Coluna quinzenal do jornalista e escritor Sérgio Augusto sobre literatura

Opinião|Sérgio Augusto: O que você fazia quando deram o golpe de 64?


Não me recordo se naquele fim de semana ‘deu praia’

Por Sérgio Augusto
Atualização:

Não me recordo se naquele fim de semana “deu praia”. Na véspera (sexta, 27), fechei a capa do Quarto Caderno do jornal e, embora pudesse ter ido ao recém-inaugurado Zicartola com Sérgio Cabral (pai), preferi visitar a namorada, no Posto 6.

Também poderia ter ido ao cinema, mas ver filmes era o que mais fazia durante a semana, profissionalmente, como um dos críticos de cinema do Correio da Manhã, o benjamin da redação. Já assistira ao filme mais comentado na cidade, Mundo Cão, documentário sensacionalista do italiano Gualtiero Jacopetti, e me guardava para a estreia, três dias depois, de O Repouso do Guerreiro, novo sucesso da dupla Bardot-Vadim. Em 1964, os filmes entravam em cartaz às segundas-feiras.

No sábado 28, Elis Regina mudou-se de Porto Alegre para o Rio, mas só fui saber disso anos mais tarde, no meio de uma conversa vadia em torno desta dúvida palpitante: “O que você fazia quando deram o golpe de 64?”.

continua após a publicidade
19 de março de 1964: Em reação às reformas de base, a "Marcha da Família com Deus pela Liberdade" reúne mais de 500 mil pessoas em São Paulo. No dia 31 de março, o golpe militar começa com o deslocamento das tropas do general Mourão Filho em direção ao Rio de Janeiro. Dois dias depois, João Goulart, deposto, parte para Porto Alegre, e de lá para o exílio no Uruguai. Ranieri Mazili assume a presidência interinamente. Foto: Fábio Motta/Estadão

Eu, como de hábito e obrigação, escrevia. Fizera, na sexta, um texto sobre um golpe militar – não aqui, pois vidente nunca fui, mas nos EUA. Dali a semanas estrearia o thriller Sete Dias de Maio. Sem qualquer intenção provocativa, foi com aquela “conspiração em Washington” em sua primeira página que o 4.º Caderno do jornal chegou às bancas no domingo de Páscoa.

A conspiração fardada daqui, além de real, transformara a redação numa tensa bolsa de apostas. “Vai ter golpe?” “Quando?” Em polvorosa, a mesma Marinha que, cinco décadas e meia antes, nos proporcionara a Revolta da Chibata e recentemente ostentou em seu passadiço um almirante golpista com nome de editora do século 19, ameaçava, naqueles idos de março, fazer do País um Potemkin tupiniquim.

continua após a publicidade

O Correio da Manhã, legalista, defendera a posse de Jango, três anos antes, mas julgava seu governo sem autoridade e anarquizado. Não faltava na cúpula do jornal quem, lacerdista ou não, conspirasse abertamente pela saída do presidente.

Tarde da noite de segunda-feira, 30, fui, por acaso, um dos primeiros a ler, ainda em prova, o histórico editorial Basta!, no qual o jornal chutou, sem dó, o pau da barraca. “Isso vai dar merda”, comentei com o companheiro mais próximo, que não discordou de mim.

E os primeiros tanques, insurrecionados por um xará do general Mourão, desceram de Juiz de Fora, mesma cidade mineira onde, 54 anos mais tarde, uma canhestra facada turbinaria a ascensão ao poder de um flagelo chamado Jair Bolsonaro.

continua após a publicidade

Quando sobreveio a quartelada, meu companheiro de redação Carlos Heitor Cony convalescia em casa de uma apendicectomia. De pronto reinstalado em sua coluna, resumiu à perfeição numa frase o que havia acontecido: “Foi um simples golpe de direita para a manutenção de privilégios”. E também para calar, prender, torturar e matar desafetos. Mas isto a gente só ficaria sabendo com a desgraceira já em andamento.

Não me recordo se naquele fim de semana “deu praia”. Na véspera (sexta, 27), fechei a capa do Quarto Caderno do jornal e, embora pudesse ter ido ao recém-inaugurado Zicartola com Sérgio Cabral (pai), preferi visitar a namorada, no Posto 6.

Também poderia ter ido ao cinema, mas ver filmes era o que mais fazia durante a semana, profissionalmente, como um dos críticos de cinema do Correio da Manhã, o benjamin da redação. Já assistira ao filme mais comentado na cidade, Mundo Cão, documentário sensacionalista do italiano Gualtiero Jacopetti, e me guardava para a estreia, três dias depois, de O Repouso do Guerreiro, novo sucesso da dupla Bardot-Vadim. Em 1964, os filmes entravam em cartaz às segundas-feiras.

