Coluna semanal do antropólogo Roberto DaMatta com reflexões sobre o Brasil

Opinião|Encantamento


Alguns elos jamais se dissipam e ultrapassam a cortina entre vivos e mortos que se amam

Por Roberto DaMatta
Atualização:

Dizem, com endosso de Max Weber, que vivemos num mundo desencantado. Um mundo no qual os milagres sumiram ou foram desmistificados pela ciência e, sobretudo, pelo empirismo que separa o natural do sobrenatural. Bom exemplo disso é a surpresa do célebre antropólogo norueguês Fredrik Barth com a “presença empírica de espíritos” entre os baktamans, cuja sociedade ele estudou em 1973, na Papua Nova Guiné.  Pena que quem fica espantado com a presença concreta de espíritos não tenha vivido no Brasil, visitado algum centro espírita ou ouvido os casos de assombração de qualquer brasileiro ou brasileira que convive com as “almas do outro mundo”. Esses espíritos que rondavam minha cabeça conforme viu dona Julieta, médium consumada de um desses centros. 

Mulher decora sepultura no Panteón La Magdalena, cemitério em San Pedro Cholula, no México. Foto: Pedro Pardo/AFP

Tive muito medo deles, mas hoje – talvez pela idade – desejo vê-los e com eles falar, tal como aconteceu com tia Amália, consolada pela alma de sua mãe, que morreu quando ela e papai eram crianças. Quando escrevi sobre o “outro mundo” e sua importância na cosmologia brasileira – ao lado do espaço da “casa” e da “rua” –, sugeria que a morte só surge como um problema e como um enigma irreparável debaixo da luz do Iluminismo, onde ela permanece como um ponto negro, negando a onipotência da racionalidade que se acredita capaz de mudar o mundo, mas permanece impotente diante da dama de negro e de outras ironias que, cedo ou tarde, nos assombram em inesperados encantamentos. No meu livrinho A Casa e a Rua, eu abordo essa questão, sugerindo que em sistemas relacionais, os mortos que amamos podem surgir “empiricamente”, como diria o antropólogo norueguês, criado num país desencantado, no qual os fantasmas foram varridos da vida diária, exceto no cinema e certamente na política.  Mas entre nós, eles ainda driblam a transitoriedade individual, pois acentuam os elos pessoais dando concretude às almas do outro mundo, símbolos da relação que sustenta o sentimento chamado saudade. Saudade que, num ensaio notável, Joaquim Nabuco observa que estava inscrita nas túmulos e nas cartas de amor. Num ensaio sobre a saudade, ressalto que o conceito revela a concretude dos elos sociais, pois neste universo de relações que dobram leis, eu remarcava que alguns elos jamais se dissipam e ultrapassam a cortina que jaz implacável entre vivos e mortos que se amam ou estão em dívida uns com os outros. Quando não tínhamos esses meios eletrônicos desencantados de hoje, eu aposto que as almas do outro mundo que mais apareciam eram as das pessoas amadas. Afinal – cabe a semiconclusão não convidada –, amamos porque sentimos saudade ou é o encantamento da saudade que nos comprova o amor? 

Dizem, com endosso de Max Weber, que vivemos num mundo desencantado. Um mundo no qual os milagres sumiram ou foram desmistificados pela ciência e, sobretudo, pelo empirismo que separa o natural do sobrenatural. Bom exemplo disso é a surpresa do célebre antropólogo norueguês Fredrik Barth com a “presença empírica de espíritos” entre os baktamans, cuja sociedade ele estudou em 1973, na Papua Nova Guiné.  Pena que quem fica espantado com a presença concreta de espíritos não tenha vivido no Brasil, visitado algum centro espírita ou ouvido os casos de assombração de qualquer brasileiro ou brasileira que convive com as “almas do outro mundo”. Esses espíritos que rondavam minha cabeça conforme viu dona Julieta, médium consumada de um desses centros. 

