Coluna semanal do antropólogo Roberto DaMatta com reflexões sobre o Brasil

Opinião|Quando as comidas nos comem


É notável o papel da comida em reuniões nas quais a mesquinhez e a sovinice do economizar dão lugar ao ‘dar’ presentes e ‘lembranças’

Por Roberto DaMatta
Atualização:

Quando era jovem e metido a teórico da vida social, escrevi que havia três modos de ritualizar. O primeiro, reforçando os elos sociais existentes; o segundo, neutralizando laços estabelecidos; e o terceiro – certamente o mais eletrizante – era invertendo rotinas. No primeiro caso aclamamos a ordem; no segundo, despedidas; e, no terceiro, revoluções que, no caso brasileiro, se concretizam em carnavais e na passagem para o novo ano.

Festa de Reveillon. na praia de Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Esse fazer pelo avesso – vestir uma fantasia, comer coletivamente uma mesma comida numa comunhão – arquiteta esses prodigiosos tempos que acabamos de viver. Abandonamos o que fazemos rotineira e “naturalmente” para oferecer presentes e comidas para serem obrigatoriamente degustadas. Os pratos desses tempos são especiais e exclusivos. São comidas que nos comem. Tal como o bolo de aniversário do Juquinha que representa o aniversariante e tem que ser comido. Logo, o irrecusável bolo come os convidados.

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Essa abertura para outro e o canibalismo de ser comido pela comida são centrais na ceia do Ano-novo. No caso brasileiro, é notável o papel da comida em reuniões nas quais a mesquinhez e a sovinice do economizar dão lugar ao “dar” presentes e “lembranças” ao lado do abrir a porta da casa indo além dos parentes que comungam conosco. A comensalidade vira pelo avesso rotinas e diferenças.

Tempos natalinos e carnavalescos são tempos de gastar em vez de economizar. Neles, o arroz com feijão é cerimonialmente substituído por pratos formidáveis. A imperdível bacalhoada da Maria, o irresistível (e complicado) peru de Natal do Mario de Andrade, os pavês e rabanadas obrigatoriamente comidos pelos convidados que transformam a “mesa” da família numa “távola redonda” coberta pela melhor toalha sobre a qual ficam expostos os “pratos” que nos canibalizam porque nos devoram no calor amoroso da comensalidade. São eles que nos celebram e comem, fazendo com que o “comer pra viver”, vire o festivo “viver pra comer”.

A inversão desenha a cerimônia, obrigando a trocar o egoísmo pelo altruísmo da hospitalidade e de tudo o mais que “devemos” aos convidados. Alguns deles, por sinal, nossos opositores no burro pantanal da “política”.

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Nas fórmulas do ritualizar, o abandono das rotinas – daquilo que fazemos “sem pensar” ou “naturalmente” – é central. É por meio da inversão que reiteramos afeto e concretizamos o tempo. Mudar rotinas, passando do trabalho à festa, ajuda a contabilizar o velho tempo que, como água e vento, não podem ser cortados. Mas podem ser, como acabamos de experimentar, aprisionados nos calendários.

Curioso, entretanto, assinalar que capturamos o invisível tempo e passamos de um ano a outro, mas não conseguimos mudar esse nosso Brasil concreto e vexaminoso na sua estadopatia geradora e mantenedora de pobreza, populismo e malandragem estrutural.

Feliz Ano Novo!

Quando era jovem e metido a teórico da vida social, escrevi que havia três modos de ritualizar. O primeiro, reforçando os elos sociais existentes; o segundo, neutralizando laços estabelecidos; e o terceiro – certamente o mais eletrizante – era invertendo rotinas. No primeiro caso aclamamos a ordem; no segundo, despedidas; e, no terceiro, revoluções que, no caso brasileiro, se concretizam em carnavais e na passagem para o novo ano.