No sábado 28, Elis Regina mudou-se de Porto Alegre para o Rio, mas só fui saber disso anos mais tarde, no meio de uma conversa vadia em torno desta dúvida palpitante: “O que você fazia quando deram o golpe de 64?”.

19 de março de 1964: Em reação às reformas de base, a "Marcha da Família com Deus pela Liberdade" reúne mais de 500 mil pessoas em São Paulo. No dia 31 de março, o golpe militar começa com o deslocamento das tropas do general Mourão Filho em direção ao Rio de Janeiro. Dois dias depois, João Goulart, deposto, parte para Porto Alegre, e de lá para o exílio no Uruguai. Ranieri Mazili assume a presidência interinamente. Foto: Fábio Motta/Estadão

Eu, como de hábito e obrigação, escrevia. Fizera, na sexta, um texto sobre um golpe militar – não aqui, pois vidente nunca fui, mas nos EUA. Dali a semanas estrearia o thriller Sete Dias de Maio. Sem qualquer intenção provocativa, foi com aquela “conspiração em Washington” em sua primeira página que o 4.º Caderno do jornal chegou às bancas no domingo de Páscoa.

A conspiração fardada daqui, além de real, transformara a redação numa tensa bolsa de apostas. “Vai ter golpe?” “Quando?” Em polvorosa, a mesma Marinha que, cinco décadas e meia antes, nos proporcionara a Revolta da Chibata e recentemente ostentou em seu passadiço um almirante golpista com nome de editora do século 19, ameaçava, naqueles idos de março, fazer do País um Potemkin tupiniquim.

O Correio da Manhã, legalista, defendera a posse de Jango, três anos antes, mas julgava seu governo sem autoridade e anarquizado. Não faltava na cúpula do jornal quem, lacerdista ou não, conspirasse abertamente pela saída do presidente.

Tarde da noite de segunda-feira, 30, fui, por acaso, um dos primeiros a ler, ainda em prova, o histórico editorial Basta!, no qual o jornal chutou, sem dó, o pau da barraca. “Isso vai dar merda”, comentei com o companheiro mais próximo, que não discordou de mim.

E os primeiros tanques, insurrecionados por um xará do general Mourão, desceram de Juiz de Fora, mesma cidade mineira onde, 54 anos mais tarde, uma canhestra facada turbinaria a ascensão ao poder de um flagelo chamado Jair Bolsonaro.

Quando sobreveio a quartelada, meu companheiro de redação Carlos Heitor Cony convalescia em casa de uma apendicectomia. De pronto reinstalado em sua coluna, resumiu à perfeição numa frase o que havia acontecido: “Foi um simples golpe de direita para a manutenção de privilégios”. E também para calar, prender, torturar e matar desafetos. Mas isto a gente só ficaria sabendo com a desgraceira já em andamento.

Não me recordo se naquele fim de semana “deu praia”. Na véspera (sexta, 27), fechei a capa do Quarto Caderno do jornal e, embora pudesse ter ido ao recém-inaugurado Zicartola com Sérgio Cabral (pai), preferi visitar a namorada, no Posto 6.

Também poderia ter ido ao cinema, mas ver filmes era o que mais fazia durante a semana, profissionalmente, como um dos críticos de cinema do Correio da Manhã, o benjamin da redação. Já assistira ao filme mais comentado na cidade, Mundo Cão, documentário sensacionalista do italiano Gualtiero Jacopetti, e me guardava para a estreia, três dias depois, de O Repouso do Guerreiro, novo sucesso da dupla Bardot-Vadim. Em 1964, os filmes entravam em cartaz às segundas-feiras.

No sábado 28, Elis Regina mudou-se de Porto Alegre para o Rio, mas só fui saber disso anos mais tarde, no meio de uma conversa vadia em torno desta dúvida palpitante: “O que você fazia quando deram o golpe de 64?”.

19 de março de 1964: Em reação às reformas de base, a "Marcha da Família com Deus pela Liberdade" reúne mais de 500 mil pessoas em São Paulo. No dia 31 de março, o golpe militar começa com o deslocamento das tropas do general Mourão Filho em direção ao Rio de Janeiro. Dois dias depois, João Goulart, deposto, parte para Porto Alegre, e de lá para o exílio no Uruguai. Ranieri Mazili assume a presidência interinamente. Foto: Fábio Motta/Estadão

Eu, como de hábito e obrigação, escrevia. Fizera, na sexta, um texto sobre um golpe militar – não aqui, pois vidente nunca fui, mas nos EUA. Dali a semanas estrearia o thriller Sete Dias de Maio. Sem qualquer intenção provocativa, foi com aquela “conspiração em Washington” em sua primeira página que o 4.º Caderno do jornal chegou às bancas no domingo de Páscoa.

