Coluna semanal do antropólogo Roberto DaMatta com reflexões sobre o Brasil

Opinião|Nada é mais venenoso para uma sociedade do que ter uma justiça ineficiente e caolha


Neste Brasil moderno, temos todo um zoológico de atos vergonhosos, envergonhados e envergonhadores que promovem ou deveriam promover culpa e punição - como resposta àquilo que a sociedade considera desonestidade, falta de vergonha ou cinismo

Por Roberto DaMatta

Em qualquer sociedade humana existem ações que devem ser encobertas.

Se você for visto realizando tais atos – pego com a mão na massa –, sofre uma sanção que vai do ato “desmoralizador” de ter sido visto, e hoje filmado, até a obras mais intrincadas as quais, praticadas por você, promovem culpabilidade, punição e repulsa.

Não é por acaso que “obrar” sinaliza defecar...

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Essas diferenças ajudam a discernir o que é pecado, crime e tabu – esses limites impensáveis como o que marcou Édipo e o papa Gregório da Pedra, personagem de Thomas Mann, filho de um incesto entre irmãos que se casa com a com própria mãe, sendo purificado e perdoado pela inexcedível e majestosa misericórdia de Deus, depois de um penoso isolamento num rochedo.

Neste nosso Brasil moderno, temos todo um zoológico de atos vergonhosos, envergonhados e envergonhadores, que promovem ou deveriam promover opróbrio, culpa... E punição, não como vingança ou maldade, mas como resposta àquilo que a sociedade considera desonestidade, falta de vergonha ou cinismo.

E, no entanto, discutimos mais a lei do que os atos que promovem e legitimam a sua presença. Aprendi com o realismo durkheimiano que em toda sociedade existem atos impossíveis de serem bloqueados ou definitivamente evitados – mas que seria um contrassenso não os enfrentar e impugnar.

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Monumento 'Justiça', localizado em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal (STF) na praça do Três Poderes, em Brasília Foto: Wilton Junior/Estadão

Impossível, diz Durkheim, evitar a doença ou o crime, mas seria absurdo e imoral não acreditar e estimular a honestidade. E nada é mais venenoso para uma sociedade do que ter uma justiça ineficiente e caolha. Um sistema cujo princípio é ser fraco com os fortes e forte com os fracos.

Somos muito mais preocupados com a lei do que com os atos que a fabricam. A presença agressiva de privilégios e prerrogativas em cargos que governam a riqueza nacional bloqueia a dinâmica igualitária e produz a vergonha de sermos incapazes de fazer justiça. Ou seja: a manutenção de uma estrutura social injusta nos torna incomparáveis como inventores de polícias, tribunais e processualismos destinados a isentar da lei companheiros, amigos e compadres.

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São tantos decretos, portarias, leis, regras, normas, regimentos, códigos, com suas respectivas sedes legais – delegacias, tribunais, cortes – que, no fim e ao cabo, viramos uma anistialândia. l

Em qualquer sociedade humana existem ações que devem ser encobertas.

Se você for visto realizando tais atos – pego com a mão na massa –, sofre uma sanção que vai do ato “desmoralizador” de ter sido visto, e hoje filmado, até a obras mais intrincadas as quais, praticadas por você, promovem culpabilidade, punição e repulsa.

Não é por acaso que “obrar” sinaliza defecar...

Essas diferenças ajudam a discernir o que é pecado, crime e tabu – esses limites impensáveis como o que marcou Édipo e o papa Gregório da Pedra, personagem de Thomas Mann, filho de um incesto entre irmãos que se casa com a com própria mãe, sendo purificado e perdoado pela inexcedível e majestosa misericórdia de Deus, depois de um penoso isolamento num rochedo.

Neste nosso Brasil moderno, temos todo um zoológico de atos vergonhosos, envergonhados e envergonhadores, que promovem ou deveriam promover opróbrio, culpa... E punição, não como vingança ou maldade, mas como resposta àquilo que a sociedade considera desonestidade, falta de vergonha ou cinismo.