Mulher decora sepultura no Panteón La Magdalena, cemitério em San Pedro Cholula, no México. Foto: Pedro Pardo/AFP

Tive muito medo deles, mas hoje – talvez pela idade – desejo vê-los e com eles falar, tal como aconteceu com tia Amália, consolada pela alma de sua mãe, que morreu quando ela e papai eram crianças. Quando escrevi sobre o “outro mundo” e sua importância na cosmologia brasileira – ao lado do espaço da “casa” e da “rua” –, sugeria que a morte só surge como um problema e como um enigma irreparável debaixo da luz do Iluminismo, onde ela permanece como um ponto negro, negando a onipotência da racionalidade que se acredita capaz de mudar o mundo, mas permanece impotente diante da dama de negro e de outras ironias que, cedo ou tarde, nos assombram em inesperados encantamentos. No meu livrinho A Casa e a Rua, eu abordo essa questão, sugerindo que em sistemas relacionais, os mortos que amamos podem surgir “empiricamente”, como diria o antropólogo norueguês, criado num país desencantado, no qual os fantasmas foram varridos da vida diária, exceto no cinema e certamente na política.  Mas entre nós, eles ainda driblam a transitoriedade individual, pois acentuam os elos pessoais dando concretude às almas do outro mundo, símbolos da relação que sustenta o sentimento chamado saudade. Saudade que, num ensaio notável, Joaquim Nabuco observa que estava inscrita nas túmulos e nas cartas de amor. Num ensaio sobre a saudade, ressalto que o conceito revela a concretude dos elos sociais, pois neste universo de relações que dobram leis, eu remarcava que alguns elos jamais se dissipam e ultrapassam a cortina que jaz implacável entre vivos e mortos que se amam ou estão em dívida uns com os outros. Quando não tínhamos esses meios eletrônicos desencantados de hoje, eu aposto que as almas do outro mundo que mais apareciam eram as das pessoas amadas. Afinal – cabe a semiconclusão não convidada –, amamos porque sentimos saudade ou é o encantamento da saudade que nos comprova o amor? 

Dizem, com endosso de Max Weber, que vivemos num mundo desencantado. Um mundo no qual os milagres sumiram ou foram desmistificados pela ciência e, sobretudo, pelo empirismo que separa o natural do sobrenatural. Bom exemplo disso é a surpresa do célebre antropólogo norueguês Fredrik Barth com a “presença empírica de espíritos” entre os baktamans, cuja sociedade ele estudou em 1973, na Papua Nova Guiné.  Pena que quem fica espantado com a presença concreta de espíritos não tenha vivido no Brasil, visitado algum centro espírita ou ouvido os casos de assombração de qualquer brasileiro ou brasileira que convive com as “almas do outro mundo”. Esses espíritos que rondavam minha cabeça conforme viu dona Julieta, médium consumada de um desses centros. 

Mulher decora sepultura no Panteón La Magdalena, cemitério em San Pedro Cholula, no México. Foto: Pedro Pardo/AFP

