Romance de Sándor Márai ficciona vida libertina de Giacomo Casanova


'Jogo de Cena em Bolzano' chega ao País pela editora Companhia das Letras

Por Alberto Bombig

Giacomo Casanova não arrebatou apenas os corações e mentes de suas inúmeras e controversas conquistas amorosas. Desde o século 18, quando a lenda do aventureiro se espalhou pela Europa, ele vem seduzindo também o mundo das artes e das linguagens. O mito, às vezes trágico, quase sempre burlesco, do seminarista que trocou a Igreja pela libertinagem e acabou preso pela Inquisição jamais cessou de exercer grande fascínio nos círculos dos pintores, dramaturgos, cineastas e escritores, como o húngaro Sándor Márai (1900-1989), autor de Jogo de Cena em Bolzano, agora publicado pela primeira vez no Brasil (Companhia das Letras).

Cenado filme 'Casanova', de Federico Fellini Foto: Cinecitté Studios

O romance começa na espetacular fuga do protagonista da prisão em 1756. Casanova sai de Veneza e vai até Bolzano, cidade próxima da fronteira da Itália com a Alemanha, acompanhado de Balbi, uma espécie de criado, capacho e parceiro de contravenções. Como alerta Márai em uma nota logo na largada do livro, tudo o mais além da fuga é pura ficção, sempre tendo como norte a criação de uma alegoria para narrar o poder do desejo (no sentido freudiano do termo) e da escrita no embate com as tiranias e opressões.

continua após a publicidade

Não é difícil entender a escolha de Casanova como protagonista desse romance de Márai, escrito em 1940, durante a 2.ª Guerra Mundial. Ninguém melhor do que o conquistador para encerrar em si a tragédia e a poesia, a dor e a delícia, presentes na trajetória quase sempre novelesca dos que fazem da sedução e da farsa um poderoso ardil em sua luta pela sobrevivência, contra os moralismos, fascismos e os autoritarismos. “As mulheres alegravam-se por ele haver escapado. Como se uma força até então mantida sob correntes houvesse se libertado no mundo”, escreve Márai, em trecho do romance que trata da notícia da fuga do protagonista da prisão.

Giacomo Girolamo Casanova nasceu em Veneza em 1725 e abandonou a vida eclesiástica ainda na juventude para cair no mundo do jogo, dos bordéis e das orgias palacianas. Em 1755 foi preso, acusado de propaganda antirreligiosa e libertinagem. Em novembro do ano seguinte, empreende com o abade Balbi uma fuga ao mesmo tempo espetacular e rocambolesca pelos telhados de Veneza. Vira um mito, peregrina pela Europa seduzindo suas presas, achacando nobres e se esbaldando nas jogatinas e nas tabernas.

Antes de morrer, em 1798, Casanova decidiu se tornar escritor. Memórias, livro de “má fama”, como o descreve Márai, narra a vida de seu autor e contabiliza 122 mulheres com quem ele se relacionou sexualmente (nada mau para os padrões do século 18). Apesar de Casanova ter cravado esse número na narrativa de sua vida, a conta final foi esticada para quase o dobro em inúmeras versões de sua saga, transformada em lenda, seja com ajuda de obras memoráveis, seja em narrativas apelativas e de gosto mais do que duvidoso.

continua após a publicidade

No romance de Márai, uma vez em Bolzano, Casanova se depara com antigas questões de seu passado, como uma paixão mal resolvida e uma vingança ainda latente. Para isso, ao ser tratado como uma celebridade, dá início a um espetáculo farsesco de manipulações e seduções, rumo à desagregação da ordem estabelecida. Seja pela veia da comédia ou do drama, Casanova está sempre associado a um espírito libertário, libertino e picaresco. O protagonista de Márai, no entanto, está mais introspectivo do que o conquistador retratado por outras obras clássicas. O escritor húngaro imagina um Casanova refletindo sobre o sentido de sua vida e até sobre o amor definitivo e verdadeiro, em monólogos interiores eloquentes, porém sem serem chatos, e diálogos travados por esgrimistas. O arco narrativo ganha força a partir da metade do romance, quando o protagonista reencontra personagens de seu passado e vê suas feridas emocionais serem reabertas. 

