. Na nossa América Latina, oposição e governo em geral têm como objetivo uma recíproca destruição, jamais a construção de um país. O problema mais agudo é a relatividade das leis e dos tribunais, que anistiam hoje o corrupto de outro dia, tornando todas as regras manipuláveis - logo, relativas a quem comanda a máquina pública. Questões como o tempo no qual uma população terá o direito de desfrutar liberdade com igualdade podem ser golpeadas com crueldade, como exige a ditadura bolivariana na Venezuela.

No Brasil, as elites sempre foram arrebatadas pela liberdade que permitia criticar e trocar de lado no poder, enquanto a igualdade era, e ainda é, um valor fácil de prometer, mas ofensivo ou até mesmo impossível de praticar. Pois a igualdade submete quem não se relativiza perante a lei. Os “mandões”, para quem tudo vale - menos a igualdade perante a lei. Essa dimensão irredutível da democracia.

Quem gosta das exclusões abomina o igualitarismo universalista e assim parteja “democracias relativas”. Democracias nas quais o povo obedece à lei - e o mandão é o seu dono.

Infelizmente, tais abortos, dizem os especialistas, surgem na dinâmica geopolítica deste mundo globalizado, no qual parece que tudo vale.

Relativizar não é simples, embora seja corriqueiro em um planeta pautado por uma cosmológica hipocrisia. Realmente, como manter as aberrantes diferenças de poder e riqueza entre classes sociais, etnias, países, continentes e hemisférios, sustentando um ideal de justiça e igualdade, senão relativizando?

TQ SÃO PAULO 28.09.2022 METRÓPOLE CRISE DESIGUALDADE SOCIAL Morador em situação de rua em frente a loja de roupas em meio a chuva nessa quarta-feira, um dos dias mais chuvosos do ano. FOTO TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO  Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Relativizamos diferenças pessoais quando repetimos que “gosto não de discute”. Mas temos imensas dificuldade para simpatizar com costumes ou pessoas que não se harmonizam com valores que nos constituem e fabricam.

Receitas ou imperativos constitucionais que definem o que somos ou julgamos ser são difíceis de relativizar. No caso brasileiro, a escravidão permeia nossa dificuldade de relativizar a cor da pele e o trabalho. Trabalhar não seria coisa para “senhores” em um sistema no qual quem trabalhava usando o corpo - realizando ofícios manuais, dizia a antiga legislação luso-nacional - era um grupo inferior, cujo paradigma até hoje é o negro.

No plano político, olhares compreensivos são ainda mais raros porque envolvem governos e opositores que devem ser neutralizados ou eliminados. Na nossa América Latina, oposição e governo em geral têm como objetivo uma recíproca destruição, jamais a construção de um país. O problema mais agudo é a relatividade das leis e dos tribunais, que anistiam hoje o corrupto de outro dia, tornando todas as regras manipuláveis - logo, relativas a quem comanda a máquina pública. Questões como o tempo no qual uma população terá o direito de desfrutar liberdade com igualdade podem ser golpeadas com crueldade, como exige a ditadura bolivariana na Venezuela.

No Brasil, as elites sempre foram arrebatadas pela liberdade que permitia criticar e trocar de lado no poder, enquanto a igualdade era, e ainda é, um valor fácil de prometer, mas ofensivo ou até mesmo impossível de praticar. Pois a igualdade submete quem não se relativiza perante a lei. Os “mandões”, para quem tudo vale - menos a igualdade perante a lei. Essa dimensão irredutível da democracia.

Quem gosta das exclusões abomina o igualitarismo universalista e assim parteja “democracias relativas”. Democracias nas quais o povo obedece à lei - e o mandão é o seu dono.

Infelizmente, tais abortos, dizem os especialistas, surgem na dinâmica geopolítica deste mundo globalizado, no qual parece que tudo vale.

Relativizar não é simples, embora seja corriqueiro em um planeta pautado por uma cosmológica hipocrisia. Realmente, como manter as aberrantes diferenças de poder e riqueza entre classes sociais, etnias, países, continentes e hemisférios, sustentando um ideal de justiça e igualdade, senão relativizando?

TQ SÃO PAULO 28.09.2022 METRÓPOLE CRISE DESIGUALDADE SOCIAL Morador em situação de rua em frente a loja de roupas em meio a chuva nessa quarta-feira, um dos dias mais chuvosos do ano. FOTO TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO  Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Relativizamos diferenças pessoais quando repetimos que “gosto não de discute”. Mas temos imensas dificuldade para simpatizar com costumes ou pessoas que não se harmonizam com valores que nos constituem e fabricam.

Receitas ou imperativos constitucionais que definem o que somos ou julgamos ser são difíceis de relativizar. No caso brasileiro, a escravidão permeia nossa dificuldade de relativizar a cor da pele e o trabalho. Trabalhar não seria coisa para “senhores” em um sistema no qual quem trabalhava usando o corpo - realizando ofícios manuais, dizia a antiga legislação luso-nacional - era um grupo inferior, cujo paradigma até hoje é o negro.

No plano político, olhares compreensivos são ainda mais raros porque envolvem governos e opositores que devem ser neutralizados ou eliminados. Na nossa América Latina, oposição e governo em geral têm como objetivo uma recíproca destruição, jamais a construção de um país. O problema mais agudo é a relatividade das leis e dos tribunais, que anistiam hoje o corrupto de outro dia, tornando todas as regras manipuláveis - logo, relativas a quem comanda a máquina pública. Questões como o tempo no qual uma população terá o direito de desfrutar liberdade com igualdade podem ser golpeadas com crueldade, como exige a ditadura bolivariana na Venezuela.

No Brasil, as elites sempre foram arrebatadas pela liberdade que permitia criticar e trocar de lado no poder, enquanto a igualdade era, e ainda é, um valor fácil de prometer, mas ofensivo ou até mesmo impossível de praticar. Pois a igualdade submete quem não se relativiza perante a lei. Os “mandões”, para quem tudo vale - menos a igualdade perante a lei. Essa dimensão irredutível da democracia.

Quem gosta das exclusões abomina o igualitarismo universalista e assim parteja “democracias relativas”. Democracias nas quais o povo obedece à lei - e o mandão é o seu dono.

Opinião por Roberto DaMatta

É antropólogo social, escritor e autor de 'Fila e Democracia'

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