Roteiro mecânico de 'A Vigilante do Amanhã' perde alma do original


Scarlett Johansson estrela remake de animação japonesa clássica dos anos 1990

Por Guilherme Solari
Cena do filme 'A Vigilante do Amanhã', de Rupert Sanders, com Scarlett Johansson Foto: Paramount Pictures

Uma megacorporação ocidental extrai a alma de uma japonesa e a insere em um corpo artificial. Essa é parte da história de Ghost in the Shell: A Vigilante do Amanhã, adaptação em live action do ‘anime’ (animação japonesa) de 1995. O filme conta com Scarlett Johansson no papel de Motoko, uma garota que teve o seu cérebro implantado em um corpo cibernético para enfrentar o crime em uma megalópole futurista.

Também é a própria história de produção do filme, que pegou o “fantasma” de um dos mais aclamados animes da história e o inseriu em uma “concha” mecânica para alimentar a obsessão hollywoodiana em refazer franquias cinematográficas. O que é irônico, já que o ‘anime’ levantou a ideia de que seres humanos não se tornam robôs quando trocam seus corpos por contrapartidas mecânicas, mas quando a sua forma de pensar se torna mecânica. E não existe nada mais mecânico do que a tendência de Hollywood de comprar temas ousados para revendê-los como parques temáticos seguros para o consumo familiar. Filmes que clonam o corpo, mas estão vazios da alma original.

continua após a publicidade

Não se engane, o corpo de A Vigilante do Amanhã é lindo. Parece que filmaram o sonho de um fã tanto do anime quanto do cyberpunk em geral. Um mundo de neon onipresente com sacerdotes holográficos do tamanho de arranha-céus, criados para anunciar sabão em pó. Cenas de ação bem coreografadas, com diversas recriações de momentos do anime, como a datilógrafa com dedos que se dividem em mais dedos e uma luta da Major Motoko com um meliante sobre um espelho d'água.

Vale lembrar que o anime original já é um remake do mangá, mas ele mudou consideravelmente sua atmosfera. A Major foi de um tom brincalhão para uma mulher quieta e estoica, dando uma nova dimensão de questionamento filosófico. Ou seja, não apenas o copiou para uma nova mídia. Mais dois animes e a série de TV Stand Alone Complex vieram ao longo dos anos, com referências também salpicadas em A Vigilante do Amanhã, como as gueixas robóticas com faces que se abrem.

Mas enquanto o filme quer responder todas as questões e começar uma franquia, o original só levantava mais perguntas. O passado de Motoko, críptico e vago no anime, ganha muito mais espaço no novo filme, possivelmente para aproveitar ao máximo a presença de tela de Scarlett Johansson. No original a humanidade da Major fica escondida em sua forma robótica – o que dava um peso maior quando a vislumbramos. No filme, a humanidade é escancarada até momentos de melodrama. Curiosamente, a primeira parece mais humana por não querer mostrar a qualquer custo sua humanidade.

continua após a publicidade

A Vigilante do Amanhã não está se saindo muito bem nas bilheterias, ficando atrás até mesmo da animação O Poderoso Chefinho. Universos cinematográficos como o da Marvel – e o que é isso senão uma nova forma de oficializar uma série de remakes? – dão sinais de desgaste. Pode ser que a balança finalmente esteja pendendo dos remakes oficiais para os remakes espirituais. Aqueles que não usam o mesmo nome para propósitos de marketing, mas que trazem as mesmas características que tornaram o original fascinante. Um cineasta que fez de remakes espirituais a sua carreira é Quentin Tarantino, cuja filmografia é um festival de referências. Mas ao invés de pegar o nome dos filmes obscuros que o inspiram, Tarantino faz uma variação sobre o mesmo tema, criando algo novo, para um novo público.

Um excelente exemplo recente de remake espiritual não veio do cinema, mas da Netflix. A série Stranger Things é um verdadeiro tesouro de referências de clássicos do horror e ficção científica de trinta anos atrás. É praticamente uma versão em série de um livro do Stephen King que ele nunca escreveu nos anos 1980. E seu impacto foi muito maior do que se fosse a recriação de uma propriedade intelectual já consolidada.