O autor. Nascido em 1900 numa pequena cidade da Hungria, hoje pertencente à Eslováquia, Márai tratou principalmente dos valores morais e da liberdade. Tornou-se um crítico do regime comunista instalado em seu país e em outras nações, foi perseguido e terminou seus dias num exílio nos EUA, depois de ter vivido na Itália.

Em 1989, pouco tempo antes da queda dos regimes comunistas na Europa, ele se matou em San Diego (EUA) com um tiro na cabeça. De acordo com os estudiosos de sua biografia e de sua obra, não deixou bilhetes ou qualquer tipo de indicação sobre os motivos que o levaram ao suicídio. Especula-se que ele estivesse abalado pelos anos de esquecimento aos quais fora submetido na segunda metade do século 20, especialmente em seu país de origem. No Brasil, seu livro mais conhecido é As Brasas. Durante uma longa carreira, que incluiu o jornalismo, ele publicou 46 obras literárias, a maioria delas romances de ficção, sendo dez deles lançados no Brasil desde 1999 pela Companhia das Letras.

continua após a publicidade

Jogo de Cena em Bolzano, este último lançamento no País, tem, entre outros atributos, o mérito de propor uma reflexão sobre o ofício do escritor e sua relação com a solidão. 

Capa do livro 'Jogo de Cena em Bolzano' 

Jogo de Cena em Bolzano Autor: Sándor MáraiTradução: Edith ElekEditora: Companhia das Letras 248 páginas R$ 44,90

Giacomo Casanova não arrebatou apenas os corações e mentes de suas inúmeras e controversas conquistas amorosas. Desde o século 18, quando a lenda do aventureiro se espalhou pela Europa, ele vem seduzindo também o mundo das artes e das linguagens. O mito, às vezes trágico, quase sempre burlesco, do seminarista que trocou a Igreja pela libertinagem e acabou preso pela Inquisição jamais cessou de exercer grande fascínio nos círculos dos pintores, dramaturgos, cineastas e escritores, como o húngaro Sándor Márai (1900-1989), autor de Jogo de Cena em Bolzano, agora publicado pela primeira vez no Brasil (Companhia das Letras).

Cenado filme 'Casanova', de Federico Fellini Foto: Cinecitté Studios

O romance começa na espetacular fuga do protagonista da prisão em 1756. Casanova sai de Veneza e vai até Bolzano, cidade próxima da fronteira da Itália com a Alemanha, acompanhado de Balbi, uma espécie de criado, capacho e parceiro de contravenções. Como alerta Márai em uma nota logo na largada do livro, tudo o mais além da fuga é pura ficção, sempre tendo como norte a criação de uma alegoria para narrar o poder do desejo (no sentido freudiano do termo) e da escrita no embate com as tiranias e opressões.

Não é difícil entender a escolha de Casanova como protagonista desse romance de Márai, escrito em 1940, durante a 2.ª Guerra Mundial. Ninguém melhor do que o conquistador para encerrar em si a tragédia e a poesia, a dor e a delícia, presentes na trajetória quase sempre novelesca dos que fazem da sedução e da farsa um poderoso ardil em sua luta pela sobrevivência, contra os moralismos, fascismos e os autoritarismos. “As mulheres alegravam-se por ele haver escapado. Como se uma força até então mantida sob correntes houvesse se libertado no mundo”, escreve Márai, em trecho do romance que trata da notícia da fuga do protagonista da prisão.

