Quando Be Here Now, terceiro álbum do quinteto Oasis, chegou às lojas no dia 21 de agosto de 1997, parecia que o universo do entretenimento havia se deparado com a obra-prima das obras-primas. A imprensa, em especial a inglesa, classificou o trabalho dos irmãos Noel e Liam Gallagher de “o disco para dominar o mundo” a “uma máquina de sucessos impossível de ser contida.” O público também correspondeu ao entusiasmo: Be Here Now contabilizou 696 mil cópias comercializadas na primeira semana de lançamento e se tornou o álbum que mais rápido vendeu no mercado britânico – o recorde foi quebrado 18 anos depois por 25, terceiro disco de Adele.
Passados poucos meses daquele ano de 1997, o mesmo álbum que tanto movimentou a indústria e a crítica sofreu uma rejeição como poucas vistas no mundo da música. As lojas e sebos de discos usados foram soterrados de cópias do que, supostamente, iria mudar a história do showbiz. O entusiasmo da crítica foi transferido para a cantora Bjork, para o grupo Radiohead e para a dupla The Chemical Brothers. O próprio Noel Gallagher passou de declarações como “vamos eclipsar os músicos desse país” para depois classificar Be Here Now como “o som de cinco caras no estúdio que não se importavam com nada além de tomar drogas.”
No universo musical, acidentes de percurso como esse do Oasis são conhecidos pelo termo backlash – retaliação, em português. Muito utilizado nos meios jurídicos, seria um contra-ataque a uma decisão judicial. Mas para críticos e amantes de música, backlash é algo – seja um popstar ou disco – recebido com um entusiasmo desenfreado e que perde a relevância com o passar do tempo.
No caso do Oasis e seu Be Here Now, o frenesi foi alimentado por bastidores das gravações espalhados nos veículos de imprensa, acordos de confidencialidade assinados pelos jornalistas que iriam escrever sobre o álbum (na época, uma raridade) e um pouco de mea culpa. (What`s the Story) Morning Glory, lançamento anterior dos irmãos Gallagher, foi pessimamente recebido pela maioria dos críticos – que perceberam a mancada assim que canções como Wonderwall e Don`t Look Back in Anger explodiram nas paradas de sucesso. Outra resenha destruidora poderia colocar em xeque a capacidade desses profissionais em reconhecer um álbum fora do comum.
Se Sigmund Freud (1856-1939) não esmiúça o backlash, Carl Jung (1875-1961) teria até uma teoria razoável para isso. Geralmente, causa no ouvinte e no crítico a mesma ilusão do ser humano que jura ter achado o amor de sua vida. Ele, então, se enamora a ponto de projetar sua idealização de perfeição no objeto de seu afeto. Com o passar do tempo, essa lua de mel dá vez às percepções dos defeitos e das sombras que, num primeiro momento, o do encantamento, a pessoa tende a não enxergar. Luiz Couto, terapeuta junguiano que me ajudou nessa explanação, calcula que normalmente esse feitiço dura por volta de dois anos. Mas Be Here Now foi executado de maneira tão maciça que em poucos meses todos se decepcionaram com a obra.
O desejo de se apaixonar por algo novo e supostamente revolucionário explica o endeusamento de certas cantoras – e, veja bem, o talento delas não está sendo contestado. Por exemplo, Norah Jones. Em 2002, a cantora americana lançou seu álbum de estreia, Come Away With Me. Puxado pela canção I Don`t Know Why, ele vendeu 30 milhões de cópias no mundo inteiro e arrematou cinco prêmios Grammy, inclusive de álbum do ano. Ela foi comparada a Ella Fitzgerald (sim, ELLA FITZGERALD) e integrou listas das melhores intérpretes do gênero em todos os tempos. No ano seguinte, contudo, os críticos apontaram a pouca intimidade de Norah com o gênero. Mais maldoso, o jornal inglês The Guardian deu às canções da intérprete o apelido de phony (falsas). Mas ela conseguiu se recriar e investiu no folk americano, sua especialidade, ou em projetos experimentais – Rome, ao lado do DJ e produtor Danger Mouse e Forever, uma coleção de standards da country music ao lado de Billie Joe, cantor e guitarrista do Green Day, são altamente recomendáveis.
O cantor e guitarrista Lenny Kravitz, por seu turno, foi alvo de um merecido backlash. Quando surgiu, no início dos anos 1990, foi saudado como um compositor que se utilizava de elementos do rock e da soul music dos anos 1960 e 1970, dando a eles um ar moderno. Por um tempo, ele até angariou simpatia de críticos e conquistou um público fiel, que se encantou principalmente pelo ar vintage de seus videoclipes. O excesso de pose e o reciclar constante de timbres e clichês passadistas o afastaram dos tempos de sucesso.
“A década de 1980 foi a época dos discos que hoje todo mundo tem vergonha”, diz meu amigo Zé Pedro, DJ e dono da gravadora Joia Moderna, referindo-se aos tempos em que a camiseta verde limão e o mullet (aquele penteado estilo Chitão e Xororó) eram populares nas danceterias. O excesso de produção fez com que muitos lançamentos daquele período não resistissem ao teste de durabilidade. Revoluções por Minuto, do grupo paulistano R.P.M., e muitas produções das cantoras Simone e Fafá de Belém que pecaram pelo excesso de teclados hoje não resistem a uma audição mais apurada. Ah, sim, eu ainda gosto do primeiro disco do R.P.M., apesar dos exageros.
O backlash nos dias de hoje é ainda mais cruel por conta da velocidade em que ídolos são eleitos e destronados num piscar de olhos. O sucesso de hoje se resume a um single, que pode durar no máximo duas semanas. E caso o cantor (ou MC, grupo e o que mais surgir) não substituir este hit por outra batida pegajosa, será relegado à vala comum dos artistas de um hit só.
A velocidade do backlash, aliás, também atingiu o Oasis. Em artigo recentemente publicado no Guardian, o jornalista Simon Price decretou que o retorno dos irmãos Gallagher às boas – e com direito a uma turnê bilionária – é o fenômeno cultural mais danoso à história da Inglaterra e condenou o comportamento misógino e machista dos irmãos. Um backlash feito com a velocidade que os tempos atuais pedem…