Votar é confiar e prometer. Seu sentido original tem tudo a ver com promessa e devoção. No campo político, acrescentamos honestidade competitiva. O voto é uma unidade mínima de renovação da democracia.
Não é por acaso que o momento eleitoral provoque um clima de expectativa e - num sistema hierárquico onde tudo tem dono - agressões reveladoras do estranhamento com o clima igualitário. Um regime que se obriga a sofrer transformações periódicas é como um cinema que se recusa a exibir um mesmo filme. Coisa simples de falar, mas difícil de praticar porque demanda a participação de todas as esferas sociais cujas relações são anteriores à invenção da democracia.
É um regime paradoxal e singular pois sob as democracias é que testemunhamos um governo garantindo sua derrota. Uma atitude que requer fidelidade e respeito à vontade dos cidadãos que pelo voto têm o direito de mudar governos. Tal postura requer uma sociedade cujo eixo é a igualdade.
É preciso muita educação política ao lado de uma extremada sinceridade para aceitar os votos contrários ao governo. Assim sendo, não há democracia sem acordo ao redor da igualdade como um valor supremo. Um apego capaz de nivelar gritantes e desumanas diferenças sociais.
A alternância produz voto bem como uma afinidade paradoxal com a mudança e com a permanência. Ao contrário do que imaginam certas almas ingênuas, limitar governabilidades produz a tensão emocional aliada ao criticismo político. Votar é, pois, legitimar ou protestar. É afirmar mudança ou continuidade. A história do voto mostra como ele foi refreado justamente por seu poder de mudança. No Ocidente, o voto foi masculino; no Brasil, era hierárquico. Votava quem era branco, católico e letrado - os “homens bons”.
O voto é central na vida institucional e formal, mas não faz parte - exceto em situações excepcionais - das decisões da “casa”. Não votamos na comida que comemos, na cama em que dormimos nem na crença religiosa que praticamos. As deliberações que dispensam eleição formam o costume vivido como natural. Num clima de eleição, o universo da casa e da família é englobado pelo mundo da “rua”. O “populismo” faz uma ponte entre essas esferas.
As dinastias políticas estabelecidas nos estados nos quais o familismo não deu lugar ao universalismo democrático provam como a “casa” engloba a “rua” e cria dilema que tenho investigado no meu trabalho.
PS: O último despacho do ministro Toffoli me faz perguntar: por que não imitamos o mundo criado por George Orwell e apagamos a história que não nos interessa?