Coluna semanal do antropólogo Roberto DaMatta com reflexões sobre o Brasil

Opinião|O inesperado do nosso tempo é a presença da hipocrisia e da má-fé


Países que nos serviram de modelo, tanto à direita quanto à esquerda, são muito mais iguais do que pensávamos

Por Roberto DaMatta

Todas as sociedades humanas conhecidas evitam inesperados. Suas rotinas fabricaram hábitos e costumes que, entre o cultural e o natural irredutível (a cabeça e o pé, o céu e a terra, o lado direito e o esquerdo, a saúde e a doença, a noite e o dia, as enchentes, secas, terremotos, nevascas) e, acima de tudo, o enigma da morte, espera-se que fiquem nos seus lugares.

Tudo o que vivemos como básico, “civilizado” ou “natural” – aquilo que os populistas se elegem jurando que vão melhorar – é ordenado em categorias de entendimento sobre as quais ensinaram Durkheim e Mauss e que formam a base do cosmológico. Todas as humanidades têm protocolos para cuidar dessas categorias que ordenam o mundo, livrando-as dos inesperados individuais ou coletivos que ameaçam as rotinas.

Donald Trump, presidente eleito dos Estados Unidos, em discurso nesta terça-feira, 16, na Flórida Foto: Andrew Harnik/AFP
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Robert Merton publicou em 1936, na American Sociological Review, um ensaio sobre as consequências não previstas de atos sociais programados. Você ama uma moça e, estando certo de que ela será sua mulher, compra um anel de noivado e descobre que ela se casou com um outro. A literatura está recheada de consequências não esperadas de gestos programados.

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Uma das fontes da inquietação desse nosso mundo digitalizado é que a programação do capitalismo ocidental trouxe bem-estar, multiplicou oportunidades, criou conforto e curas inimagináveis, estabeleceu um estilo de vida baseado no progressismo e na quantidade, mas esse programa tem produzido efeitos não previstos e devastadores no planeta.

A contradição não seria aquela que Marx denunciou – a da classe trabalhadora explorada contra sinistros capitalismos de cartola –, mas algo inesperado: a espoliação irracional da Terra por meio de um imprevisto racionalismo progressista.

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No ensaio Raça e História, Lévi-Strauss faz a seguinte advertência: “A exclusiva fatalidade, a única tara que pode afligir um grupo humano e impedi-lo de realizar plenamente a sua natureza, é estar só”.

Publicado em 1952, o ensaio não tinha como prever que o mundo iria sofrer com o exato oposto, a incessante e brutal comunicação produtora de aculturações inesperadas entre países e pessoas. O isolamento tem dado lugar a uma Babel de conflitos de interesses, fazendo com que a chamada geopolítica vire uma loteria. O triunfo assustador de Donald Trump na mais admirável e complexa democracia do planeta prova o ponto.

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A parcimônia de milênios deu lugar a uma enxurrada de mensagens expressivas de maldade e confusão. O inesperado de nosso tempo é a presença da hipocrisia, do poder dos poderosos e da má-fé dos países que nos serviam de modelo à direita e à esquerda. Hoje descobrimos – eis outra surpresa – que eles são muito mais iguais a nós do que pensávamos.

Valha-nos Deus!

Todas as sociedades humanas conhecidas evitam inesperados. Suas rotinas fabricaram hábitos e costumes que, entre o cultural e o natural irredutível (a cabeça e o pé, o céu e a terra, o lado direito e o esquerdo, a saúde e a doença, a noite e o dia, as enchentes, secas, terremotos, nevascas) e, acima de tudo, o enigma da morte, espera-se que fiquem nos seus lugares.

Tudo o que vivemos como básico, “civilizado” ou “natural” – aquilo que os populistas se elegem jurando que vão melhorar – é ordenado em categorias de entendimento sobre as quais ensinaram Durkheim e Mauss e que formam a base do cosmológico. Todas as humanidades têm protocolos para cuidar dessas categorias que ordenam o mundo, livrando-as dos inesperados individuais ou coletivos que ameaçam as rotinas.

Donald Trump, presidente eleito dos Estados Unidos, em discurso nesta terça-feira, 16, na Flórida Foto: Andrew Harnik/AFP

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Robert Merton publicou em 1936, na American Sociological Review, um ensaio sobre as consequências não previstas de atos sociais programados. Você ama uma moça e, estando certo de que ela será sua mulher, compra um anel de noivado e descobre que ela se casou com um outro. A literatura está recheada de consequências não esperadas de gestos programados.