Festa de Reveillon. na praia de Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Esse fazer pelo avesso – vestir uma fantasia, comer coletivamente uma mesma comida numa comunhão – arquiteta esses prodigiosos tempos que acabamos de viver. Abandonamos o que fazemos rotineira e “naturalmente” para oferecer presentes e comidas para serem obrigatoriamente degustadas. Os pratos desses tempos são especiais e exclusivos. São comidas que nos comem. Tal como o bolo de aniversário do Juquinha que representa o aniversariante e tem que ser comido. Logo, o irrecusável bolo come os convidados.

Essa abertura para outro e o canibalismo de ser comido pela comida são centrais na ceia do Ano-novo. No caso brasileiro, é notável o papel da comida em reuniões nas quais a mesquinhez e a sovinice do economizar dão lugar ao “dar” presentes e “lembranças” ao lado do abrir a porta da casa indo além dos parentes que comungam conosco. A comensalidade vira pelo avesso rotinas e diferenças.

Tempos natalinos e carnavalescos são tempos de gastar em vez de economizar. Neles, o arroz com feijão é cerimonialmente substituído por pratos formidáveis. A imperdível bacalhoada da Maria, o irresistível (e complicado) peru de Natal do Mario de Andrade, os pavês e rabanadas obrigatoriamente comidos pelos convidados que transformam a “mesa” da família numa “távola redonda” coberta pela melhor toalha sobre a qual ficam expostos os “pratos” que nos canibalizam porque nos devoram no calor amoroso da comensalidade. São eles que nos celebram e comem, fazendo com que o “comer pra viver”, vire o festivo “viver pra comer”.

A inversão desenha a cerimônia, obrigando a trocar o egoísmo pelo altruísmo da hospitalidade e de tudo o mais que “devemos” aos convidados. Alguns deles, por sinal, nossos opositores no burro pantanal da “política”.

Nas fórmulas do ritualizar, o abandono das rotinas – daquilo que fazemos “sem pensar” ou “naturalmente” – é central. É por meio da inversão que reiteramos afeto e concretizamos o tempo. Mudar rotinas, passando do trabalho à festa, ajuda a contabilizar o velho tempo que, como água e vento, não podem ser cortados. Mas podem ser, como acabamos de experimentar, aprisionados nos calendários.

Curioso, entretanto, assinalar que capturamos o invisível tempo e passamos de um ano a outro, mas não conseguimos mudar esse nosso Brasil concreto e vexaminoso na sua estadopatia geradora e mantenedora de pobreza, populismo e malandragem estrutural.

Feliz Ano Novo!

Quando era jovem e metido a teórico da vida social, escrevi que havia três modos de ritualizar. O primeiro, reforçando os elos sociais existentes; o segundo, neutralizando laços estabelecidos; e o terceiro – certamente o mais eletrizante – era invertendo rotinas. No primeiro caso aclamamos a ordem; no segundo, despedidas; e, no terceiro, revoluções que, no caso brasileiro, se concretizam em carnavais e na passagem para o novo ano.

Festa de Reveillon. na praia de Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Esse fazer pelo avesso – vestir uma fantasia, comer coletivamente uma mesma comida numa comunhão – arquiteta esses prodigiosos tempos que acabamos de viver. Abandonamos o que fazemos rotineira e “naturalmente” para oferecer presentes e comidas para serem obrigatoriamente degustadas. Os pratos desses tempos são especiais e exclusivos. São comidas que nos comem. Tal como o bolo de aniversário do Juquinha que representa o aniversariante e tem que ser comido. Logo, o irrecusável bolo come os convidados.

Essa abertura para outro e o canibalismo de ser comido pela comida são centrais na ceia do Ano-novo. No caso brasileiro, é notável o papel da comida em reuniões nas quais a mesquinhez e a sovinice do economizar dão lugar ao “dar” presentes e “lembranças” ao lado do abrir a porta da casa indo além dos parentes que comungam conosco. A comensalidade vira pelo avesso rotinas e diferenças.