Giacomo Girolamo Casanova nasceu em Veneza em 1725 e abandonou a vida eclesiástica ainda na juventude para cair no mundo do jogo, dos bordéis e das orgias palacianas. Em 1755 foi preso, acusado de propaganda antirreligiosa e libertinagem. Em novembro do ano seguinte, empreende com o abade Balbi uma fuga ao mesmo tempo espetacular e rocambolesca pelos telhados de Veneza. Vira um mito, peregrina pela Europa seduzindo suas presas, achacando nobres e se esbaldando nas jogatinas e nas tabernas.

Antes de morrer, em 1798, Casanova decidiu se tornar escritor. Memórias, livro de “má fama”, como o descreve Márai, narra a vida de seu autor e contabiliza 122 mulheres com quem ele se relacionou sexualmente (nada mau para os padrões do século 18). Apesar de Casanova ter cravado esse número na narrativa de sua vida, a conta final foi esticada para quase o dobro em inúmeras versões de sua saga, transformada em lenda, seja com ajuda de obras memoráveis, seja em narrativas apelativas e de gosto mais do que duvidoso.

No romance de Márai, uma vez em Bolzano, Casanova se depara com antigas questões de seu passado, como uma paixão mal resolvida e uma vingança ainda latente. Para isso, ao ser tratado como uma celebridade, dá início a um espetáculo farsesco de manipulações e seduções, rumo à desagregação da ordem estabelecida. Seja pela veia da comédia ou do drama, Casanova está sempre associado a um espírito libertário, libertino e picaresco. O protagonista de Márai, no entanto, está mais introspectivo do que o conquistador retratado por outras obras clássicas. O escritor húngaro imagina um Casanova refletindo sobre o sentido de sua vida e até sobre o amor definitivo e verdadeiro, em monólogos interiores eloquentes, porém sem serem chatos, e diálogos travados por esgrimistas. O arco narrativo ganha força a partir da metade do romance, quando o protagonista reencontra personagens de seu passado e vê suas feridas emocionais serem reabertas. 

O autor. Nascido em 1900 numa pequena cidade da Hungria, hoje pertencente à Eslováquia, Márai tratou principalmente dos valores morais e da liberdade. Tornou-se um crítico do regime comunista instalado em seu país e em outras nações, foi perseguido e terminou seus dias num exílio nos EUA, depois de ter vivido na Itália.

Em 1989, pouco tempo antes da queda dos regimes comunistas na Europa, ele se matou em San Diego (EUA) com um tiro na cabeça. De acordo com os estudiosos de sua biografia e de sua obra, não deixou bilhetes ou qualquer tipo de indicação sobre os motivos que o levaram ao suicídio. Especula-se que ele estivesse abalado pelos anos de esquecimento aos quais fora submetido na segunda metade do século 20, especialmente em seu país de origem. No Brasil, seu livro mais conhecido é As Brasas. Durante uma longa carreira, que incluiu o jornalismo, ele publicou 46 obras literárias, a maioria delas romances de ficção, sendo dez deles lançados no Brasil desde 1999 pela Companhia das Letras.

Jogo de Cena em Bolzano, este último lançamento no País, tem, entre outros atributos, o mérito de propor uma reflexão sobre o ofício do escritor e sua relação com a solidão. 

Capa do livro 'Jogo de Cena em Bolzano' 

Jogo de Cena em Bolzano Autor: Sándor MáraiTradução: Edith ElekEditora: Companhia das Letras 248 páginas R$ 44,90

Giacomo Casanova não arrebatou apenas os corações e mentes de suas inúmeras e controversas conquistas amorosas. Desde o século 18, quando a lenda do aventureiro se espalhou pela Europa, ele vem seduzindo também o mundo das artes e das linguagens. O mito, às vezes trágico, quase sempre burlesco, do seminarista que trocou a Igreja pela libertinagem e acabou preso pela Inquisição jamais cessou de exercer grande fascínio nos círculos dos pintores, dramaturgos, cineastas e escritores, como o húngaro Sándor Márai (1900-1989), autor de Jogo de Cena em Bolzano, agora publicado pela primeira vez no Brasil (Companhia das Letras).

