Coluna quinzenal do jornalista e escritor Sérgio Augusto sobre literatura

Opinião|Um 3X4 do Ziraldo


Trabalhar cercado de gente era, para Ziraldo, o suprassumo da solidão criativa

Por Sérgio Augusto

Quando conheci Ziraldo, ele, Vilma e Daniela (uma menina de 4 anos!) ainda moravam na Praça do Lido, em Copacabana. Acabamos vizinhos na Lagoa Rodrigo de Freitas, por mais de duas décadas. Da minha janela avistava a de seu ateliê, quase sempre acesa até altas horas.

Trabalhar cercado de gente – parentes, amigos, discípulos (dois deles, Caulos e Miguel Paiva, seus vizinhos de prédio por uns tempos) – era, para Ziraldo, o suprassumo da solidão criativa. Pilotando a prancheta e regendo a algaravia, ora com um lápis entre os dentes, ora a morder a ponta da língua no canto da boca como costumam fazer as crianças quando rabiscam alguma coisa a sério – eis a imagem mais marcante que do Zira operário do traço fixei na memória.

“Criança até hoje”, cheguei a comentar com outro habitué da casa (terá sido Antonio Pitanga ou Sérgio Ricardo?), ao notar o cacoete pela primeira vez. Na mesa da cozinha havia sempre café recém-coado e bolo para as visitas, uma open house mineira, com certeza. Por tudo isso, era sempre agradabilíssimo frequentar a casa de Ziraldo e Vilma, esposa e anfitriã perfeita.

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O cartunista Ziraldo. Foto: Marcia Zoet/Estadão

Além do bairro, da rua, compartilhamos projetos, três ou quatro redações, folguedos (réveillon al mare na Baía de Angra, torneios de piscibol) e até um sobrenome, Pinto, embora isento de parentesco. Segundo Ziraldo, ao contrário do que sempre supus, não éramos cristãos novos; o nosso Pinto seria, como o Pinter do Harold, uma corruptela de Painter, pintor em inglês.

Nosso primeiro aperto de mão aconteceu em março de 1963. Ziraldo acabara de trocar a função de relações-públicas de O Cruzeiro pela direção de arte da revista, a convite de Odylo Costa, filho, a quem fora confiada uma reforma em regra no então decadente semanário.

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Ziraldo, de cara, mudou o logotipo e transformou o miolo da revista num misto de Look e Paris-Match. Sem o mofo antigo e com uma redação renovada pela inclusão de Carlos Heitor Cony, Wilson Figueiredo e Carlos Leonam, entre outros, o novo e arejado O Cruzeiro foi uma experiência estimulante, até soçobrar, sete, oito meses depois, quando o então potentado do império Chateaubriand, Leão Gondim, enciumado, maquinou a saída de Odylo.

Um dia contarei como nasceram as Fotopotocas (as memes impressas daquele tempo), que Ziraldo e eu lançamos em duas páginas da revista e, mais tarde, em brochura. Com a saída de Odylo, Ziraldo assumiu a chefia da redação. Conseguiu editar apenas um número.

Bateu de frente com Accioly Neto, capataz vitalício da empresa, por causa do veto a uma reportagem. “Já reparou que o senhor sobrevive a todas as crises d’O Cruzeiro?”, jogou-lhe nas fuças Ziraldo. “Meu filho”, reagiu Accioly, “jornalismo é uma indústria de papel pintado. Deixe de tolos idealismos. Faça alguma coisa pra ganhar dinheiro; o resto é besteira.”

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Ziraldo saiu da sala aos prantos. E, sem abrir mão de seu idealismo, foi acumular fama, glória e um bom dinheiro com suas besteiras.

Quando conheci Ziraldo, ele, Vilma e Daniela (uma menina de 4 anos!) ainda moravam na Praça do Lido, em Copacabana. Acabamos vizinhos na Lagoa Rodrigo de Freitas, por mais de duas décadas. Da minha janela avistava a de seu ateliê, quase sempre acesa até altas horas.

Trabalhar cercado de gente – parentes, amigos, discípulos (dois deles, Caulos e Miguel Paiva, seus vizinhos de prédio por uns tempos) – era, para Ziraldo, o suprassumo da solidão criativa. Pilotando a prancheta e regendo a algaravia, ora com um lápis entre os dentes, ora a morder a ponta da língua no canto da boca como costumam fazer as crianças quando rabiscam alguma coisa a sério – eis a imagem mais marcante que do Zira operário do traço fixei na memória.

“Criança até hoje”, cheguei a comentar com outro habitué da casa (terá sido Antonio Pitanga ou Sérgio Ricardo?), ao notar o cacoete pela primeira vez. Na mesa da cozinha havia sempre café recém-coado e bolo para as visitas, uma open house mineira, com certeza. Por tudo isso, era sempre agradabilíssimo frequentar a casa de Ziraldo e Vilma, esposa e anfitriã perfeita.

O cartunista Ziraldo. Foto: Marcia Zoet/Estadão

Além do bairro, da rua, compartilhamos projetos, três ou quatro redações, folguedos (réveillon al mare na Baía de Angra, torneios de piscibol) e até um sobrenome, Pinto, embora isento de parentesco. Segundo Ziraldo, ao contrário do que sempre supus, não éramos cristãos novos; o nosso Pinto seria, como o Pinter do Harold, uma corruptela de Painter, pintor em inglês.

