NOVA YORK – “Às vezes eu realmente gostaria de fazer tudo de um jeito diferente”, disse Andrea Riseborough. “Mas acabo fazendo do jeito que faço mesmo. E aí vêm as consequências.” Ela parou por um instante, apertou os lábios com um sorriso fino. “Acho que soou meio dramático demais”, acrescentou ela.
Tudo isso aconteceu numa tarde do início de março, e Riseborough, 42 anos, atriz metamórfica com um preocupante senso de compromisso, estava em um café do West Village, com uma cesta de batatas fritas encharcadas de vinagre à sua frente. Ela muitas vezes fica irreconhecível de um projeto para outro, uma combinação de maquiagem, penteado (Meryl Streep está para os sotaques assim como Riseborough para os cabelos) e uma transformação profunda. Aqui, fora das telas, ela vestia um moletom do Mickey Mouse sob uma jaqueta de couro cheia de detalhes. Seu cabelo, ainda crescendo depois do corte drástico que ela fez para a série O Regime, da HBO, estava puxado para trás.
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Pessoalmente, ela é uma mistura peculiar de severidade e indiferença. Ela sabe que tem uma reputação de seriedade, a qual rejeita. “Seria muito estranho pedir desculpas por ser séria quando você está rindo tanto”, disse ela. Mas quase não a ouvi dando risada.
Ela ponderava cada pergunta cuidadosamente, e suas respostas muitas vezes eram mais filosóficas do que pessoais. “As pessoas”, ela dizia em lugar de “eu”. Ou “a maioria das pessoas”. Ou “todo mundo”. Seu rosto, relaxado e sem maquiagem, não é especialmente tranquilo. Ela tem um certo ar de vigilância, de pensamentos girando por trás daqueles olhos.
Em suas duas décadas no ramo, estimulada por uma ética de trabalho incansável que às vezes a levou a concluir até cinco projetos por ano, ela acumulou trabalhos no teatro, no cinema e na televisão. É difícil encontrar uma linha direta entre esses empreendimentos, tanto comerciais quanto independentes, na comédia, na tragédia e no terror.
Em 2022, por exemplo, ela estrelou o musical queer repleto de sexo Please Baby Please, lançado por sua produtora; o estrábico drama do entreguerras Amsterdam; o ruidoso filme infantil Matilda: O Musical; o sombrio thriller escandinavo O Preço do Perdão; e o angustiante filme independente ambientado no Texas, A Sorte Grande, pelo qual Riseborough recebeu sua primeira indicação ao Oscar. (Essa indicação foi complicada por suspeitas de irregularidades na campanha, embora a Academia tenha concluído que ninguém violou nenhuma diretriz). Tente ligar esses pontos.
Nem Riseborough consegue. Ela recusa qualquer estratégia e, se tem uma agenda nos papéis que escolhe, é uma agenda muito bem escondida – talvez até dela mesma. Quando sugeri que ela talvez tivesse uma essência forte, que a lançava tão completamente a tantas histórias, tantas vidas, ela discordou.
Andrea Riseborough
Ela parece atraída por mulheres tristes, mulheres angustiadas, mulheres em circunstâncias extremas. Isso descreveria seus projetos atuais: a minissérie O Regime, na qual ela interpreta Agnes, a criada de uma ditadora, e o drama romântico Alice & Jack, da PBS, no qual ela estrela como Alice, uma financista bem-sucedida que supera traumas do passado só para reencontrá-los no presente.
Seu papel no filme Lee, que será lançado ainda este ano, pode parecer diferente, à primeira vista: ela interpreta uma editora da Vogue britânica. Mas acontece que essa editora tem um papel fundamental na decisão de publicar ou não fotos do campo de concentração de Dachau.
Riseborough não vê um padrão. “Mesmo a pessoa mais comum tem muita dor na experiência humana”, disse ela. “Viver não é fácil, não importa os privilégios que você tenha ou não tenha. A experiência humana para todo mundo é incrivelmente desafiadora. Já interpretei muitas pessoas com muita dor? Ou será que simplesmente interpretei muitas pessoas passando por coisas?” Depois ela cedeu um pouco. Uma atriz, ela admitiu, poderia optar por não ir a esses lugares, não encarar esses papéis, seguir uma versão mais alegre de seu ofício. Riseborough nunca fez essas escolhas.
O começo de tudo
Ela cresceu em Newcastle, uma cidade industrial no nordeste da Inglaterra. Seu pai e sua mãe, ambos da classe trabalhadora, eram apaixonados por teatro e cinema e transmitiram essa paixão a Riseborough e sua irmã mais nova. Riseborough era uma dançarina ávida, fazia mais de vinte horas de aula por semana. Na escola ela se envolveu com o People’s Theatre, uma proeminente companhia de teatro amador, “uma coisa maravilhosa e alegre de se fazer parte”, disse ela.