Tive muito medo deles, mas hoje – talvez pela idade – desejo vê-los e com eles falar, tal como aconteceu com tia Amália, consolada pela alma de sua mãe, que morreu quando ela e papai eram crianças. Quando escrevi sobre o “outro mundo” e sua importância na cosmologia brasileira – ao lado do espaço da “casa” e da “rua” –, sugeria que a morte só surge como um problema e como um enigma irreparável debaixo da luz do Iluminismo, onde ela permanece como um ponto negro, negando a onipotência da racionalidade que se acredita capaz de mudar o mundo, mas permanece impotente diante da dama de negro e de outras ironias que, cedo ou tarde, nos assombram em inesperados encantamentos. No meu livrinho A Casa e a Rua, eu abordo essa questão, sugerindo que em sistemas relacionais, os mortos que amamos podem surgir “empiricamente”, como diria o antropólogo norueguês, criado num país desencantado, no qual os fantasmas foram varridos da vida diária, exceto no cinema e certamente na política.  Mas entre nós, eles ainda driblam a transitoriedade individual, pois acentuam os elos pessoais dando concretude às almas do outro mundo, símbolos da relação que sustenta o sentimento chamado saudade. Saudade que, num ensaio notável, Joaquim Nabuco observa que estava inscrita nas túmulos e nas cartas de amor. Num ensaio sobre a saudade, ressalto que o conceito revela a concretude dos elos sociais, pois neste universo de relações que dobram leis, eu remarcava que alguns elos jamais se dissipam e ultrapassam a cortina que jaz implacável entre vivos e mortos que se amam ou estão em dívida uns com os outros. Quando não tínhamos esses meios eletrônicos desencantados de hoje, eu aposto que as almas do outro mundo que mais apareciam eram as das pessoas amadas. Afinal – cabe a semiconclusão não convidada –, amamos porque sentimos saudade ou é o encantamento da saudade que nos comprova o amor? 

Dizem, com endosso de Max Weber, que vivemos num mundo desencantado. Um mundo no qual os milagres sumiram ou foram desmistificados pela ciência e, sobretudo, pelo empirismo que separa o natural do sobrenatural. Bom exemplo disso é a surpresa do célebre antropólogo norueguês Fredrik Barth com a “presença empírica de espíritos” entre os baktamans, cuja sociedade ele estudou em 1973, na Papua Nova Guiné.  Pena que quem fica espantado com a presença concreta de espíritos não tenha vivido no Brasil, visitado algum centro espírita ou ouvido os casos de assombração de qualquer brasileiro ou brasileira que convive com as “almas do outro mundo”. Esses espíritos que rondavam minha cabeça conforme viu dona Julieta, médium consumada de um desses centros. 

Mulher decora sepultura no Panteón La Magdalena, cemitério em San Pedro Cholula, no México. Foto: Pedro Pardo/AFP

Tive muito medo deles, mas hoje – talvez pela idade – desejo vê-los e com eles falar, tal como aconteceu com tia Amália, consolada pela alma de sua mãe, que morreu quando ela e papai eram crianças. Quando escrevi sobre o “outro mundo” e sua importância na cosmologia brasileira – ao lado do espaço da “casa” e da “rua” –, sugeria que a morte só surge como um problema e como um enigma irreparável debaixo da luz do Iluminismo, onde ela permanece como um ponto negro, negando a onipotência da racionalidade que se acredita capaz de mudar o mundo, mas permanece impotente diante da dama de negro e de outras ironias que, cedo ou tarde, nos assombram em inesperados encantamentos. No meu livrinho A Casa e a Rua, eu abordo essa questão, sugerindo que em sistemas relacionais, os mortos que amamos podem surgir “empiricamente”, como diria o antropólogo norueguês, criado num país desencantado, no qual os fantasmas foram varridos da vida diária, exceto no cinema e certamente na política.  Mas entre nós, eles ainda driblam a transitoriedade individual, pois acentuam os elos pessoais dando concretude às almas do outro mundo, símbolos da relação que sustenta o sentimento chamado saudade. Saudade que, num ensaio notável, Joaquim Nabuco observa que estava inscrita nas túmulos e nas cartas de amor. Num ensaio sobre a saudade, ressalto que o conceito revela a concretude dos elos sociais, pois neste universo de relações que dobram leis, eu remarcava que alguns elos jamais se dissipam e ultrapassam a cortina que jaz implacável entre vivos e mortos que se amam ou estão em dívida uns com os outros. Quando não tínhamos esses meios eletrônicos desencantados de hoje, eu aposto que as almas do outro mundo que mais apareciam eram as das pessoas amadas. Afinal – cabe a semiconclusão não convidada –, amamos porque sentimos saudade ou é o encantamento da saudade que nos comprova o amor? 

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