O tema central de todo o cyberpunk é o embate entre humano e máquina. Máquinas são movidas pela busca da eficiência, mas seres humanos são movidos pelo que os apaixona. É o mesmo embate do cinema como indústria e como arte, dois opostos que não vivem separados, sendo que um parece se sobrepor ciclicamente ao outro. A Vigilante do Amanhã pode valer a entrada no cinema para uma noite de diversão, mas, infelizmente, cai no esquecimento dias depois de ser assistido. 

continua após a publicidade

*Guilherme Solari é jornalista, escritor e autor, entre outros, de 'As Crônicas do Cascavel', da editora Multifoco

Cena do filme 'A Vigilante do Amanhã', de Rupert Sanders, com Scarlett Johansson Foto: Paramount Pictures

Uma megacorporação ocidental extrai a alma de uma japonesa e a insere em um corpo artificial. Essa é parte da história de Ghost in the Shell: A Vigilante do Amanhã, adaptação em live action do ‘anime’ (animação japonesa) de 1995. O filme conta com Scarlett Johansson no papel de Motoko, uma garota que teve o seu cérebro implantado em um corpo cibernético para enfrentar o crime em uma megalópole futurista.

Também é a própria história de produção do filme, que pegou o “fantasma” de um dos mais aclamados animes da história e o inseriu em uma “concha” mecânica para alimentar a obsessão hollywoodiana em refazer franquias cinematográficas. O que é irônico, já que o ‘anime’ levantou a ideia de que seres humanos não se tornam robôs quando trocam seus corpos por contrapartidas mecânicas, mas quando a sua forma de pensar se torna mecânica. E não existe nada mais mecânico do que a tendência de Hollywood de comprar temas ousados para revendê-los como parques temáticos seguros para o consumo familiar. Filmes que clonam o corpo, mas estão vazios da alma original.

Não se engane, o corpo de A Vigilante do Amanhã é lindo. Parece que filmaram o sonho de um fã tanto do anime quanto do cyberpunk em geral. Um mundo de neon onipresente com sacerdotes holográficos do tamanho de arranha-céus, criados para anunciar sabão em pó. Cenas de ação bem coreografadas, com diversas recriações de momentos do anime, como a datilógrafa com dedos que se dividem em mais dedos e uma luta da Major Motoko com um meliante sobre um espelho d'água.

Vale lembrar que o anime original já é um remake do mangá, mas ele mudou consideravelmente sua atmosfera. A Major foi de um tom brincalhão para uma mulher quieta e estoica, dando uma nova dimensão de questionamento filosófico. Ou seja, não apenas o copiou para uma nova mídia. Mais dois animes e a série de TV Stand Alone Complex vieram ao longo dos anos, com referências também salpicadas em A Vigilante do Amanhã, como as gueixas robóticas com faces que se abrem.

Mas enquanto o filme quer responder todas as questões e começar uma franquia, o original só levantava mais perguntas. O passado de Motoko, críptico e vago no anime, ganha muito mais espaço no novo filme, possivelmente para aproveitar ao máximo a presença de tela de Scarlett Johansson. No original a humanidade da Major fica escondida em sua forma robótica – o que dava um peso maior quando a vislumbramos. No filme, a humanidade é escancarada até momentos de melodrama. Curiosamente, a primeira parece mais humana por não querer mostrar a qualquer custo sua humanidade.

A Vigilante do Amanhã não está se saindo muito bem nas bilheterias, ficando atrás até mesmo da animação O Poderoso Chefinho. Universos cinematográficos como o da Marvel – e o que é isso senão uma nova forma de oficializar uma série de remakes? – dão sinais de desgaste. Pode ser que a balança finalmente esteja pendendo dos remakes oficiais para os remakes espirituais. Aqueles que não usam o mesmo nome para propósitos de marketing, mas que trazem as mesmas características que tornaram o original fascinante. Um cineasta que fez de remakes espirituais a sua carreira é Quentin Tarantino, cuja filmografia é um festival de referências. Mas ao invés de pegar o nome dos filmes obscuros que o inspiram, Tarantino faz uma variação sobre o mesmo tema, criando algo novo, para um novo público.

Um excelente exemplo recente de remake espiritual não veio do cinema, mas da Netflix. A série Stranger Things é um verdadeiro tesouro de referências de clássicos do horror e ficção científica de trinta anos atrás. É praticamente uma versão em série de um livro do Stephen King que ele nunca escreveu nos anos 1980. E seu impacto foi muito maior do que se fosse a recriação de uma propriedade intelectual já consolidada.

O tema central de todo o cyberpunk é o embate entre humano e máquina. Máquinas são movidas pela busca da eficiência, mas seres humanos são movidos pelo que os apaixona. É o mesmo embate do cinema como indústria e como arte, dois opostos que não vivem separados, sendo que um parece se sobrepor ciclicamente ao outro. A Vigilante do Amanhã pode valer a entrada no cinema para uma noite de diversão, mas, infelizmente, cai no esquecimento dias depois de ser assistido. 