Ela continuou atuando durante todo o ensino fundamental e o médio, antes de abandonar os estudos aos 17 anos para trabalhar numa série de empregos temporários. Riseborough é um tanto oblíqua nas conversas, tende a dar respostas genéricas a perguntas específicas. Mas este foi o único momento – quando lhe perguntei por que ela tinha abandonado a escola – em que ela evitou conscientemente uma resposta direta.
“Na época, era insustentável”, disse ela. “É isso que me sinto confortável em responder”.
Essa decisão a impediu de atuar por um tempo. As peças eram à noite; o trabalho no restaurante também. Mas, dois anos depois, ela fez o teste e foi aceita na Royal Academy of Dramatic Art. Embora grande parte da formação fosse psicológica, o curso também dava ênfase ao trabalho de respiração, à fala e ao movimento, técnicas físicas de que ela se vale ainda hoje.
“Ela tem um instrumento vocal lindo, lindo, e um controle incrível do corpo”, disse Victor Levin, o produtor executivo de Alice & Jack. “Ela consegue expressar histórias com os membros, com a posição da cabeça, com o que ela faz com os olhos.”
Mas Riseborough jamais se valeria apenas da técnica. E a ideia de relaxar, descansar ou recorrer ao meramente físico durante um dia de folga a repele. “Não sei como fazer as coisas se não for para valer”, disse ela.
Will Tracy, que criou O Regime, confirmou isso. “Ela é uma das artistas mais honestas que conheço”, disse ele. “Esse tipo de verdade emocional na atuação, não entendo como funciona. E me pergunto se ela entende.”
Ela começou a carreira profissional antes de se formar e, depois de alguns anos trabalhando no teatro, começou a acumular créditos em filmes: Não Me Abandone Jamais, O Pior dos Pecados, Revolução em Dagenham. Ela interpretou a jovem Margaret Thatcher no filme para televisão The Long Walk to Finchley e estrelou como Wallis Simpson em W.E. - O Romance do Século, dirigido por Madonna.
Indicação controversa ao Oscar
Se o público americano a reconhece – e dadas as perucas, é um “se” bem grande – deve ser por causa de A Sorte Grande, no qual ela estrelou como uma mãe solo alcoólatra. O filme, dirigido por Michael Morris, arrecadou apenas US$ 27 mil durante o lançamento inicial nos cinemas, mas Riseborough recebeu uma indicação de Melhor Atriz, pelo menos em parte impulsionada pelas muitas celebridades de Hollywood que tuitaram com elogios.
Riseborough não disse exatamente de quem foi a ideia de reunir esses apoios (“Não havia ninguém responsável por isso”, disse ela) nem se a investigação que se seguiu manchou a indicação. Ela está orgulhosa de ter feito o filme e feliz que as pessoas o tenham visto.
“O que ficou claro foi que a história tocou muitas pessoas que foram profundamente marcadas pelo alcoolismo”, disse ela.
Isso ressoou em Marc Maron, que também estrela o filme. “Quando você vê o trabalho dela, você percebe que ela vive só para isso”, disse ele. Outros atores e atrizes, disse ele, têm experiência com entrevistas, facilidade com o tapete vermelho. Riseborough não.
“Tem toda uma outra parte do trabalho de atores e atrizes com a qual ela realmente não se importa, o que é uma coisa linda”, disse ele. “Não sei como é a vida dela. Mas a intensidade que ela traz para o trabalho parece uma coisa de vida ou morte, e é um jeito incrível de viver a sua arte, sabe?”
Esse jeito tem suas consequências. Riseborough quebrou as duas pernas em um ensaio para a série Zero Zero Zero, da Amazon. Outros projetos a deixaram fisicamente doente. “É uma profissão muito estranha, porque afeta você no nível celular”, disse ela.
O Regime
Na série atual, os riscos são mais emocionais. Em O Regime, Agnes é forçada a compartilhar o próprio filho com a déspota. Seu rosto é uma máscara de neutralidade, com horror por baixo. Em Alice & Jack, Alice, espinhosa como um porco-espinho, anseia por amor ao mesmo em que empurra Jack (Domhnall Gleeson) para longe. Em ambos os papéis, ela precisa sentir, sentir e sentir, e esses sentimentos raramente são felizes ou fáceis.
Aqui, pelo menos, ela admite uma certa continuidade. “O que realmente me atrai é a complexidade”, disse ela, passando rapidamente do específico para o geral. “É maravilhoso quando você vê a experiência humana capturada de uma forma que abrange a vastidão e a complicação do que é ser humano.”
Sua vida privada talvez seja menos complicada. Ela e seu companheiro, o ator Karim Saleh (eles se conheceram no set de Luxor), dividem o tempo entre Los Angeles e Paris, embora ela não fique em casa por muito tempo. Nas raras horas de folga, gosta de ler, escrever e passear. É uma inveterada observadora de pessoas. “Às vezes é meio bizarro”, disse ela. “Eu tento não ser muito bizarra.”
Ela passou duas décadas sem planos específicos para a carreira. E não traça nenhum plano daqui para frente. “Eu me sinto muito no começo de tudo”, disse ela. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU