Coluna quinzenal do jornalista e crítico Sérgio Martins com histórias da música

Opinião|Cantar soul é para quem tem voz e emoção e sabe misturar os elementos certos. Esses artistas sabem


As ideias de Tim Maia ao lado de artistas como Hyldon e Cassiano são o ponto de partida de uma música black tipicamente brasileira, que segue evoluindo; ouça uma playlist especial para relembrar os clássicos e conhecer novas vozes

Por Sérgio Martins

Wellington é um taxista que faz ponto no Bourbon Shopping, na zona oeste de São Paulo. Simpático, no trajeto para a minha casa, ao invés da costumeira trilha de sertanejo, canções de consultório de dentista ou rádios de notícias, ele me presenteou com um som familiar. “Hyldon?”, perguntei. “Sim, Hyldon. Aqui só toca balanço, música boa”, respondeu.

Durante o papo que tivemos na viagem, sugeri que ele escutasse Os Diagonais, grupo que trazia os vocais do lendário Cassiano ao lado do irmão, Camarão, e do também vocalista Amaro. Ele não apenas baixou o disco na hora em seu pendrive como demonstrou conhecer o Táxi, trio que Camarão e Amaro montaram depois dos Diagonais – e que teve Max e depois Aladim como cantores principais. Mas, Wellington, talvez eu não tenha sido justo com você. Bem que poderia ter citado novos intérpretes, grupos e instrumentistas que têm acrescentado outros balanços ao gênero americano.

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A soul music brasileira é, como diria Moraes Moreira, um documento da raça pela graça da mistura. O estilo soul já era popular no início dos anos 1960, quando a boate Cave, no centro de São Paulo, tocava os últimos sucessos de Ray Charles e do cast da Motown – maior gravadora de música negra da história – para frequentadores como Erasmo e Roberto Carlos. Mas coube a um amigo dos Carlos, um certo Sebastião Rodrigues Maia, trazer o know-how da criação e da adaptação do soul para terras brasileiras.

Tim – ou Jim, como era conhecido em Tarrytown, cidade do estado de Nova York, para onde migrou no início dos anos 1960 –, passava horas em frente à igreja da cidade para aprender as vocalizações dos hinos gospel entoados ali. Quando voltou ao País, no final da década, ele até experimentou a fórmula em terceiros, mas nada se compara à maneira com que a usou em seus trabalhos.

Tim não se contentou em aproveitar a batida, os timbres e o canto dos negros americanos: ele os adicionou aos gêneros musicais brasileiros. O cancioneiro do cantor carioca tem soul com elementos do samba, do forró, do baião. As ideias de Tim Maia ao lado de artistas como Hyldon e Cassiano são o ponto de partida de uma música black tipicamente brasileira. Já a chegada do movimento Black Rio, na segunda metade dos anos 1970, adicionou ao balanço um forte discurso político e social.

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Tim Maia em 1988, em show no Parque do Carmo, em São Paulo Foto: Ana Carolina Fernandes/Estadão

Posteriormente, essa salada sonora seria absorvida por outros gêneros brasileiros. O tal pagode de São Paulo, muito popular nos anos 1990, adaptou para seu universo o R&B, uma vertente mais eletrônica e “rapeira” (de rap) do soul.

Mas, Wellington, você deve ter percebido que mudo de assunto como de rota, certo? Naquele domingo fomos de Tim Maia a Hyldon e de Cassiano a Sandra de Sá com a mesma velocidade em que pedi para mudar o ponto final da viagem.

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Para a gente chegar ao ponto principal do assunto, falemos das mudanças da soul music em seu local de origem e de como ela afetou o cancioneiro daqui. Eles alteraram por várias vezes seu modo de produção. Tentaram retomar a sonoridade dos anos 1960 e 1970, estreitaram os laços com o universo hip hop, colocaram música eletrônica… Uma loucura. E aqui a gente foi pelo mesmo caminho, com grupos que fazem uso do pagode romântico de décadas atrás com a soul music e até gente que prima pela soul music mais ortodoxa.