Nosso primeiro aperto de mão aconteceu em março de 1963. Ziraldo acabara de trocar a função de relações-públicas de O Cruzeiro pela direção de arte da revista, a convite de Odylo Costa, filho, a quem fora confiada uma reforma em regra no então decadente semanário.

Ziraldo, de cara, mudou o logotipo e transformou o miolo da revista num misto de Look e Paris-Match. Sem o mofo antigo e com uma redação renovada pela inclusão de Carlos Heitor Cony, Wilson Figueiredo e Carlos Leonam, entre outros, o novo e arejado O Cruzeiro foi uma experiência estimulante, até soçobrar, sete, oito meses depois, quando o então potentado do império Chateaubriand, Leão Gondim, enciumado, maquinou a saída de Odylo.

Um dia contarei como nasceram as Fotopotocas (as memes impressas daquele tempo), que Ziraldo e eu lançamos em duas páginas da revista e, mais tarde, em brochura. Com a saída de Odylo, Ziraldo assumiu a chefia da redação. Conseguiu editar apenas um número.

Bateu de frente com Accioly Neto, capataz vitalício da empresa, por causa do veto a uma reportagem. “Já reparou que o senhor sobrevive a todas as crises d’O Cruzeiro?”, jogou-lhe nas fuças Ziraldo. “Meu filho”, reagiu Accioly, “jornalismo é uma indústria de papel pintado. Deixe de tolos idealismos. Faça alguma coisa pra ganhar dinheiro; o resto é besteira.”

Ziraldo saiu da sala aos prantos. E, sem abrir mão de seu idealismo, foi acumular fama, glória e um bom dinheiro com suas besteiras.

Quando conheci Ziraldo, ele, Vilma e Daniela (uma menina de 4 anos!) ainda moravam na Praça do Lido, em Copacabana. Acabamos vizinhos na Lagoa Rodrigo de Freitas, por mais de duas décadas. Da minha janela avistava a de seu ateliê, quase sempre acesa até altas horas.

Trabalhar cercado de gente – parentes, amigos, discípulos (dois deles, Caulos e Miguel Paiva, seus vizinhos de prédio por uns tempos) – era, para Ziraldo, o suprassumo da solidão criativa. Pilotando a prancheta e regendo a algaravia, ora com um lápis entre os dentes, ora a morder a ponta da língua no canto da boca como costumam fazer as crianças quando rabiscam alguma coisa a sério – eis a imagem mais marcante que do Zira operário do traço fixei na memória.

“Criança até hoje”, cheguei a comentar com outro habitué da casa (terá sido Antonio Pitanga ou Sérgio Ricardo?), ao notar o cacoete pela primeira vez. Na mesa da cozinha havia sempre café recém-coado e bolo para as visitas, uma open house mineira, com certeza. Por tudo isso, era sempre agradabilíssimo frequentar a casa de Ziraldo e Vilma, esposa e anfitriã perfeita.

O cartunista Ziraldo. Foto: Marcia Zoet/Estadão

Além do bairro, da rua, compartilhamos projetos, três ou quatro redações, folguedos (réveillon al mare na Baía de Angra, torneios de piscibol) e até um sobrenome, Pinto, embora isento de parentesco. Segundo Ziraldo, ao contrário do que sempre supus, não éramos cristãos novos; o nosso Pinto seria, como o Pinter do Harold, uma corruptela de Painter, pintor em inglês.

Nosso primeiro aperto de mão aconteceu em março de 1963. Ziraldo acabara de trocar a função de relações-públicas de O Cruzeiro pela direção de arte da revista, a convite de Odylo Costa, filho, a quem fora confiada uma reforma em regra no então decadente semanário.

Ziraldo, de cara, mudou o logotipo e transformou o miolo da revista num misto de Look e Paris-Match. Sem o mofo antigo e com uma redação renovada pela inclusão de Carlos Heitor Cony, Wilson Figueiredo e Carlos Leonam, entre outros, o novo e arejado O Cruzeiro foi uma experiência estimulante, até soçobrar, sete, oito meses depois, quando o então potentado do império Chateaubriand, Leão Gondim, enciumado, maquinou a saída de Odylo.

Um dia contarei como nasceram as Fotopotocas (as memes impressas daquele tempo), que Ziraldo e eu lançamos em duas páginas da revista e, mais tarde, em brochura. Com a saída de Odylo, Ziraldo assumiu a chefia da redação. Conseguiu editar apenas um número.

Bateu de frente com Accioly Neto, capataz vitalício da empresa, por causa do veto a uma reportagem. “Já reparou que o senhor sobrevive a todas as crises d’O Cruzeiro?”, jogou-lhe nas fuças Ziraldo. “Meu filho”, reagiu Accioly, “jornalismo é uma indústria de papel pintado. Deixe de tolos idealismos. Faça alguma coisa pra ganhar dinheiro; o resto é besteira.”

Ziraldo saiu da sala aos prantos. E, sem abrir mão de seu idealismo, foi acumular fama, glória e um bom dinheiro com suas besteiras.

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Opinião por Sérgio Augusto

É jornalista, escritor e autor de 'Esse Mundo é um Pandeiro', entre outros

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