Tempos natalinos e carnavalescos são tempos de gastar em vez de economizar. Neles, o arroz com feijão é cerimonialmente substituído por pratos formidáveis. A imperdível bacalhoada da Maria, o irresistível (e complicado) peru de Natal do Mario de Andrade, os pavês e rabanadas obrigatoriamente comidos pelos convidados que transformam a “mesa” da família numa “távola redonda” coberta pela melhor toalha sobre a qual ficam expostos os “pratos” que nos canibalizam porque nos devoram no calor amoroso da comensalidade. São eles que nos celebram e comem, fazendo com que o “comer pra viver”, vire o festivo “viver pra comer”.

A inversão desenha a cerimônia, obrigando a trocar o egoísmo pelo altruísmo da hospitalidade e de tudo o mais que “devemos” aos convidados. Alguns deles, por sinal, nossos opositores no burro pantanal da “política”.

Nas fórmulas do ritualizar, o abandono das rotinas – daquilo que fazemos “sem pensar” ou “naturalmente” – é central. É por meio da inversão que reiteramos afeto e concretizamos o tempo. Mudar rotinas, passando do trabalho à festa, ajuda a contabilizar o velho tempo que, como água e vento, não podem ser cortados. Mas podem ser, como acabamos de experimentar, aprisionados nos calendários.

Curioso, entretanto, assinalar que capturamos o invisível tempo e passamos de um ano a outro, mas não conseguimos mudar esse nosso Brasil concreto e vexaminoso na sua estadopatia geradora e mantenedora de pobreza, populismo e malandragem estrutural.

Feliz Ano Novo!

Quando era jovem e metido a teórico da vida social, escrevi que havia três modos de ritualizar. O primeiro, reforçando os elos sociais existentes; o segundo, neutralizando laços estabelecidos; e o terceiro – certamente o mais eletrizante – era invertendo rotinas. No primeiro caso aclamamos a ordem; no segundo, despedidas; e, no terceiro, revoluções que, no caso brasileiro, se concretizam em carnavais e na passagem para o novo ano.

Festa de Reveillon. na praia de Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Esse fazer pelo avesso – vestir uma fantasia, comer coletivamente uma mesma comida numa comunhão – arquiteta esses prodigiosos tempos que acabamos de viver. Abandonamos o que fazemos rotineira e “naturalmente” para oferecer presentes e comidas para serem obrigatoriamente degustadas. Os pratos desses tempos são especiais e exclusivos. São comidas que nos comem. Tal como o bolo de aniversário do Juquinha que representa o aniversariante e tem que ser comido. Logo, o irrecusável bolo come os convidados.

Essa abertura para outro e o canibalismo de ser comido pela comida são centrais na ceia do Ano-novo. No caso brasileiro, é notável o papel da comida em reuniões nas quais a mesquinhez e a sovinice do economizar dão lugar ao “dar” presentes e “lembranças” ao lado do abrir a porta da casa indo além dos parentes que comungam conosco. A comensalidade vira pelo avesso rotinas e diferenças.

Tempos natalinos e carnavalescos são tempos de gastar em vez de economizar. Neles, o arroz com feijão é cerimonialmente substituído por pratos formidáveis. A imperdível bacalhoada da Maria, o irresistível (e complicado) peru de Natal do Mario de Andrade, os pavês e rabanadas obrigatoriamente comidos pelos convidados que transformam a “mesa” da família numa “távola redonda” coberta pela melhor toalha sobre a qual ficam expostos os “pratos” que nos canibalizam porque nos devoram no calor amoroso da comensalidade. São eles que nos celebram e comem, fazendo com que o “comer pra viver”, vire o festivo “viver pra comer”.

A inversão desenha a cerimônia, obrigando a trocar o egoísmo pelo altruísmo da hospitalidade e de tudo o mais que “devemos” aos convidados. Alguns deles, por sinal, nossos opositores no burro pantanal da “política”.