Wellington, são tantas opções que, se for citar todo mundo, vou acabar te deixando zonzo. Mas posso me ater a dois deles. Gosto de Os Garotin, um trio de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, e que tem uma encantadora pegada de samba e soul – evidenciada pelas letras românticas. Em São Paulo, a minha dica é o Vértice, trio onde o cantor e produtor Silvera se une ao cantor André Mota e à talentosa vocalista Jamah. O trabalho deles é um pop delicioso, que certamente vai aliviar aquele trânsito intenso na Avenida Matarazzo.

Cantar soul music é para quem tem voz e emoção. Uma das coisas que me chatearam nas artistas da geração recente, principalmente as que apareciam em reality show de calouros, era aquela mania de emular os gorjeios de Mariah Carey e Whitney Houston, na qual se desaprendeu até a pronunciar a letra em português – virava um ámo (sic) no lugar de amo que me deixa maluco. Hoje temos vocalistas que abrasileiraram a nossa pronúncia, nos deixando mais próximos de Sandra de Sá e Lady Zu, divas do balanço nacional, que de Whitney. Bom, mais uma vez vou te poupar da lista enorme. Comece, então, por uma intérprete goiana chamada Bruna Mendez.

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Amigo Wellington, caso você não curta as novidades dessa lista, tem um monte de gente da boa e velha guarda que está lançando single – Hyldon, o veterano grupo paulistano Placa Luminosa. Mas se me permite mais uma dica de gente nova, recomendo aqui Josiel Konrad, trombonista de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Boca no Trombone, de 2023, tem até funk carioca vertido para o balanço soul. E aqui, o balanço ganha boas doses de jazz e improvisação.

Sei que as coisas devem estar corridas e o trânsito exige que você preste mais atenção aos carros ao seu lado do que no texto. Tudo certo: eu fiz até uma playlist para você não se perder (e me permiti colocar umas antigas que a gente gosta). E até a próxima viagem regada a soul…

Wellington é um taxista que faz ponto no Bourbon Shopping, na zona oeste de São Paulo. Simpático, no trajeto para a minha casa, ao invés da costumeira trilha de sertanejo, canções de consultório de dentista ou rádios de notícias, ele me presenteou com um som familiar. “Hyldon?”, perguntei. “Sim, Hyldon. Aqui só toca balanço, música boa”, respondeu.

Durante o papo que tivemos na viagem, sugeri que ele escutasse Os Diagonais, grupo que trazia os vocais do lendário Cassiano ao lado do irmão, Camarão, e do também vocalista Amaro. Ele não apenas baixou o disco na hora em seu pendrive como demonstrou conhecer o Táxi, trio que Camarão e Amaro montaram depois dos Diagonais – e que teve Max e depois Aladim como cantores principais. Mas, Wellington, talvez eu não tenha sido justo com você. Bem que poderia ter citado novos intérpretes, grupos e instrumentistas que têm acrescentado outros balanços ao gênero americano.

A soul music brasileira é, como diria Moraes Moreira, um documento da raça pela graça da mistura. O estilo soul já era popular no início dos anos 1960, quando a boate Cave, no centro de São Paulo, tocava os últimos sucessos de Ray Charles e do cast da Motown – maior gravadora de música negra da história – para frequentadores como Erasmo e Roberto Carlos. Mas coube a um amigo dos Carlos, um certo Sebastião Rodrigues Maia, trazer o know-how da criação e da adaptação do soul para terras brasileiras.

Tim – ou Jim, como era conhecido em Tarrytown, cidade do estado de Nova York, para onde migrou no início dos anos 1960 –, passava horas em frente à igreja da cidade para aprender as vocalizações dos hinos gospel entoados ali. Quando voltou ao País, no final da década, ele até experimentou a fórmula em terceiros, mas nada se compara à maneira com que a usou em seus trabalhos.

