Eis uma pergunta que se refaz em todas as gerações. Ela salta aos olhos porque as manifestações populares revelam alegria, lealdade e confiança. Elas contrastam com as decepções da esfera pública.
As festas populares não foram inventadas por decretos que coagem e mudam em cada governo. Sua “política” privilegia tradições e concepções relacionadas ao habitual - as “coisas da casa”. A tudo que nos leva a repetir, eliminando o espaço entre o passado e o presente.
Esses eventos independem de partido e de “costuras políticas” que desfazem promessas e decepcionam. Frustrações que levam a uma permanente busca de salvacionistas. Porque a resposta, no nosso caso, jaz no porão aristocrático escravocrata que ainda grita o “você sabe com quem está falando?!”.
O universo da casa funciona bem melhor do que o da rua - da “esfera pública” que raramente é popular e não tem compromisso com os costumes, pois sua obsessão é “estado” como uma entidade idealizada e ideologicamente sagrada. No caso brasileiro, santificada num marxismo não materialista, revestido de doutrina católica.
Na minha longa vida, pulei um mesmo carnaval, mas vi passar duas ditaduras, testemunhei um instante parlamentarista, um pesado golpe neofascista e um retorno ao republicanismo atacado pelo dilema entre interesses particularistas e universalistas, como diria Talcott Parsons.
Dentro da polaridade que sugeri como estruturante no Brasil - o contraste entre casa e rua - afirmo que, apesar de todas as suas mudanças e malfeitos, o universo da casa é muito menos decepcionante que o da rua, com suas ameaças, roubalheiras e legalismos que, mesmo diante das ameaças à democracia (hoje plenamente reificada), protege os privilegiados.
Simplificando: existe um Brasil da casa e um Brasil da rua e o decepcionante e ineficiente é o da rua. Por quê?
Porque a elite sofre de “estatolatria”, esquecendo que casa e rua existem no Estado. Que ele sofre os mesmos dilemas de uma moralidade que até hoje não discerne conflito de interesse, base de corrupção e ineficiência. Não é preciso muito zelo legalista ou filosófico, basta enxergar que o aparelho estatal não é feito de marcianos, mas de pessoas. De fato, quem nos governa e, como um aristocrata eleito pelos pobres, vai morar num palácio - a casa dos donos do poder -, são nossos amigos, companheiros, compadres e confrades. Deles esperamos “a devida consideração”, e a eles devemos lealdade. A maior prova da força dos costumes sobre o regime é a criação de dinastias políticas por meio do voto. Se isso fosse possível na França do século 18 não haveria Revolução Francesa e, sem ela, a democracia como ideal político.
Oliveira Viana sugere a chave da política nacional: temos todas as coragens, menos a de negar o pedido de um amigo. Ou seja, é preciso juntar casa e rua e isso exige mais do que demagogia, burrice, caos e populismo.
PS: Morre Zagallo. Viva Zagallo, sepultado no fundo dos nossos corações.