Cenado filme 'Casanova', de Federico Fellini Foto: Cinecitté Studios

O romance começa na espetacular fuga do protagonista da prisão em 1756. Casanova sai de Veneza e vai até Bolzano, cidade próxima da fronteira da Itália com a Alemanha, acompanhado de Balbi, uma espécie de criado, capacho e parceiro de contravenções. Como alerta Márai em uma nota logo na largada do livro, tudo o mais além da fuga é pura ficção, sempre tendo como norte a criação de uma alegoria para narrar o poder do desejo (no sentido freudiano do termo) e da escrita no embate com as tiranias e opressões.

Não é difícil entender a escolha de Casanova como protagonista desse romance de Márai, escrito em 1940, durante a 2.ª Guerra Mundial. Ninguém melhor do que o conquistador para encerrar em si a tragédia e a poesia, a dor e a delícia, presentes na trajetória quase sempre novelesca dos que fazem da sedução e da farsa um poderoso ardil em sua luta pela sobrevivência, contra os moralismos, fascismos e os autoritarismos. “As mulheres alegravam-se por ele haver escapado. Como se uma força até então mantida sob correntes houvesse se libertado no mundo”, escreve Márai, em trecho do romance que trata da notícia da fuga do protagonista da prisão.

Giacomo Girolamo Casanova nasceu em Veneza em 1725 e abandonou a vida eclesiástica ainda na juventude para cair no mundo do jogo, dos bordéis e das orgias palacianas. Em 1755 foi preso, acusado de propaganda antirreligiosa e libertinagem. Em novembro do ano seguinte, empreende com o abade Balbi uma fuga ao mesmo tempo espetacular e rocambolesca pelos telhados de Veneza. Vira um mito, peregrina pela Europa seduzindo suas presas, achacando nobres e se esbaldando nas jogatinas e nas tabernas.

Antes de morrer, em 1798, Casanova decidiu se tornar escritor. Memórias, livro de “má fama”, como o descreve Márai, narra a vida de seu autor e contabiliza 122 mulheres com quem ele se relacionou sexualmente (nada mau para os padrões do século 18). Apesar de Casanova ter cravado esse número na narrativa de sua vida, a conta final foi esticada para quase o dobro em inúmeras versões de sua saga, transformada em lenda, seja com ajuda de obras memoráveis, seja em narrativas apelativas e de gosto mais do que duvidoso.

No romance de Márai, uma vez em Bolzano, Casanova se depara com antigas questões de seu passado, como uma paixão mal resolvida e uma vingança ainda latente. Para isso, ao ser tratado como uma celebridade, dá início a um espetáculo farsesco de manipulações e seduções, rumo à desagregação da ordem estabelecida. Seja pela veia da comédia ou do drama, Casanova está sempre associado a um espírito libertário, libertino e picaresco. O protagonista de Márai, no entanto, está mais introspectivo do que o conquistador retratado por outras obras clássicas. O escritor húngaro imagina um Casanova refletindo sobre o sentido de sua vida e até sobre o amor definitivo e verdadeiro, em monólogos interiores eloquentes, porém sem serem chatos, e diálogos travados por esgrimistas. O arco narrativo ganha força a partir da metade do romance, quando o protagonista reencontra personagens de seu passado e vê suas feridas emocionais serem reabertas. 

O autor. Nascido em 1900 numa pequena cidade da Hungria, hoje pertencente à Eslováquia, Márai tratou principalmente dos valores morais e da liberdade. Tornou-se um crítico do regime comunista instalado em seu país e em outras nações, foi perseguido e terminou seus dias num exílio nos EUA, depois de ter vivido na Itália.

