Traduzo “status” por “posição social”, acrescentando que, se todos temos uma ideia de quem somos, essa ideia não é objetificada em bloco, porque carregamos feixes de relações sociais que nos enredam num conjunto dinâmico. Jamais estamos sós, mas, paradoxalmente, muitas situações nos obrigam a negar elos imperativos que herdamos ou escolhemos. Não deve ser por acaso que o termo “blindar” faz parte do arsenal político de Brasília. Quando falamos de “status”, falamos de todos esses hóspedes não convidados, que invariavelmente constrangem nossa liberdade individual trazendo a lembrança daquele favor que deve ser devolvido ou reparado.
Realmente, chama atenção, no mundo público brasileiro, como o pertencimento relacional interfere no universo político a ponto de qualificá-lo. Realmente, no Brasil, “fazer” ou “ser político” é ter a capacidade de conjugar obrigações e dívidas que chegam do campo relacional (a dimensão do “status”), no contexto, porém, de um sistema social movido a “contrato”.
Isso é claro neste momento em que existe acordo e necessidade de modernizar várias esferas do sistema de governo. Não custa observar que todos concordam pelo “bem do Brasil”, mas todos sabem como é difícil blindar a impessoalidade, frente às pressões de interesses pessoais que, no corredor de emendas, desmantelam e viram ideologias pelo avesso.
A essas alturas, vale perguntar se tais dilemas não existiriam em todo lugar. Minha resposta é que há sistemas nos quais o “status” é dominante e outros nos quais o “contratualismo” - a liberdade de escolher o mais racional e lucrativo - não passa pelos temporais dos obséquios devidos à consideração e à amizade. A democracia exige que os dois sistemas conheçam seus limites. No Brasil, contudo, estamos fartos de saber, o pessoal sempre triunfa. Afinal, temos coragem para tudo, menos para negar o pedido de um amigo, como assinalou Oliveira Vianna.
Equilibrar o pessoal (governo) e o impessoal (Estado) é básico na rotina democrática. No fundo, trata-se de coibir o personalismo do “Você sabe com quem está falando?” e do “Eu sou amigo do rei” - um sistema no qual o “status” como afirmação permanente de gênero, idade, cor, familismo e cargo é dominante - para uma cultura de “contrato”. De obrigações voluntárias, individuais e impessoais, conforme ensinou o jurista inglês Henry Summer Maine, numa obra inovadora, marcada por contrastes e oposições mínimas não exclusivas (sociedades progressistas/sociedades estacionárias; status/contrato), ao contrário da teoria evolucionista que concebe o tempo como um inevitável “processo civilizatório”.
PS: Subiu Milan Kundera, um romancista com a leveza da sua consciência desencantada deste mundo pós-moderno tão raso quanto movido a oportunismo banal.