O sucesso de The Flight Attendant assim que estreou, no auge da pandemia, foi uma surpresa até para o criador do programa, Steve Yockey. Afinal, trata-se de uma comédia sobre uma comissária de bordo alcoólatra que se envolve em uma intriga internacional com toques de Hitchcock e 007. “É uma série estranha”, disse ele em entrevista com a participação do Estadão, por videoconferência. “Fiquei chocado com a reação e empolgação pela segunda temporada”, completou. Os dois primeiros episódios da nova leva estreiam nesta quinta, 21, na HBO Max. O choque é porque The Flight Attendant, baseada no livro de Chris Bohjalian, não oferece o conforto proporcionado pela série Ted Lasso, cujo sucesso durante o confinamento é autoexplicativo. As coisas mais surreais acontecem com Cassie Bowden (Kaley Cuoco, indicada para o Emmy pelo papel) o tempo todo, sem pausas. “Eu sei que as pessoas ficam gritando com a TV, dizendo: ‘Não faça isso, não faça isso!’”, contou a atriz, que também é produtora da série. Cuoco entende a reação. Cassie faz as coisas mais absurdas depois de despertar em um mar de sangue do bonitão com quem tinha passado a noite anterior. “Quando li o livro, eu pensava: mas por que essa mulher ia tentar pegar seu voo depois de acordar ao lado de um cadáver?”, contou Cuoco.
“Mas eu assisti a muitos episódios de Dateline (programa semanal sobre crimes reais). As pessoas fazem essas coisas, por medo ou choque. Elas tomam decisões que você acha que nunca tomaria, mas a verdade é que nunca se sabe como reagir em uma situação dessas.” Yockey acredita que o sucesso vem da mistura de escapismo e fantasia – na primeira temporada, Cassie tinha conversas com Alex (Michiel Huisman), o morto, e viajava para Roma e para a Tailândia. “Mas eu também acho que a série tem uma história real e sensível para contar”, revelou. Cassie é uma mulher cheia de defeitos, que não dá conta de ser uma boa amiga, irmã, profissional e abusa do álcool para mascarar seus traumas.
Para Natalie Chaidez, que assumiu o posto de cocriadora na segunda temporada, é muito entusiasmante ver personagens femininas complexas como Cassie, sua melhor amiga Annie (Zosia Mamet) e sua colega de trabalho Megan (Rosie Perez) na televisão. “Muita gente falou: ‘Mas por que as pessoas vão gostar dela? Vão achar que ela é uma vaca. Ela é muito cheia de problemas. Ela não pode ter um filho ou um cachorro?’. Fico feliz de estarmos em um momento na televisão em que uma mulher como Cassie é aceita e amada. Ela parece uma mulher real para nós, mulheres.” Há espaço até para mostrar uma mulher de meia-idade, Megan, que se acha invisível, sofre os efeitos da menopausa e está se encontrando, mesmo tendo de fugir de espiões da Coreia do Norte.
Na segunda temporada, Cassie tenta emendar-se. Mudou-se de Nova York para Los Angeles, frequenta reuniões dos Alcoólicos Anônimos, tem um namorado. Mas também está colaborando com a CIA e, logo de cara, em Berlim, vê uma mulher igual a ela colocando uma bomba em um carro. Cassie sendo Cassie, pode tanto ser fruto de sua imaginação quanto alguém tentando incriminá-la. Em vez de conversar com um homem morto, Cassie tem conversas consigo mesma, ou melhor, com versões de si mesma: há a Cassie divertida, a mal-humorada, a adolescente, aquela que ela gostaria de ser. Ela reencontra sua mãe, interpretada por Sharon Stone, o que faz parte de seu caminho penoso para ficar sóbria. Ou seja, nada mudou em The Flight Attendant, que vai continuar equilibrando os pratinhos da comédia, da espionagem, do suspense enquanto trata de temas sérios como trauma e alcoolismo.