Tim não se contentou em aproveitar a batida, os timbres e o canto dos negros americanos: ele os adicionou aos gêneros musicais brasileiros. O cancioneiro do cantor carioca tem soul com elementos do samba, do forró, do baião. As ideias de Tim Maia ao lado de artistas como Hyldon e Cassiano são o ponto de partida de uma música black tipicamente brasileira. Já a chegada do movimento Black Rio, na segunda metade dos anos 1970, adicionou ao balanço um forte discurso político e social.

Tim Maia em 1988, em show no Parque do Carmo, em São Paulo Foto: Ana Carolina Fernandes/Estadão

Posteriormente, essa salada sonora seria absorvida por outros gêneros brasileiros. O tal pagode de São Paulo, muito popular nos anos 1990, adaptou para seu universo o R&B, uma vertente mais eletrônica e “rapeira” (de rap) do soul.

Mas, Wellington, você deve ter percebido que mudo de assunto como de rota, certo? Naquele domingo fomos de Tim Maia a Hyldon e de Cassiano a Sandra de Sá com a mesma velocidade em que pedi para mudar o ponto final da viagem.

Para a gente chegar ao ponto principal do assunto, falemos das mudanças da soul music em seu local de origem e de como ela afetou o cancioneiro daqui. Eles alteraram por várias vezes seu modo de produção. Tentaram retomar a sonoridade dos anos 1960 e 1970, estreitaram os laços com o universo hip hop, colocaram música eletrônica… Uma loucura. E aqui a gente foi pelo mesmo caminho, com grupos que fazem uso do pagode romântico de décadas atrás com a soul music e até gente que prima pela soul music mais ortodoxa.

Wellington, são tantas opções que, se for citar todo mundo, vou acabar te deixando zonzo. Mas posso me ater a dois deles. Gosto de Os Garotin, um trio de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, e que tem uma encantadora pegada de samba e soul – evidenciada pelas letras românticas. Em São Paulo, a minha dica é o Vértice, trio onde o cantor e produtor Silvera se une ao cantor André Mota e à talentosa vocalista Jamah. O trabalho deles é um pop delicioso, que certamente vai aliviar aquele trânsito intenso na Avenida Matarazzo.

Cantar soul music é para quem tem voz e emoção. Uma das coisas que me chatearam nas artistas da geração recente, principalmente as que apareciam em reality show de calouros, era aquela mania de emular os gorjeios de Mariah Carey e Whitney Houston, na qual se desaprendeu até a pronunciar a letra em português – virava um ámo (sic) no lugar de amo que me deixa maluco. Hoje temos vocalistas que abrasileiraram a nossa pronúncia, nos deixando mais próximos de Sandra de Sá e Lady Zu, divas do balanço nacional, que de Whitney. Bom, mais uma vez vou te poupar da lista enorme. Comece, então, por uma intérprete goiana chamada Bruna Mendez.

Amigo Wellington, caso você não curta as novidades dessa lista, tem um monte de gente da boa e velha guarda que está lançando single – Hyldon, o veterano grupo paulistano Placa Luminosa. Mas se me permite mais uma dica de gente nova, recomendo aqui Josiel Konrad, trombonista de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Boca no Trombone, de 2023, tem até funk carioca vertido para o balanço soul. E aqui, o balanço ganha boas doses de jazz e improvisação.

Sei que as coisas devem estar corridas e o trânsito exige que você preste mais atenção aos carros ao seu lado do que no texto. Tudo certo: eu fiz até uma playlist para você não se perder (e me permiti colocar umas antigas que a gente gosta). E até a próxima viagem regada a soul…

Wellington é um taxista que faz ponto no Bourbon Shopping, na zona oeste de São Paulo. Simpático, no trajeto para a minha casa, ao invés da costumeira trilha de sertanejo, canções de consultório de dentista ou rádios de notícias, ele me presenteou com um som familiar. “Hyldon?”, perguntei. “Sim, Hyldon. Aqui só toca balanço, música boa”, respondeu.