E, no entanto, discutimos mais a lei do que os atos que promovem e legitimam a sua presença. Aprendi com o realismo durkheimiano que em toda sociedade existem atos impossíveis de serem bloqueados ou definitivamente evitados – mas que seria um contrassenso não os enfrentar e impugnar.

Monumento 'Justiça', localizado em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal (STF) na praça do Três Poderes, em Brasília Foto: Wilton Junior/Estadão

Impossível, diz Durkheim, evitar a doença ou o crime, mas seria absurdo e imoral não acreditar e estimular a honestidade. E nada é mais venenoso para uma sociedade do que ter uma justiça ineficiente e caolha. Um sistema cujo princípio é ser fraco com os fortes e forte com os fracos.

Somos muito mais preocupados com a lei do que com os atos que a fabricam. A presença agressiva de privilégios e prerrogativas em cargos que governam a riqueza nacional bloqueia a dinâmica igualitária e produz a vergonha de sermos incapazes de fazer justiça. Ou seja: a manutenção de uma estrutura social injusta nos torna incomparáveis como inventores de polícias, tribunais e processualismos destinados a isentar da lei companheiros, amigos e compadres.

São tantos decretos, portarias, leis, regras, normas, regimentos, códigos, com suas respectivas sedes legais – delegacias, tribunais, cortes – que, no fim e ao cabo, viramos uma anistialândia. l

Em qualquer sociedade humana existem ações que devem ser encobertas.

Se você for visto realizando tais atos – pego com a mão na massa –, sofre uma sanção que vai do ato “desmoralizador” de ter sido visto, e hoje filmado, até a obras mais intrincadas as quais, praticadas por você, promovem culpabilidade, punição e repulsa.

Não é por acaso que “obrar” sinaliza defecar...

Essas diferenças ajudam a discernir o que é pecado, crime e tabu – esses limites impensáveis como o que marcou Édipo e o papa Gregório da Pedra, personagem de Thomas Mann, filho de um incesto entre irmãos que se casa com a com própria mãe, sendo purificado e perdoado pela inexcedível e majestosa misericórdia de Deus, depois de um penoso isolamento num rochedo.

Neste nosso Brasil moderno, temos todo um zoológico de atos vergonhosos, envergonhados e envergonhadores, que promovem ou deveriam promover opróbrio, culpa... E punição, não como vingança ou maldade, mas como resposta àquilo que a sociedade considera desonestidade, falta de vergonha ou cinismo.

E, no entanto, discutimos mais a lei do que os atos que promovem e legitimam a sua presença. Aprendi com o realismo durkheimiano que em toda sociedade existem atos impossíveis de serem bloqueados ou definitivamente evitados – mas que seria um contrassenso não os enfrentar e impugnar.

Monumento 'Justiça', localizado em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal (STF) na praça do Três Poderes, em Brasília Foto: Wilton Junior/Estadão

Impossível, diz Durkheim, evitar a doença ou o crime, mas seria absurdo e imoral não acreditar e estimular a honestidade. E nada é mais venenoso para uma sociedade do que ter uma justiça ineficiente e caolha. Um sistema cujo princípio é ser fraco com os fortes e forte com os fracos.

Somos muito mais preocupados com a lei do que com os atos que a fabricam. A presença agressiva de privilégios e prerrogativas em cargos que governam a riqueza nacional bloqueia a dinâmica igualitária e produz a vergonha de sermos incapazes de fazer justiça. Ou seja: a manutenção de uma estrutura social injusta nos torna incomparáveis como inventores de polícias, tribunais e processualismos destinados a isentar da lei companheiros, amigos e compadres.

São tantos decretos, portarias, leis, regras, normas, regimentos, códigos, com suas respectivas sedes legais – delegacias, tribunais, cortes – que, no fim e ao cabo, viramos uma anistialândia. l

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Opinião por Roberto DaMatta

É antropólogo social, escritor e autor de 'Fila e Democracia'

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