A conspiração fardada daqui, além de real, transformara a redação numa tensa bolsa de apostas. “Vai ter golpe?” “Quando?” Em polvorosa, a mesma Marinha que, cinco décadas e meia antes, nos proporcionara a Revolta da Chibata e recentemente ostentou em seu passadiço um almirante golpista com nome de editora do século 19, ameaçava, naqueles idos de março, fazer do País um Potemkin tupiniquim.

O Correio da Manhã, legalista, defendera a posse de Jango, três anos antes, mas julgava seu governo sem autoridade e anarquizado. Não faltava na cúpula do jornal quem, lacerdista ou não, conspirasse abertamente pela saída do presidente.

Tarde da noite de segunda-feira, 30, fui, por acaso, um dos primeiros a ler, ainda em prova, o histórico editorial Basta!, no qual o jornal chutou, sem dó, o pau da barraca. “Isso vai dar merda”, comentei com o companheiro mais próximo, que não discordou de mim.

E os primeiros tanques, insurrecionados por um xará do general Mourão, desceram de Juiz de Fora, mesma cidade mineira onde, 54 anos mais tarde, uma canhestra facada turbinaria a ascensão ao poder de um flagelo chamado Jair Bolsonaro.

Quando sobreveio a quartelada, meu companheiro de redação Carlos Heitor Cony convalescia em casa de uma apendicectomia. De pronto reinstalado em sua coluna, resumiu à perfeição numa frase o que havia acontecido: “Foi um simples golpe de direita para a manutenção de privilégios”. E também para calar, prender, torturar e matar desafetos. Mas isto a gente só ficaria sabendo com a desgraceira já em andamento.

Não me recordo se naquele fim de semana “deu praia”. Na véspera (sexta, 27), fechei a capa do Quarto Caderno do jornal e, embora pudesse ter ido ao recém-inaugurado Zicartola com Sérgio Cabral (pai), preferi visitar a namorada, no Posto 6.

Também poderia ter ido ao cinema, mas ver filmes era o que mais fazia durante a semana, profissionalmente, como um dos críticos de cinema do Correio da Manhã, o benjamin da redação. Já assistira ao filme mais comentado na cidade, Mundo Cão, documentário sensacionalista do italiano Gualtiero Jacopetti, e me guardava para a estreia, três dias depois, de O Repouso do Guerreiro, novo sucesso da dupla Bardot-Vadim. Em 1964, os filmes entravam em cartaz às segundas-feiras.

No sábado 28, Elis Regina mudou-se de Porto Alegre para o Rio, mas só fui saber disso anos mais tarde, no meio de uma conversa vadia em torno desta dúvida palpitante: “O que você fazia quando deram o golpe de 64?”.

19 de março de 1964: Em reação às reformas de base, a "Marcha da Família com Deus pela Liberdade" reúne mais de 500 mil pessoas em São Paulo. No dia 31 de março, o golpe militar começa com o deslocamento das tropas do general Mourão Filho em direção ao Rio de Janeiro. Dois dias depois, João Goulart, deposto, parte para Porto Alegre, e de lá para o exílio no Uruguai. Ranieri Mazili assume a presidência interinamente. Foto: Fábio Motta/Estadão

Eu, como de hábito e obrigação, escrevia. Fizera, na sexta, um texto sobre um golpe militar – não aqui, pois vidente nunca fui, mas nos EUA. Dali a semanas estrearia o thriller Sete Dias de Maio. Sem qualquer intenção provocativa, foi com aquela “conspiração em Washington” em sua primeira página que o 4.º Caderno do jornal chegou às bancas no domingo de Páscoa.

A conspiração fardada daqui, além de real, transformara a redação numa tensa bolsa de apostas. “Vai ter golpe?” “Quando?” Em polvorosa, a mesma Marinha que, cinco décadas e meia antes, nos proporcionara a Revolta da Chibata e recentemente ostentou em seu passadiço um almirante golpista com nome de editora do século 19, ameaçava, naqueles idos de março, fazer do País um Potemkin tupiniquim.

O Correio da Manhã, legalista, defendera a posse de Jango, três anos antes, mas julgava seu governo sem autoridade e anarquizado. Não faltava na cúpula do jornal quem, lacerdista ou não, conspirasse abertamente pela saída do presidente.