Em 1989, pouco tempo antes da queda dos regimes comunistas na Europa, ele se matou em San Diego (EUA) com um tiro na cabeça. De acordo com os estudiosos de sua biografia e de sua obra, não deixou bilhetes ou qualquer tipo de indicação sobre os motivos que o levaram ao suicídio. Especula-se que ele estivesse abalado pelos anos de esquecimento aos quais fora submetido na segunda metade do século 20, especialmente em seu país de origem. No Brasil, seu livro mais conhecido é As Brasas. Durante uma longa carreira, que incluiu o jornalismo, ele publicou 46 obras literárias, a maioria delas romances de ficção, sendo dez deles lançados no Brasil desde 1999 pela Companhia das Letras.

Jogo de Cena em Bolzano, este último lançamento no País, tem, entre outros atributos, o mérito de propor uma reflexão sobre o ofício do escritor e sua relação com a solidão. 

Capa do livro 'Jogo de Cena em Bolzano' 

Jogo de Cena em Bolzano Autor: Sándor MáraiTradução: Edith ElekEditora: Companhia das Letras 248 páginas R$ 44,90

Giacomo Casanova não arrebatou apenas os corações e mentes de suas inúmeras e controversas conquistas amorosas. Desde o século 18, quando a lenda do aventureiro se espalhou pela Europa, ele vem seduzindo também o mundo das artes e das linguagens. O mito, às vezes trágico, quase sempre burlesco, do seminarista que trocou a Igreja pela libertinagem e acabou preso pela Inquisição jamais cessou de exercer grande fascínio nos círculos dos pintores, dramaturgos, cineastas e escritores, como o húngaro Sándor Márai (1900-1989), autor de Jogo de Cena em Bolzano, agora publicado pela primeira vez no Brasil (Companhia das Letras).

Cenado filme 'Casanova', de Federico Fellini Foto: Cinecitté Studios

O romance começa na espetacular fuga do protagonista da prisão em 1756. Casanova sai de Veneza e vai até Bolzano, cidade próxima da fronteira da Itália com a Alemanha, acompanhado de Balbi, uma espécie de criado, capacho e parceiro de contravenções. Como alerta Márai em uma nota logo na largada do livro, tudo o mais além da fuga é pura ficção, sempre tendo como norte a criação de uma alegoria para narrar o poder do desejo (no sentido freudiano do termo) e da escrita no embate com as tiranias e opressões.

Não é difícil entender a escolha de Casanova como protagonista desse romance de Márai, escrito em 1940, durante a 2.ª Guerra Mundial. Ninguém melhor do que o conquistador para encerrar em si a tragédia e a poesia, a dor e a delícia, presentes na trajetória quase sempre novelesca dos que fazem da sedução e da farsa um poderoso ardil em sua luta pela sobrevivência, contra os moralismos, fascismos e os autoritarismos. “As mulheres alegravam-se por ele haver escapado. Como se uma força até então mantida sob correntes houvesse se libertado no mundo”, escreve Márai, em trecho do romance que trata da notícia da fuga do protagonista da prisão.

Giacomo Girolamo Casanova nasceu em Veneza em 1725 e abandonou a vida eclesiástica ainda na juventude para cair no mundo do jogo, dos bordéis e das orgias palacianas. Em 1755 foi preso, acusado de propaganda antirreligiosa e libertinagem. Em novembro do ano seguinte, empreende com o abade Balbi uma fuga ao mesmo tempo espetacular e rocambolesca pelos telhados de Veneza. Vira um mito, peregrina pela Europa seduzindo suas presas, achacando nobres e se esbaldando nas jogatinas e nas tabernas.

Antes de morrer, em 1798, Casanova decidiu se tornar escritor. Memórias, livro de “má fama”, como o descreve Márai, narra a vida de seu autor e contabiliza 122 mulheres com quem ele se relacionou sexualmente (nada mau para os padrões do século 18). Apesar de Casanova ter cravado esse número na narrativa de sua vida, a conta final foi esticada para quase o dobro em inúmeras versões de sua saga, transformada em lenda, seja com ajuda de obras memoráveis, seja em narrativas apelativas e de gosto mais do que duvidoso.

