Quando se trata de guerra – de violência e fúria tecnologicamente sincronizadas –, todo comentário é discutível e até ofensivo pois, na reciprocidade negativa da guerra, nasce a vingança como resposta legítima. Quando a guerra emerge como um sujeito – um ator ou instituição – com direitos e deveres tão profundos quanto desumanos, sua violência tem enorme força porque guerrear se torna promessa de justiça e a finalização de uma etapa histórica. Quem não se lembra daquela guerra que iria acabar com todas as guerras?
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Se o mundo fica melhor sem judeus, muçulmanos, ingleses, negros, ianques, russos, alemães, indígenas – eu esgotaria um volume com exemplos –, então é possível exterminar os diferentes. Se não admitimos o outro como “alternativa” e o classificamos como erro, ignorância, pecado, primitivismo, paganismo, legitimamos o seu extermínio porque o aniquilamento seria conversão e cura ou, pior que isso, livramento e progresso. Algo, valha-me Deus, que está na base dos etnocentrismos e anacronismos.
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Todo conflito desvenda rancores que não podem ser tomados como modelos definitivos de vida. Ao equiparar a reação defensiva de Israel ao que sofreu o povo judeu, Lula III fez mais do que cometer um erro. Ele tocou no tabu do povo eleito e sujeito, por ser escolhido o Cordeiro de Deus, como anotou a antropóloga Mary Douglas, a todas as infâmias. Como ela desvenda, há um elo poderoso entre pureza e perigo. Progressos científicos inimagináveis e consciência global mostram, na vergonha de duas guerras, nossa incapacidade de domesticar brutalidades. A pureza do saber não acaba com os perigos de feitiçarias, terrorismo e golpes como apanágios dos fracos.
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O mal-estar atual é mais complicado do que o freudiano. Para Freud, o mal-estar brotava do embate entre instintos e ethos civilizatório. No nosso caso, ele resulta de um ajustamento entre um olhar global (que demanda igualdade) e a perspectiva das nações imperiais.
O pejorativo “west and the rest” mudou. O “west” corre o risco de também pertencer a esse “resto” condenado à marginalidade. Nosso mal-estar não diz respeito somente a antigas rivalidades entre nações, religiões, línguas e culturas. Ele tem uma referência implacável: a Terra.
Um planeta que pode se exaurir ou ser destruído por um conflito nuclear deflagrado por algum Doutor Fantástico, que já saiu dos cinemas e pronto está para suicidar o que concebemos como “civilização”.
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Vivemos o mal-estar do saber mais do que queremos e um excesso de falar sem ouvir que – já advertia Lévi-Strauss – faz perna com a intriga, o terrorismo, a bruxaria e o golpe, do mesmo modo que o esquecer faz perna com a falta de comunicação consigo mesmo.