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Uma das fontes da inquietação desse nosso mundo digitalizado é que a programação do capitalismo ocidental trouxe bem-estar, multiplicou oportunidades, criou conforto e curas inimagináveis, estabeleceu um estilo de vida baseado no progressismo e na quantidade, mas esse programa tem produzido efeitos não previstos e devastadores no planeta.

A contradição não seria aquela que Marx denunciou – a da classe trabalhadora explorada contra sinistros capitalismos de cartola –, mas algo inesperado: a espoliação irracional da Terra por meio de um imprevisto racionalismo progressista.

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No ensaio Raça e História, Lévi-Strauss faz a seguinte advertência: “A exclusiva fatalidade, a única tara que pode afligir um grupo humano e impedi-lo de realizar plenamente a sua natureza, é estar só”.

Publicado em 1952, o ensaio não tinha como prever que o mundo iria sofrer com o exato oposto, a incessante e brutal comunicação produtora de aculturações inesperadas entre países e pessoas. O isolamento tem dado lugar a uma Babel de conflitos de interesses, fazendo com que a chamada geopolítica vire uma loteria. O triunfo assustador de Donald Trump na mais admirável e complexa democracia do planeta prova o ponto.

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A parcimônia de milênios deu lugar a uma enxurrada de mensagens expressivas de maldade e confusão. O inesperado de nosso tempo é a presença da hipocrisia, do poder dos poderosos e da má-fé dos países que nos serviam de modelo à direita e à esquerda. Hoje descobrimos – eis outra surpresa – que eles são muito mais iguais a nós do que pensávamos.

Valha-nos Deus!

Todas as sociedades humanas conhecidas evitam inesperados. Suas rotinas fabricaram hábitos e costumes que, entre o cultural e o natural irredutível (a cabeça e o pé, o céu e a terra, o lado direito e o esquerdo, a saúde e a doença, a noite e o dia, as enchentes, secas, terremotos, nevascas) e, acima de tudo, o enigma da morte, espera-se que fiquem nos seus lugares.

Tudo o que vivemos como básico, “civilizado” ou “natural” – aquilo que os populistas se elegem jurando que vão melhorar – é ordenado em categorias de entendimento sobre as quais ensinaram Durkheim e Mauss e que formam a base do cosmológico. Todas as humanidades têm protocolos para cuidar dessas categorias que ordenam o mundo, livrando-as dos inesperados individuais ou coletivos que ameaçam as rotinas.

Donald Trump, presidente eleito dos Estados Unidos, em discurso nesta terça-feira, 16, na Flórida Foto: Andrew Harnik/AFP

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Robert Merton publicou em 1936, na American Sociological Review, um ensaio sobre as consequências não previstas de atos sociais programados. Você ama uma moça e, estando certo de que ela será sua mulher, compra um anel de noivado e descobre que ela se casou com um outro. A literatura está recheada de consequências não esperadas de gestos programados.

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Uma das fontes da inquietação desse nosso mundo digitalizado é que a programação do capitalismo ocidental trouxe bem-estar, multiplicou oportunidades, criou conforto e curas inimagináveis, estabeleceu um estilo de vida baseado no progressismo e na quantidade, mas esse programa tem produzido efeitos não previstos e devastadores no planeta.

A contradição não seria aquela que Marx denunciou – a da classe trabalhadora explorada contra sinistros capitalismos de cartola –, mas algo inesperado: a espoliação irracional da Terra por meio de um imprevisto racionalismo progressista.

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No ensaio Raça e História, Lévi-Strauss faz a seguinte advertência: “A exclusiva fatalidade, a única tara que pode afligir um grupo humano e impedi-lo de realizar plenamente a sua natureza, é estar só”.

Publicado em 1952, o ensaio não tinha como prever que o mundo iria sofrer com o exato oposto, a incessante e brutal comunicação produtora de aculturações inesperadas entre países e pessoas. O isolamento tem dado lugar a uma Babel de conflitos de interesses, fazendo com que a chamada geopolítica vire uma loteria. O triunfo assustador de Donald Trump na mais admirável e complexa democracia do planeta prova o ponto.

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A parcimônia de milênios deu lugar a uma enxurrada de mensagens expressivas de maldade e confusão. O inesperado de nosso tempo é a presença da hipocrisia, do poder dos poderosos e da má-fé dos países que nos serviam de modelo à direita e à esquerda. Hoje descobrimos – eis outra surpresa – que eles são muito mais iguais a nós do que pensávamos.

Valha-nos Deus!

Opinião por Roberto DaMatta

É antropólogo social, escritor e autor de 'Fila e Democracia'

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