José Almeida Júnior é um nome que avança para se tornar um escritor focado em romances históricos. Ganhador do Prêmio Sesc de Literatura 2017 na categoria de autor estreante com o livro Última Hora, revela em entrevista ao Aliás que já tem sua próxima obra pronta e escreve a terceira, todas no mesmo gênero e retratando diferentes épocas do passado brasileiro. Seu romance é narrado da perspectiva de Marcos, comunista que em 1951 recebe uma proposta para trabalhar no jornal de Samuel Wainer, que dá título ao livro.
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A princípio Marcos nega o emprego por ser contra Getúlio Vargas, apoiado pelo periódico. O resultado é um protagonista que vai se moldando. No começo, há uma luta constante pelos seus ideais. Depois, faz pequenas concessões, como aceitar o trabalho por pressões de sua esposa, Anita, e seu filho, Fernando (Nandinho). Em seguida, percebe que o jogo político é muito mais complexo e começa a defender o que antes não acreditava em prol de objetivos maiores. Por fim, comete traições e deturpa suas ideias originais. Almeida, que é defensor público, garante que vê posturas como essa diariamente. “Quem comete um crime nunca acha que é o mal. Eu quis mostrá-lo como um personagem real, cheio de contradições”, informa.
Essa conduta é perceptível ao longo de toda a obra, como na criação na Petrobrás. “Achei interessante que o Última Hora, um jornal nacionalista, começou a defender a participação do capital estrangeiro por causa do Vargas”, diz Almeida, explicando que, por outro lado, a Tribuna da Imprensa, pertencente a Carlos Lacerda e contrária ao governo da época, se “tornou totalmente nacionalista” com o intuito de atingir a imagem do presidente. Dessa forma, a pergunta que paira sobre as páginas e ressoa no Brasil atual é: na política, vale tudo pelo que se acredita?
Por ser um romance histórico, o livro se aproxima do leitor por meio de lugares e marcas conhecidas, além de momentos em que o passado se relaciona com a atualidade. Ao recontar episódios famosos, muitas vezes mudando as versões “oficiais” para fins narrativos, o autor nos convida a revisitar o passado ao mesmo tempo em que provoca uma reflexão sobre seus eventos, as atitudes dos principais articuladores políticos e também das “pessoas comuns” da época. Confira a entrevista de Almeida ao Aliás:
Qual é o seu método de pesquisa e quais são as suas influências literárias no romance histórico? Eu pesquiso antes e deixo para afunilar na hora de escrever. Uma parte fui descobrindo conforme lia os jornais. As bases foram o Última Hora e a Tribuna da Imprensa, mas verifiquei outros. O escritor vivo que mais acompanho é o Mario Vargas Llosa. Tem autores desse gênero que são muito fiéis ao que aconteceu, mas fica uma literatura de menor qualidade. Por exemplo, Ken Follett. Os personagens dele são fracos ou vão se enfraquecendo durante a narrativa porque ele quer mostrar o fato histórico. O Llosa dá prioridade à literatura e à ficção, e eu tentei passar isso. Muita pesquisa você não coloca no livro.
Como o leitor pode saber se algo aconteceu de verdade ou não? Optei por deixar livre. Se o leitor quer saber exatamente o que aconteceu, ele vai ter que pesquisar. Eu iria me amarrar muito se fosse colocar só aquilo que tenho como provar. Não poderia usar o que a literatura me dá de melhor, que é essa liberdade de construir. Mas, por exemplo, as manchetes, título de artigos e crônicas existiram. Já para inserir o personagem de ficção na trama, eu tenho que criar muita coisa.
Pelos personagens terem sido reais, você sentiu alguma dificuldade ou limitação ao caracterizá-los? Se eu fosse escrever hoje acho que teria mais pudor. A partir das características, fui pegando referências e construindo um personagem. O Nelson Rodrigues, por exemplo, tem várias amantes e uma delas tinha uma garçonnière lá no Pitaguary. Só que eu incorporei essas figuras numa pessoa só, que era a Isabela. Por que colocar as amantes reais se eu posso ter mais liberdade?
Qual a dificuldade de colocar personagens fictícios na realidade? Eu acho que é manter a verossimilhança. O Marcos é de ficção mas ele poderia ser um personagem real também, porque muitos jornalistas eram comunistas. Ou, pelo menos, no início, depois eles foram mudando.
Como essa época se relaciona com o Brasil atual? Eu tentei sempre fazer aos olhos da época, mas eu sei que inconscientemente a gente acaba colocando um pouco da situação atual. Quando eu comecei a escrever a partir da crise do governo Vargas, foi mais ou menos no período em que começou o impeachment da ex-presidente Dilma. Inclusive, muita coisa se repetia. Como a polarização entre Vargas e Lacerda. A figura de Vargas até que se assemelha um pouco com a do Lula. Mas não tem mais o Carlos Lacerda, não é mais só uma pessoa. Acho também que essa relação da imprensa com poder, que sempre existiu e sempre vai existir, e o homem comum no meio disso tudo.
Quais são os próximos projetos? O próximo livro conta a história de um menino que é amigo do Machado de Assis e vai estudar em Coimbra, Portugal. Lá, conhece Carolina, futura esposa de Machado. Agora, comecei a escrever outro livro que se passa entre 1960 e 1974. Vai trazer o Marcos de volta e o filho, Nandinho, que virou jornalista. Quero escrever como um livro independente, com os mesmos personagens, e tratar o período pré-golpe. Acho que esse período precisa ser melhor compreendido e também mostrado do ponto de vista da pessoa comum. *Bruna Meneguetti é jornalista, escritora e autora dos romances históricos ‘O Céu de Clarice’ e ‘O Último Tiro de Guanabara’ coautora do livro-reportagem de jornalismo literário ‘Corações de Asfalto’ (Editora Patuá)