Durante o papo que tivemos na viagem, sugeri que ele escutasse Os Diagonais, grupo que trazia os vocais do lendário Cassiano ao lado do irmão, Camarão, e do também vocalista Amaro. Ele não apenas baixou o disco na hora em seu pendrive como demonstrou conhecer o Táxi, trio que Camarão e Amaro montaram depois dos Diagonais – e que teve Max e depois Aladim como cantores principais. Mas, Wellington, talvez eu não tenha sido justo com você. Bem que poderia ter citado novos intérpretes, grupos e instrumentistas que têm acrescentado outros balanços ao gênero americano.

A soul music brasileira é, como diria Moraes Moreira, um documento da raça pela graça da mistura. O estilo soul já era popular no início dos anos 1960, quando a boate Cave, no centro de São Paulo, tocava os últimos sucessos de Ray Charles e do cast da Motown – maior gravadora de música negra da história – para frequentadores como Erasmo e Roberto Carlos. Mas coube a um amigo dos Carlos, um certo Sebastião Rodrigues Maia, trazer o know-how da criação e da adaptação do soul para terras brasileiras.

Tim – ou Jim, como era conhecido em Tarrytown, cidade do estado de Nova York, para onde migrou no início dos anos 1960 –, passava horas em frente à igreja da cidade para aprender as vocalizações dos hinos gospel entoados ali. Quando voltou ao País, no final da década, ele até experimentou a fórmula em terceiros, mas nada se compara à maneira com que a usou em seus trabalhos.

Tim não se contentou em aproveitar a batida, os timbres e o canto dos negros americanos: ele os adicionou aos gêneros musicais brasileiros. O cancioneiro do cantor carioca tem soul com elementos do samba, do forró, do baião. As ideias de Tim Maia ao lado de artistas como Hyldon e Cassiano são o ponto de partida de uma música black tipicamente brasileira. Já a chegada do movimento Black Rio, na segunda metade dos anos 1970, adicionou ao balanço um forte discurso político e social.

Tim Maia em 1988, em show no Parque do Carmo, em São Paulo Foto: Ana Carolina Fernandes/Estadão

Posteriormente, essa salada sonora seria absorvida por outros gêneros brasileiros. O tal pagode de São Paulo, muito popular nos anos 1990, adaptou para seu universo o R&B, uma vertente mais eletrônica e “rapeira” (de rap) do soul.

Mas, Wellington, você deve ter percebido que mudo de assunto como de rota, certo? Naquele domingo fomos de Tim Maia a Hyldon e de Cassiano a Sandra de Sá com a mesma velocidade em que pedi para mudar o ponto final da viagem.

Para a gente chegar ao ponto principal do assunto, falemos das mudanças da soul music em seu local de origem e de como ela afetou o cancioneiro daqui. Eles alteraram por várias vezes seu modo de produção. Tentaram retomar a sonoridade dos anos 1960 e 1970, estreitaram os laços com o universo hip hop, colocaram música eletrônica… Uma loucura. E aqui a gente foi pelo mesmo caminho, com grupos que fazem uso do pagode romântico de décadas atrás com a soul music e até gente que prima pela soul music mais ortodoxa.

Wellington, são tantas opções que, se for citar todo mundo, vou acabar te deixando zonzo. Mas posso me ater a dois deles. Gosto de Os Garotin, um trio de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, e que tem uma encantadora pegada de samba e soul – evidenciada pelas letras românticas. Em São Paulo, a minha dica é o Vértice, trio onde o cantor e produtor Silvera se une ao cantor André Mota e à talentosa vocalista Jamah. O trabalho deles é um pop delicioso, que certamente vai aliviar aquele trânsito intenso na Avenida Matarazzo.

Cantar soul music é para quem tem voz e emoção. Uma das coisas que me chatearam nas artistas da geração recente, principalmente as que apareciam em reality show de calouros, era aquela mania de emular os gorjeios de Mariah Carey e Whitney Houston, na qual se desaprendeu até a pronunciar a letra em português – virava um ámo (sic) no lugar de amo que me deixa maluco. Hoje temos vocalistas que abrasileiraram a nossa pronúncia, nos deixando mais próximos de Sandra de Sá e Lady Zu, divas do balanço nacional, que de Whitney. Bom, mais uma vez vou te poupar da lista enorme. Comece, então, por uma intérprete goiana chamada Bruna Mendez.