Nas fórmulas do ritualizar, o abandono das rotinas – daquilo que fazemos “sem pensar” ou “naturalmente” – é central. É por meio da inversão que reiteramos afeto e concretizamos o tempo. Mudar rotinas, passando do trabalho à festa, ajuda a contabilizar o velho tempo que, como água e vento, não podem ser cortados. Mas podem ser, como acabamos de experimentar, aprisionados nos calendários.

Curioso, entretanto, assinalar que capturamos o invisível tempo e passamos de um ano a outro, mas não conseguimos mudar esse nosso Brasil concreto e vexaminoso na sua estadopatia geradora e mantenedora de pobreza, populismo e malandragem estrutural.

Feliz Ano Novo!

Quando era jovem e metido a teórico da vida social, escrevi que havia três modos de ritualizar. O primeiro, reforçando os elos sociais existentes; o segundo, neutralizando laços estabelecidos; e o terceiro – certamente o mais eletrizante – era invertendo rotinas. No primeiro caso aclamamos a ordem; no segundo, despedidas; e, no terceiro, revoluções que, no caso brasileiro, se concretizam em carnavais e na passagem para o novo ano.

Festa de Reveillon. na praia de Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Esse fazer pelo avesso – vestir uma fantasia, comer coletivamente uma mesma comida numa comunhão – arquiteta esses prodigiosos tempos que acabamos de viver. Abandonamos o que fazemos rotineira e “naturalmente” para oferecer presentes e comidas para serem obrigatoriamente degustadas. Os pratos desses tempos são especiais e exclusivos. São comidas que nos comem. Tal como o bolo de aniversário do Juquinha que representa o aniversariante e tem que ser comido. Logo, o irrecusável bolo come os convidados.

Essa abertura para outro e o canibalismo de ser comido pela comida são centrais na ceia do Ano-novo. No caso brasileiro, é notável o papel da comida em reuniões nas quais a mesquinhez e a sovinice do economizar dão lugar ao “dar” presentes e “lembranças” ao lado do abrir a porta da casa indo além dos parentes que comungam conosco. A comensalidade vira pelo avesso rotinas e diferenças.

Tempos natalinos e carnavalescos são tempos de gastar em vez de economizar. Neles, o arroz com feijão é cerimonialmente substituído por pratos formidáveis. A imperdível bacalhoada da Maria, o irresistível (e complicado) peru de Natal do Mario de Andrade, os pavês e rabanadas obrigatoriamente comidos pelos convidados que transformam a “mesa” da família numa “távola redonda” coberta pela melhor toalha sobre a qual ficam expostos os “pratos” que nos canibalizam porque nos devoram no calor amoroso da comensalidade. São eles que nos celebram e comem, fazendo com que o “comer pra viver”, vire o festivo “viver pra comer”.

A inversão desenha a cerimônia, obrigando a trocar o egoísmo pelo altruísmo da hospitalidade e de tudo o mais que “devemos” aos convidados. Alguns deles, por sinal, nossos opositores no burro pantanal da “política”.

Nas fórmulas do ritualizar, o abandono das rotinas – daquilo que fazemos “sem pensar” ou “naturalmente” – é central. É por meio da inversão que reiteramos afeto e concretizamos o tempo. Mudar rotinas, passando do trabalho à festa, ajuda a contabilizar o velho tempo que, como água e vento, não podem ser cortados. Mas podem ser, como acabamos de experimentar, aprisionados nos calendários.

Curioso, entretanto, assinalar que capturamos o invisível tempo e passamos de um ano a outro, mas não conseguimos mudar esse nosso Brasil concreto e vexaminoso na sua estadopatia geradora e mantenedora de pobreza, populismo e malandragem estrutural.

Feliz Ano Novo!

Opinião por Roberto DaMatta

É antropólogo social, escritor e autor de 'Fila e Democracia'

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