Numa aldeia, todos são famosos. (Erving Goffman)
É um desfecho venturoso de um ato ou obra realizada. O êxito reafirma a felicidade e a legítima gratidão por estar vivo - “a vida presta!” -, ponderou sabiamente Fernanda Torres. As lágrimas do êxito seguem para o céu; são o avesso do choro sofrido das injustiças e dos infortúnios que obrigam a engoli-las.
Uma maravilhosa explosão de êxito foi a que assisti no agradecimento de Fernanda Torres ao receber o Globo de Ouro de melhor atriz com o filme Ainda Estou Aqui. Um drama revelador de eventos morais e políticos marcados pela coragem e determinação de uma mulher, cuja vida foi contada num livro comovente de um filho, Marcelo Rubens Paiva, autor que admiro pela sua postura diante do infortúnio.
A explosão vitoriosa exprime uma vitória oportuna da cinematografia do Brasil visto como uma sociedade com suas narrativas singulares. O cinema e as artes mostram como a vida acontece no Brasil. A importância de Ainda Estou Aqui reside sobretudo na serenidade do estilo de Walter Salles, que orquestra em filme o horror dos regimes autocráticos salvacionistas e cruelmente polarizadores, tipo “eles ou nós”, como infelizmente conhecemos nas ditaduras brasileiras, das quais a militar não foi a primeira. O filme disseca um estilo de assassinar que tem se repetido como expressão das iniquidades e hipocrisias afins ao nosso dilema - lei ou privilégios? Essa perene ambiguidade político-institucional.
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Mas, cabe perguntar: por que o filme comove? A resposta me leva a mencionar um livro de 1985, A Casa e a Rua, no qual mostro como o regime moral da casa é de intimidade, afeto, comensalidade e confiança. No lar, não há leis escritas, mas na rua vale a impessoalidade do igualitarismo das leis que, em regimes autocráticos e salvacionistas, conduzem à arbitrariedade dos totalitarismos. Um regime totalitário se caracteriza pelo controle de todas as esferas da vida social. No caso, testemunhamos uma brutal agressão ao mundo doméstico por agentes desse totalitarismo. Agressão que elimina o pai e prende a mãe e a filha na lógica do arbítrio absoluto.
No filme, a vida em família é ensolarada e muda radicalmente do sol para sombras quando a morada é invadida e mortalmente ferida. Só o espírito indômito de dona Eunice Paiva (Fernanda Torres e Fernanda Montenegro irmanadas no mesmo papel) suporta e vence a agressão ditatorial para terminar num encontro familiar que reafirma o triunfo da casa e da família sobre o mundo da rua tomado por hipocrisia e violência.
PS: É preciso dizer a Lula III que democracia não tem amante. Ela é difícil até onde foi consolidada - como explicar Trump e o puritanismo? Ademais, ela exige uma fidelidade que Lula da Silva revelou não ter.