*Guilherme Solari é jornalista, escritor e autor, entre outros, de 'As Crônicas do Cascavel', da editora Multifoco

Cena do filme 'A Vigilante do Amanhã', de Rupert Sanders, com Scarlett Johansson Foto: Paramount Pictures

Uma megacorporação ocidental extrai a alma de uma japonesa e a insere em um corpo artificial. Essa é parte da história de Ghost in the Shell: A Vigilante do Amanhã, adaptação em live action do ‘anime’ (animação japonesa) de 1995. O filme conta com Scarlett Johansson no papel de Motoko, uma garota que teve o seu cérebro implantado em um corpo cibernético para enfrentar o crime em uma megalópole futurista.

Também é a própria história de produção do filme, que pegou o “fantasma” de um dos mais aclamados animes da história e o inseriu em uma “concha” mecânica para alimentar a obsessão hollywoodiana em refazer franquias cinematográficas. O que é irônico, já que o ‘anime’ levantou a ideia de que seres humanos não se tornam robôs quando trocam seus corpos por contrapartidas mecânicas, mas quando a sua forma de pensar se torna mecânica. E não existe nada mais mecânico do que a tendência de Hollywood de comprar temas ousados para revendê-los como parques temáticos seguros para o consumo familiar. Filmes que clonam o corpo, mas estão vazios da alma original.

Não se engane, o corpo de A Vigilante do Amanhã é lindo. Parece que filmaram o sonho de um fã tanto do anime quanto do cyberpunk em geral. Um mundo de neon onipresente com sacerdotes holográficos do tamanho de arranha-céus, criados para anunciar sabão em pó. Cenas de ação bem coreografadas, com diversas recriações de momentos do anime, como a datilógrafa com dedos que se dividem em mais dedos e uma luta da Major Motoko com um meliante sobre um espelho d'água.

Vale lembrar que o anime original já é um remake do mangá, mas ele mudou consideravelmente sua atmosfera. A Major foi de um tom brincalhão para uma mulher quieta e estoica, dando uma nova dimensão de questionamento filosófico. Ou seja, não apenas o copiou para uma nova mídia. Mais dois animes e a série de TV Stand Alone Complex vieram ao longo dos anos, com referências também salpicadas em A Vigilante do Amanhã, como as gueixas robóticas com faces que se abrem.

Mas enquanto o filme quer responder todas as questões e começar uma franquia, o original só levantava mais perguntas. O passado de Motoko, críptico e vago no anime, ganha muito mais espaço no novo filme, possivelmente para aproveitar ao máximo a presença de tela de Scarlett Johansson. No original a humanidade da Major fica escondida em sua forma robótica – o que dava um peso maior quando a vislumbramos. No filme, a humanidade é escancarada até momentos de melodrama. Curiosamente, a primeira parece mais humana por não querer mostrar a qualquer custo sua humanidade.

A Vigilante do Amanhã não está se saindo muito bem nas bilheterias, ficando atrás até mesmo da animação O Poderoso Chefinho. Universos cinematográficos como o da Marvel – e o que é isso senão uma nova forma de oficializar uma série de remakes? – dão sinais de desgaste. Pode ser que a balança finalmente esteja pendendo dos remakes oficiais para os remakes espirituais. Aqueles que não usam o mesmo nome para propósitos de marketing, mas que trazem as mesmas características que tornaram o original fascinante. Um cineasta que fez de remakes espirituais a sua carreira é Quentin Tarantino, cuja filmografia é um festival de referências. Mas ao invés de pegar o nome dos filmes obscuros que o inspiram, Tarantino faz uma variação sobre o mesmo tema, criando algo novo, para um novo público.

Um excelente exemplo recente de remake espiritual não veio do cinema, mas da Netflix. A série Stranger Things é um verdadeiro tesouro de referências de clássicos do horror e ficção científica de trinta anos atrás. É praticamente uma versão em série de um livro do Stephen King que ele nunca escreveu nos anos 1980. E seu impacto foi muito maior do que se fosse a recriação de uma propriedade intelectual já consolidada.

O tema central de todo o cyberpunk é o embate entre humano e máquina. Máquinas são movidas pela busca da eficiência, mas seres humanos são movidos pelo que os apaixona. É o mesmo embate do cinema como indústria e como arte, dois opostos que não vivem separados, sendo que um parece se sobrepor ciclicamente ao outro. A Vigilante do Amanhã pode valer a entrada no cinema para uma noite de diversão, mas, infelizmente, cai no esquecimento dias depois de ser assistido. 