Amigo Wellington, caso você não curta as novidades dessa lista, tem um monte de gente da boa e velha guarda que está lançando single – Hyldon, o veterano grupo paulistano Placa Luminosa. Mas se me permite mais uma dica de gente nova, recomendo aqui Josiel Konrad, trombonista de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Boca no Trombone, de 2023, tem até funk carioca vertido para o balanço soul. E aqui, o balanço ganha boas doses de jazz e improvisação.

Sei que as coisas devem estar corridas e o trânsito exige que você preste mais atenção aos carros ao seu lado do que no texto. Tudo certo: eu fiz até uma playlist para você não se perder (e me permiti colocar umas antigas que a gente gosta). E até a próxima viagem regada a soul…

Wellington é um taxista que faz ponto no Bourbon Shopping, na zona oeste de São Paulo. Simpático, no trajeto para a minha casa, ao invés da costumeira trilha de sertanejo, canções de consultório de dentista ou rádios de notícias, ele me presenteou com um som familiar. “Hyldon?”, perguntei. “Sim, Hyldon. Aqui só toca balanço, música boa”, respondeu.

Durante o papo que tivemos na viagem, sugeri que ele escutasse Os Diagonais, grupo que trazia os vocais do lendário Cassiano ao lado do irmão, Camarão, e do também vocalista Amaro. Ele não apenas baixou o disco na hora em seu pendrive como demonstrou conhecer o Táxi, trio que Camarão e Amaro montaram depois dos Diagonais – e que teve Max e depois Aladim como cantores principais. Mas, Wellington, talvez eu não tenha sido justo com você. Bem que poderia ter citado novos intérpretes, grupos e instrumentistas que têm acrescentado outros balanços ao gênero americano.

A soul music brasileira é, como diria Moraes Moreira, um documento da raça pela graça da mistura. O estilo soul já era popular no início dos anos 1960, quando a boate Cave, no centro de São Paulo, tocava os últimos sucessos de Ray Charles e do cast da Motown – maior gravadora de música negra da história – para frequentadores como Erasmo e Roberto Carlos. Mas coube a um amigo dos Carlos, um certo Sebastião Rodrigues Maia, trazer o know-how da criação e da adaptação do soul para terras brasileiras.

Tim – ou Jim, como era conhecido em Tarrytown, cidade do estado de Nova York, para onde migrou no início dos anos 1960 –, passava horas em frente à igreja da cidade para aprender as vocalizações dos hinos gospel entoados ali. Quando voltou ao País, no final da década, ele até experimentou a fórmula em terceiros, mas nada se compara à maneira com que a usou em seus trabalhos.

Tim não se contentou em aproveitar a batida, os timbres e o canto dos negros americanos: ele os adicionou aos gêneros musicais brasileiros. O cancioneiro do cantor carioca tem soul com elementos do samba, do forró, do baião. As ideias de Tim Maia ao lado de artistas como Hyldon e Cassiano são o ponto de partida de uma música black tipicamente brasileira. Já a chegada do movimento Black Rio, na segunda metade dos anos 1970, adicionou ao balanço um forte discurso político e social.

Tim Maia em 1988, em show no Parque do Carmo, em São Paulo Foto: Ana Carolina Fernandes/Estadão

Posteriormente, essa salada sonora seria absorvida por outros gêneros brasileiros. O tal pagode de São Paulo, muito popular nos anos 1990, adaptou para seu universo o R&B, uma vertente mais eletrônica e “rapeira” (de rap) do soul.

Mas, Wellington, você deve ter percebido que mudo de assunto como de rota, certo? Naquele domingo fomos de Tim Maia a Hyldon e de Cassiano a Sandra de Sá com a mesma velocidade em que pedi para mudar o ponto final da viagem.

