Tudo parecia muito glamoroso. Uma estrela de Hollywood. Seus amigos famosos. Uma pitada de sua família animada. Eles são leões de Hollywood, a caminho de um safári no Serengeti. Nessa excursão de luxo, há até uma máquina de gelo movida a querosene para gelar o gim-tônica. O que poderia dar errado?
Bom, quase tudo.
No último livro de Chris Bohjalian, The Lioness, as coisas ficam calmas por uma dúzia de páginas antes de começar o rugido – tanto humano quanto animal.
Mas, nessa calma, o palco está montado. É 1964 e Katie Barstow é a rainha de Hollywood. Filha de famosos do teatro de Nova York com um legado de álcool e abuso, ela fugiu para a Costa Oeste e a vida tranquila. O que ela encontrou foi fama, fortuna e boas pessoas.
Tão boas que ela decidiu transformar sua aventura de lua de mel numa lua de amigos. Katie acabou de se casar com David Hill – um galerista em dificuldades que também é o melhor amigo de seu irmão desde a infância. Ele foi um ombro amigo durante esse período sombrio e agora não se intimida com a conta bancária de sua esposa – nem suas escolhas de lua de mel. Juntando-se a eles no safári estão outros sete – entre eles Terrance Dutton, ator negro cuja estrela está subindo e com quem Katie compartilhou algumas cenas tórridas na tela grande. Terrance é apenas o terceiro convidado negro que a equipe de safári recebe e, na Tanzânia, é uma estrela tanto quanto Katie.
Eles estão todos sob os cuidados de Charlie Patton, um caçador branco que se apega a seu machismo, seu bigode e ao fato de que ele já teve Papa Hemingway como cliente. Mas ele terá de baixar as armas, percebendo que é a turma de Hollywood que vai encher seus bolsos agora, mesmo que sejam pessoas prontas para “fotografar elefantes, não atirar neles. Pessoas que querem um tapete de zebra ou uma bolsa de zebra, mas não ver a diaba morta”.
E aí começa. Os viajantes estão ouvindo os guias, testemunhando a força dos gnus cruzando o rio Mara e a beleza das girafas bebendo água. Mas, muito rapidamente, as câmeras ficam de lado. Homens brancos aparecem do nada numa Land Rover. Ouvem-se tiros – e é perfeitamente claro que eles não estão mirando nas girafas.
Os homens armados são mercenários russos implacáveis. Em minutos, eles sequestram brutalmente os americanos e seus guias, um assassinado violentamente, o resto empurrado para dentro de caminhões com armas apontadas para a cabeça. O mantra para todos se torna: “Só tentem continuar vivos. Vejam se, de alguma forma, conseguimos ver o sol nascer mais uma vez”.
À medida que o drama se desenrola, Bohjalian divide a narração entre todos os nove americanos e Benjamin Kikwete, um dos jovens guias quenianos do grupo. Dez narradores é uma escolha ousada, e os leitores precisarão da lista de quem é quem – mas quando você está escrevendo seu 23º livro, suas escolhas não deveriam ser ousadas? O bando de narradores significa que ninguém tem tempo de página suficiente para o desenvolvimento profundo do personagem, mas o que está lá é rico o suficiente para ser revelador e é habilmente tecido no presente. Os capítulos curtos e o elenco variável são o que transforma The Lioness numa corrida sangrenta. (O livro já foi escolhido para virar uma série de televisão). E não se engane, vai ter muito sangue. Nas palavras de Katie, dizer que o safári havia tomado um rumo errado “era como dizer que a visita de Jack Kennedy a Dallas teve uns contratempos”.
Para alguns, o horror vira os jogos vorazes. Os animais estão com fome e carne humana vai cair muito bem. Para outros, conduzidos pelas planícies sem fim, depois amarrados sozinhos, a questão é tentar descobrir quem são os sequestradores, se eles os mantêm vivos por resgate e, claro, por quê?
Tendo como pano de fundo a crise do Congo e a rebelião dos Simba, ao mesmo tempo em que toca no racismo americano, especialmente em Hollywood, o enredo sugere muitas razões pelas quais o famoso grupo poderia ter sido capturado – e o desenrolar de tudo é cativante. Mas o livro também fala sobre como pessoas tão proeminentes reagem quando desembarcam no inferno e a razão por trás de suas reações. Como eram suas vidas antes desse momento? Elas estão dando uma de herói? Ou não conseguem fazer o papel quando a tragédia é real e não fictícia? Em suma, elas “preferem morrer atacando como um rinoceronte do que balindo como uma cabra”? Ou o pânico absoluto se instalará e os leões serão reduzidos a gatinhos de Hollywood?
Em sua escrita, Bohjalian é tudo menos gatinho. Escritores menores não conseguiriam lidar com dez narradores, mais as complexidades do racismo na América, a política africana, a violência estrangeira e doméstica (como dentro de um apartamento em Nova York) e ainda fazer as peças se encaixarem perfeitamente. Mas Bohjalian – autor também de Hour of the Witch e The Flight Attendant – mostrou repetidas vezes que, com ele, você não sabe o que vai acontecer, mas sabe que vai ser bom.
Atraídos pela promessa de emoção ou pela garantia de glamour, os leitores vão querer ver o jogo do(s) sobrevivente(s) e terminarão o livro tão satisfeitos quanto um felino gordo nas savanas do Serengeti.
Karin Tanabe é autora de cinco livros, entre eles, mais recentemente, A Woman of Intelligence./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
The Lioness
Chris Bohjalian
Doubleday - 336 páginas - US $28