No romance de Márai, uma vez em Bolzano, Casanova se depara com antigas questões de seu passado, como uma paixão mal resolvida e uma vingança ainda latente. Para isso, ao ser tratado como uma celebridade, dá início a um espetáculo farsesco de manipulações e seduções, rumo à desagregação da ordem estabelecida. Seja pela veia da comédia ou do drama, Casanova está sempre associado a um espírito libertário, libertino e picaresco. O protagonista de Márai, no entanto, está mais introspectivo do que o conquistador retratado por outras obras clássicas. O escritor húngaro imagina um Casanova refletindo sobre o sentido de sua vida e até sobre o amor definitivo e verdadeiro, em monólogos interiores eloquentes, porém sem serem chatos, e diálogos travados por esgrimistas. O arco narrativo ganha força a partir da metade do romance, quando o protagonista reencontra personagens de seu passado e vê suas feridas emocionais serem reabertas. 

O autor. Nascido em 1900 numa pequena cidade da Hungria, hoje pertencente à Eslováquia, Márai tratou principalmente dos valores morais e da liberdade. Tornou-se um crítico do regime comunista instalado em seu país e em outras nações, foi perseguido e terminou seus dias num exílio nos EUA, depois de ter vivido na Itália.

Em 1989, pouco tempo antes da queda dos regimes comunistas na Europa, ele se matou em San Diego (EUA) com um tiro na cabeça. De acordo com os estudiosos de sua biografia e de sua obra, não deixou bilhetes ou qualquer tipo de indicação sobre os motivos que o levaram ao suicídio. Especula-se que ele estivesse abalado pelos anos de esquecimento aos quais fora submetido na segunda metade do século 20, especialmente em seu país de origem. No Brasil, seu livro mais conhecido é As Brasas. Durante uma longa carreira, que incluiu o jornalismo, ele publicou 46 obras literárias, a maioria delas romances de ficção, sendo dez deles lançados no Brasil desde 1999 pela Companhia das Letras.

Jogo de Cena em Bolzano, este último lançamento no País, tem, entre outros atributos, o mérito de propor uma reflexão sobre o ofício do escritor e sua relação com a solidão. 

Capa do livro 'Jogo de Cena em Bolzano' 

Jogo de Cena em Bolzano Autor: Sándor MáraiTradução: Edith ElekEditora: Companhia das Letras 248 páginas R$ 44,90

Giacomo Casanova não arrebatou apenas os corações e mentes de suas inúmeras e controversas conquistas amorosas. Desde o século 18, quando a lenda do aventureiro se espalhou pela Europa, ele vem seduzindo também o mundo das artes e das linguagens. O mito, às vezes trágico, quase sempre burlesco, do seminarista que trocou a Igreja pela libertinagem e acabou preso pela Inquisição jamais cessou de exercer grande fascínio nos círculos dos pintores, dramaturgos, cineastas e escritores, como o húngaro Sándor Márai (1900-1989), autor de Jogo de Cena em Bolzano, agora publicado pela primeira vez no Brasil (Companhia das Letras).

Cenado filme 'Casanova', de Federico Fellini Foto: Cinecitté Studios

O romance começa na espetacular fuga do protagonista da prisão em 1756. Casanova sai de Veneza e vai até Bolzano, cidade próxima da fronteira da Itália com a Alemanha, acompanhado de Balbi, uma espécie de criado, capacho e parceiro de contravenções. Como alerta Márai em uma nota logo na largada do livro, tudo o mais além da fuga é pura ficção, sempre tendo como norte a criação de uma alegoria para narrar o poder do desejo (no sentido freudiano do termo) e da escrita no embate com as tiranias e opressões.