Tarde da noite de segunda-feira, 30, fui, por acaso, um dos primeiros a ler, ainda em prova, o histórico editorial Basta!, no qual o jornal chutou, sem dó, o pau da barraca. “Isso vai dar merda”, comentei com o companheiro mais próximo, que não discordou de mim.

E os primeiros tanques, insurrecionados por um xará do general Mourão, desceram de Juiz de Fora, mesma cidade mineira onde, 54 anos mais tarde, uma canhestra facada turbinaria a ascensão ao poder de um flagelo chamado Jair Bolsonaro.

Quando sobreveio a quartelada, meu companheiro de redação Carlos Heitor Cony convalescia em casa de uma apendicectomia. De pronto reinstalado em sua coluna, resumiu à perfeição numa frase o que havia acontecido: “Foi um simples golpe de direita para a manutenção de privilégios”. E também para calar, prender, torturar e matar desafetos. Mas isto a gente só ficaria sabendo com a desgraceira já em andamento.

Não me recordo se naquele fim de semana “deu praia”. Na véspera (sexta, 27), fechei a capa do Quarto Caderno do jornal e, embora pudesse ter ido ao recém-inaugurado Zicartola com Sérgio Cabral (pai), preferi visitar a namorada, no Posto 6.

Também poderia ter ido ao cinema, mas ver filmes era o que mais fazia durante a semana, profissionalmente, como um dos críticos de cinema do Correio da Manhã, o benjamin da redação. Já assistira ao filme mais comentado na cidade, Mundo Cão, documentário sensacionalista do italiano Gualtiero Jacopetti, e me guardava para a estreia, três dias depois, de O Repouso do Guerreiro, novo sucesso da dupla Bardot-Vadim. Em 1964, os filmes entravam em cartaz às segundas-feiras.

No sábado 28, Elis Regina mudou-se de Porto Alegre para o Rio, mas só fui saber disso anos mais tarde, no meio de uma conversa vadia em torno desta dúvida palpitante: “O que você fazia quando deram o golpe de 64?”.

19 de março de 1964: Em reação às reformas de base, a "Marcha da Família com Deus pela Liberdade" reúne mais de 500 mil pessoas em São Paulo. No dia 31 de março, o golpe militar começa com o deslocamento das tropas do general Mourão Filho em direção ao Rio de Janeiro. Dois dias depois, João Goulart, deposto, parte para Porto Alegre, e de lá para o exílio no Uruguai. Ranieri Mazili assume a presidência interinamente. Foto: Fábio Motta/Estadão

Eu, como de hábito e obrigação, escrevia. Fizera, na sexta, um texto sobre um golpe militar – não aqui, pois vidente nunca fui, mas nos EUA. Dali a semanas estrearia o thriller Sete Dias de Maio. Sem qualquer intenção provocativa, foi com aquela “conspiração em Washington” em sua primeira página que o 4.º Caderno do jornal chegou às bancas no domingo de Páscoa.

A conspiração fardada daqui, além de real, transformara a redação numa tensa bolsa de apostas. “Vai ter golpe?” “Quando?” Em polvorosa, a mesma Marinha que, cinco décadas e meia antes, nos proporcionara a Revolta da Chibata e recentemente ostentou em seu passadiço um almirante golpista com nome de editora do século 19, ameaçava, naqueles idos de março, fazer do País um Potemkin tupiniquim.

O Correio da Manhã, legalista, defendera a posse de Jango, três anos antes, mas julgava seu governo sem autoridade e anarquizado. Não faltava na cúpula do jornal quem, lacerdista ou não, conspirasse abertamente pela saída do presidente.

Tarde da noite de segunda-feira, 30, fui, por acaso, um dos primeiros a ler, ainda em prova, o histórico editorial Basta!, no qual o jornal chutou, sem dó, o pau da barraca. “Isso vai dar merda”, comentei com o companheiro mais próximo, que não discordou de mim.

E os primeiros tanques, insurrecionados por um xará do general Mourão, desceram de Juiz de Fora, mesma cidade mineira onde, 54 anos mais tarde, uma canhestra facada turbinaria a ascensão ao poder de um flagelo chamado Jair Bolsonaro.

Quando sobreveio a quartelada, meu companheiro de redação Carlos Heitor Cony convalescia em casa de uma apendicectomia. De pronto reinstalado em sua coluna, resumiu à perfeição numa frase o que havia acontecido: “Foi um simples golpe de direita para a manutenção de privilégios”. E também para calar, prender, torturar e matar desafetos. Mas isto a gente só ficaria sabendo com a desgraceira já em andamento.

Opinião por Sérgio Augusto

É jornalista, escritor e autor de 'Esse Mundo é um Pandeiro', entre outros

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.