Para a gente chegar ao ponto principal do assunto, falemos das mudanças da soul music em seu local de origem e de como ela afetou o cancioneiro daqui. Eles alteraram por várias vezes seu modo de produção. Tentaram retomar a sonoridade dos anos 1960 e 1970, estreitaram os laços com o universo hip hop, colocaram música eletrônica… Uma loucura. E aqui a gente foi pelo mesmo caminho, com grupos que fazem uso do pagode romântico de décadas atrás com a soul music e até gente que prima pela soul music mais ortodoxa.

Wellington, são tantas opções que, se for citar todo mundo, vou acabar te deixando zonzo. Mas posso me ater a dois deles. Gosto de Os Garotin, um trio de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, e que tem uma encantadora pegada de samba e soul – evidenciada pelas letras românticas. Em São Paulo, a minha dica é o Vértice, trio onde o cantor e produtor Silvera se une ao cantor André Mota e à talentosa vocalista Jamah. O trabalho deles é um pop delicioso, que certamente vai aliviar aquele trânsito intenso na Avenida Matarazzo.

Cantar soul music é para quem tem voz e emoção. Uma das coisas que me chatearam nas artistas da geração recente, principalmente as que apareciam em reality show de calouros, era aquela mania de emular os gorjeios de Mariah Carey e Whitney Houston, na qual se desaprendeu até a pronunciar a letra em português – virava um ámo (sic) no lugar de amo que me deixa maluco. Hoje temos vocalistas que abrasileiraram a nossa pronúncia, nos deixando mais próximos de Sandra de Sá e Lady Zu, divas do balanço nacional, que de Whitney. Bom, mais uma vez vou te poupar da lista enorme. Comece, então, por uma intérprete goiana chamada Bruna Mendez.

Amigo Wellington, caso você não curta as novidades dessa lista, tem um monte de gente da boa e velha guarda que está lançando single – Hyldon, o veterano grupo paulistano Placa Luminosa. Mas se me permite mais uma dica de gente nova, recomendo aqui Josiel Konrad, trombonista de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Boca no Trombone, de 2023, tem até funk carioca vertido para o balanço soul. E aqui, o balanço ganha boas doses de jazz e improvisação.

Sei que as coisas devem estar corridas e o trânsito exige que você preste mais atenção aos carros ao seu lado do que no texto. Tudo certo: eu fiz até uma playlist para você não se perder (e me permiti colocar umas antigas que a gente gosta). E até a próxima viagem regada a soul…

Wellington é um taxista que faz ponto no Bourbon Shopping, na zona oeste de São Paulo. Simpático, no trajeto para a minha casa, ao invés da costumeira trilha de sertanejo, canções de consultório de dentista ou rádios de notícias, ele me presenteou com um som familiar. “Hyldon?”, perguntei. “Sim, Hyldon. Aqui só toca balanço, música boa”, respondeu.

Durante o papo que tivemos na viagem, sugeri que ele escutasse Os Diagonais, grupo que trazia os vocais do lendário Cassiano ao lado do irmão, Camarão, e do também vocalista Amaro. Ele não apenas baixou o disco na hora em seu pendrive como demonstrou conhecer o Táxi, trio que Camarão e Amaro montaram depois dos Diagonais – e que teve Max e depois Aladim como cantores principais. Mas, Wellington, talvez eu não tenha sido justo com você. Bem que poderia ter citado novos intérpretes, grupos e instrumentistas que têm acrescentado outros balanços ao gênero americano.

A soul music brasileira é, como diria Moraes Moreira, um documento da raça pela graça da mistura. O estilo soul já era popular no início dos anos 1960, quando a boate Cave, no centro de São Paulo, tocava os últimos sucessos de Ray Charles e do cast da Motown – maior gravadora de música negra da história – para frequentadores como Erasmo e Roberto Carlos. Mas coube a um amigo dos Carlos, um certo Sebastião Rodrigues Maia, trazer o know-how da criação e da adaptação do soul para terras brasileiras.

