Uma publicação da página oficial da Academia Brasileira de Letras (ABL) no Instagram tem causado comoção entre os fãs de produções coreanas e gerado debate sobre a definição do termo “dorama”, que foi classificado como uma nova palavra da língua portuguesa pela instituição.
Até o momento, o post já soma mais de 10 mil curtidas e 560 comentários, números expressivo se comparados com o engajamento habitual do perfil da ABL. Uma publicação recente divulgando uma oportunidade de visita à sede da instituição, por exemplo, tem 1,8 mil curtidas e 16 comentários.
Na imagem divulgada na última segunda-feira, 23, a ABL definiu o dorama como uma “obra audiovisual de ficção em formato de série, produzida no leste e sudeste da Ásia, de gêneros e temas diversos, em geral com elenco local e no idioma do país de origem”.
Na legenda, a organização disse que os doramas surgiram no Japão na década de 1950 e “se expandiram para outros países asiáticos, adquirindo características e marcas culturais próprias de cada território”. A ABL diz que outras denominações são usadas para identificar o país de origem, a partir de “estrangeirismos da língua inglesa”, como J-drama (doramas japoneses), K-drama (coreanos), C-drama (chineses).
Depois de algum tempo, a publicação começou a viralizar e receber críticas de fãs de dramas coreanos, que afirmam que, por ser uma palavra de origem japonesa, “dorama” não deveria ser usado como um termo guarda-chuva, pois geraria um apagamento de produções de outros países asiatísticos e de suas diferenças culturais.
“Não é bem assim não ABL, não tem isso de ‘obra visual de ficção em formato de série produzida no leste e sudeste da Ásia’. Sem falar que vocês, por serem o que são, deveriam saber da problemática de usar esse termo para outros países além do Japão”, escreveu um usuário, que ainda disse que o post é “um grande desserviço”.
Por outro lado, teve quem defendesse a ABL, comemorando o fato de que produções asiáticos estão sendo mais recebidas pelo grande público brasileiro. “As dorameiros e dorameiros pulam de alegria”, escreveu uma pessoa.
“Eu sempre bati na tecla de que a língua é viva e com o passar do tempo as palavras podem assumir novos significados e sentidos pra uma comunidade, país ou região. Quantas palavras no português originadas de outros países usamos em nosso idioma? Inúmeras”, opinou outra internauta, que se disse “maravilhada” com o post.
Afinal, o que é dorama?
Na publicação, a ABL cita apenas o dicionário Oxford de língua inglesa como referência. A definição usada, contudo, é a da palavra “k-drama”, que é usada justamente para os dramas coreanos. O Estadão entrou em contato com a ABL, que não respondeu às perguntas de imediato. O espaço segue aberto.
A reportagem também conversou com Manu Gerino, da página Coreanismo, especialista em filmes e séries coreanas, que explicou a origem do termo “dorama”:
Manu Gerino
“‘Dorama’ nasceu da pronúncia do japonês. Não há encontro consonantal em japonês, então ao falarem ‘drama’, colocam o som do ‘O’ entre o ‘d’ e o ‘r’. O mesmo acontece no coreano, mas não é o ‘O’ que é colocado e sim o ‘EU’. O som do coreano falando é muito mais perto de “drama” mesmo do que de ‘dorama’”, explica. Escute a comparação:
custom_embed - assetsPara Manu, ver o termo aparecendo na ABL é um primeiro passo para aumentar o alcance de produções coreanas e diminuir o domínio de séries e filmes estadunidense. “Só que agora falta lapidar, usar o termo certo para a coisa certa. Se for para olhar como algo pronto, imutável, aí eu não ficaria feliz, porque a definição está errada”, explica.
Para ela, faltou conhecimento histórico da ABL para falar sobre o termo. “Até a primeira metade do século 20, o Japão invadia a Coreia, e lá aconteceu todo tipo de violência inerente a uma colonização. Morte, tortura, escravidão, estupro, e também violências culturais, como proibir o uso do idioma, fazer com que pessoas mudassem seus nomes coreanos para nomes japoneses. Então hoje, quando usamos um termo japonês para algo coreano, essa lembrança de violência vem junto”.
*Estagiária sob supervisão de Charlise Morais