*Guilherme Solari é jornalista, escritor e autor, entre outros, de 'As Crônicas do Cascavel', da editora Multifoco

Cena do filme 'A Vigilante do Amanhã', de Rupert Sanders, com Scarlett Johansson Foto: Paramount Pictures

Uma megacorporação ocidental extrai a alma de uma japonesa e a insere em um corpo artificial. Essa é parte da história de Ghost in the Shell: A Vigilante do Amanhã, adaptação em live action do ‘anime’ (animação japonesa) de 1995. O filme conta com Scarlett Johansson no papel de Motoko, uma garota que teve o seu cérebro implantado em um corpo cibernético para enfrentar o crime em uma megalópole futurista.

Também é a própria história de produção do filme, que pegou o “fantasma” de um dos mais aclamados animes da história e o inseriu em uma “concha” mecânica para alimentar a obsessão hollywoodiana em refazer franquias cinematográficas. O que é irônico, já que o ‘anime’ levantou a ideia de que seres humanos não se tornam robôs quando trocam seus corpos por contrapartidas mecânicas, mas quando a sua forma de pensar se torna mecânica. E não existe nada mais mecânico do que a tendência de Hollywood de comprar temas ousados para revendê-los como parques temáticos seguros para o consumo familiar. Filmes que clonam o corpo, mas estão vazios da alma original.

Não se engane, o corpo de A Vigilante do Amanhã é lindo. Parece que filmaram o sonho de um fã tanto do anime quanto do cyberpunk em geral. Um mundo de neon onipresente com sacerdotes holográficos do tamanho de arranha-céus, criados para anunciar sabão em pó. Cenas de ação bem coreografadas, com diversas recriações de momentos do anime, como a datilógrafa com dedos que se dividem em mais dedos e uma luta da Major Motoko com um meliante sobre um espelho d'água.

Vale lembrar que o anime original já é um remake do mangá, mas ele mudou consideravelmente sua atmosfera. A Major foi de um tom brincalhão para uma mulher quieta e estoica, dando uma nova dimensão de questionamento filosófico. Ou seja, não apenas o copiou para uma nova mídia. Mais dois animes e a série de TV Stand Alone Complex vieram ao longo dos anos, com referências também salpicadas em A Vigilante do Amanhã, como as gueixas robóticas com faces que se abrem.

Mas enquanto o filme quer responder todas as questões e começar uma franquia, o original só levantava mais perguntas. O passado de Motoko, críptico e vago no anime, ganha muito mais espaço no novo filme, possivelmente para aproveitar ao máximo a presença de tela de Scarlett Johansson. No original a humanidade da Major fica escondida em sua forma robótica – o que dava um peso maior quando a vislumbramos. No filme, a humanidade é escancarada até momentos de melodrama. Curiosamente, a primeira parece mais humana por não querer mostrar a qualquer custo sua humanidade.

A Vigilante do Amanhã não está se saindo muito bem nas bilheterias, ficando atrás até mesmo da animação O Poderoso Chefinho. Universos cinematográficos como o da Marvel – e o que é isso senão uma nova forma de oficializar uma série de remakes? – dão sinais de desgaste. Pode ser que a balança finalmente esteja pendendo dos remakes oficiais para os remakes espirituais. Aqueles que não usam o mesmo nome para propósitos de marketing, mas que trazem as mesmas características que tornaram o original fascinante. Um cineasta que fez de remakes espirituais a sua carreira é Quentin Tarantino, cuja filmografia é um festival de referências. Mas ao invés de pegar o nome dos filmes obscuros que o inspiram, Tarantino faz uma variação sobre o mesmo tema, criando algo novo, para um novo público.

Um excelente exemplo recente de remake espiritual não veio do cinema, mas da Netflix. A série Stranger Things é um verdadeiro tesouro de referências de clássicos do horror e ficção científica de trinta anos atrás. É praticamente uma versão em série de um livro do Stephen King que ele nunca escreveu nos anos 1980. E seu impacto foi muito maior do que se fosse a recriação de uma propriedade intelectual já consolidada.

O tema central de todo o cyberpunk é o embate entre humano e máquina. Máquinas são movidas pela busca da eficiência, mas seres humanos são movidos pelo que os apaixona. É o mesmo embate do cinema como indústria e como arte, dois opostos que não vivem separados, sendo que um parece se sobrepor ciclicamente ao outro. A Vigilante do Amanhã pode valer a entrada no cinema para uma noite de diversão, mas, infelizmente, cai no esquecimento dias depois de ser assistido. 

*Guilherme Solari é jornalista, escritor e autor, entre outros, de 'As Crônicas do Cascavel', da editora Multifoco

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.