Tim – ou Jim, como era conhecido em Tarrytown, cidade do estado de Nova York, para onde migrou no início dos anos 1960 –, passava horas em frente à igreja da cidade para aprender as vocalizações dos hinos gospel entoados ali. Quando voltou ao País, no final da década, ele até experimentou a fórmula em terceiros, mas nada se compara à maneira com que a usou em seus trabalhos.

Tim não se contentou em aproveitar a batida, os timbres e o canto dos negros americanos: ele os adicionou aos gêneros musicais brasileiros. O cancioneiro do cantor carioca tem soul com elementos do samba, do forró, do baião. As ideias de Tim Maia ao lado de artistas como Hyldon e Cassiano são o ponto de partida de uma música black tipicamente brasileira. Já a chegada do movimento Black Rio, na segunda metade dos anos 1970, adicionou ao balanço um forte discurso político e social.

Tim Maia em 1988, em show no Parque do Carmo, em São Paulo Foto: Ana Carolina Fernandes/Estadão

Posteriormente, essa salada sonora seria absorvida por outros gêneros brasileiros. O tal pagode de São Paulo, muito popular nos anos 1990, adaptou para seu universo o R&B, uma vertente mais eletrônica e “rapeira” (de rap) do soul.

Mas, Wellington, você deve ter percebido que mudo de assunto como de rota, certo? Naquele domingo fomos de Tim Maia a Hyldon e de Cassiano a Sandra de Sá com a mesma velocidade em que pedi para mudar o ponto final da viagem.

Para a gente chegar ao ponto principal do assunto, falemos das mudanças da soul music em seu local de origem e de como ela afetou o cancioneiro daqui. Eles alteraram por várias vezes seu modo de produção. Tentaram retomar a sonoridade dos anos 1960 e 1970, estreitaram os laços com o universo hip hop, colocaram música eletrônica… Uma loucura. E aqui a gente foi pelo mesmo caminho, com grupos que fazem uso do pagode romântico de décadas atrás com a soul music e até gente que prima pela soul music mais ortodoxa.

Wellington, são tantas opções que, se for citar todo mundo, vou acabar te deixando zonzo. Mas posso me ater a dois deles. Gosto de Os Garotin, um trio de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, e que tem uma encantadora pegada de samba e soul – evidenciada pelas letras românticas. Em São Paulo, a minha dica é o Vértice, trio onde o cantor e produtor Silvera se une ao cantor André Mota e à talentosa vocalista Jamah. O trabalho deles é um pop delicioso, que certamente vai aliviar aquele trânsito intenso na Avenida Matarazzo.

Cantar soul music é para quem tem voz e emoção. Uma das coisas que me chatearam nas artistas da geração recente, principalmente as que apareciam em reality show de calouros, era aquela mania de emular os gorjeios de Mariah Carey e Whitney Houston, na qual se desaprendeu até a pronunciar a letra em português – virava um ámo (sic) no lugar de amo que me deixa maluco. Hoje temos vocalistas que abrasileiraram a nossa pronúncia, nos deixando mais próximos de Sandra de Sá e Lady Zu, divas do balanço nacional, que de Whitney. Bom, mais uma vez vou te poupar da lista enorme. Comece, então, por uma intérprete goiana chamada Bruna Mendez.

Amigo Wellington, caso você não curta as novidades dessa lista, tem um monte de gente da boa e velha guarda que está lançando single – Hyldon, o veterano grupo paulistano Placa Luminosa. Mas se me permite mais uma dica de gente nova, recomendo aqui Josiel Konrad, trombonista de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Boca no Trombone, de 2023, tem até funk carioca vertido para o balanço soul. E aqui, o balanço ganha boas doses de jazz e improvisação.

Sei que as coisas devem estar corridas e o trânsito exige que você preste mais atenção aos carros ao seu lado do que no texto. Tudo certo: eu fiz até uma playlist para você não se perder (e me permiti colocar umas antigas que a gente gosta). E até a próxima viagem regada a soul…

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