Não é difícil entender a escolha de Casanova como protagonista desse romance de Márai, escrito em 1940, durante a 2.ª Guerra Mundial. Ninguém melhor do que o conquistador para encerrar em si a tragédia e a poesia, a dor e a delícia, presentes na trajetória quase sempre novelesca dos que fazem da sedução e da farsa um poderoso ardil em sua luta pela sobrevivência, contra os moralismos, fascismos e os autoritarismos. “As mulheres alegravam-se por ele haver escapado. Como se uma força até então mantida sob correntes houvesse se libertado no mundo”, escreve Márai, em trecho do romance que trata da notícia da fuga do protagonista da prisão.

Giacomo Girolamo Casanova nasceu em Veneza em 1725 e abandonou a vida eclesiástica ainda na juventude para cair no mundo do jogo, dos bordéis e das orgias palacianas. Em 1755 foi preso, acusado de propaganda antirreligiosa e libertinagem. Em novembro do ano seguinte, empreende com o abade Balbi uma fuga ao mesmo tempo espetacular e rocambolesca pelos telhados de Veneza. Vira um mito, peregrina pela Europa seduzindo suas presas, achacando nobres e se esbaldando nas jogatinas e nas tabernas.

Antes de morrer, em 1798, Casanova decidiu se tornar escritor. Memórias, livro de “má fama”, como o descreve Márai, narra a vida de seu autor e contabiliza 122 mulheres com quem ele se relacionou sexualmente (nada mau para os padrões do século 18). Apesar de Casanova ter cravado esse número na narrativa de sua vida, a conta final foi esticada para quase o dobro em inúmeras versões de sua saga, transformada em lenda, seja com ajuda de obras memoráveis, seja em narrativas apelativas e de gosto mais do que duvidoso.

No romance de Márai, uma vez em Bolzano, Casanova se depara com antigas questões de seu passado, como uma paixão mal resolvida e uma vingança ainda latente. Para isso, ao ser tratado como uma celebridade, dá início a um espetáculo farsesco de manipulações e seduções, rumo à desagregação da ordem estabelecida. Seja pela veia da comédia ou do drama, Casanova está sempre associado a um espírito libertário, libertino e picaresco. O protagonista de Márai, no entanto, está mais introspectivo do que o conquistador retratado por outras obras clássicas. O escritor húngaro imagina um Casanova refletindo sobre o sentido de sua vida e até sobre o amor definitivo e verdadeiro, em monólogos interiores eloquentes, porém sem serem chatos, e diálogos travados por esgrimistas. O arco narrativo ganha força a partir da metade do romance, quando o protagonista reencontra personagens de seu passado e vê suas feridas emocionais serem reabertas. 

O autor. Nascido em 1900 numa pequena cidade da Hungria, hoje pertencente à Eslováquia, Márai tratou principalmente dos valores morais e da liberdade. Tornou-se um crítico do regime comunista instalado em seu país e em outras nações, foi perseguido e terminou seus dias num exílio nos EUA, depois de ter vivido na Itália.

Em 1989, pouco tempo antes da queda dos regimes comunistas na Europa, ele se matou em San Diego (EUA) com um tiro na cabeça. De acordo com os estudiosos de sua biografia e de sua obra, não deixou bilhetes ou qualquer tipo de indicação sobre os motivos que o levaram ao suicídio. Especula-se que ele estivesse abalado pelos anos de esquecimento aos quais fora submetido na segunda metade do século 20, especialmente em seu país de origem. No Brasil, seu livro mais conhecido é As Brasas. Durante uma longa carreira, que incluiu o jornalismo, ele publicou 46 obras literárias, a maioria delas romances de ficção, sendo dez deles lançados no Brasil desde 1999 pela Companhia das Letras.

Jogo de Cena em Bolzano, este último lançamento no País, tem, entre outros atributos, o mérito de propor uma reflexão sobre o ofício do escritor e sua relação com a solidão. 

Capa do livro 'Jogo de Cena em Bolzano' 

Jogo de Cena em Bolzano Autor: Sándor MáraiTradução: Edith ElekEditora: Companhia das Letras 248 páginas R$ 44,90

Tudo Sobre

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.