Como é ‘O Jogo Que Mudou a História’, série angustiante sobre as origens do crime organizado no Rio


Produção com Babu Santana, Jonathan Azevedo e Vanessa Giácomo mostra história do surgimento de facções e guerra real que começou um jogo de futebol e durou 25 anos. ‘Buscamos mostrar uma história que todo mundo acha que sabe, mas não conhece magnitude’, diz diretor

Por Sabrina Legramandi

Mais de mil áreas conflagradas. Quase duas dezenas de grupos armados disputando território. Facções do narcotráfico e milícias. Essa é a realidade atual do crime organizado no Rio de Janeiro, já tema de inúmeros filmes, séries, novelas. O Jogo Que Mudou a História, nova série que chega ao Globoplay nesta quinta, 13, quer ir a fundo e mostrar um olhar inédito do que originaria, durante a ditadura militar, as facções e uma guerra que durou 25 anos.

“Nós buscamos mostrar uma história que todo mundo acha que sabe, mas, de fato, não conhece na sua magnitude”, diz José Junior, diretor da produção, ao Estadão. A trama se desenvolve a partir dos acontecimentos no presídio de Ilha Grande e favelas no Rio no fim dos anos 1970.

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Babu Santana interpreta Hoffman em 'O Jogo Que Mudou a História'. Foto: Globoplay/Divulgação

Um dos fatos retratados é o que ficou conhecido como a Noite de São Bartolomeu, em 1979, na Ilha Grande, que daria origem à facção Falange Vermelha. Outro é a primeira grande guerra entre duas facções: a disputa de Vigário Geral e Parada de Lucas, que começou durante uma partida de futebol em 1983 e durou 25 anos. Até hoje, a facção vencedora, Terceiro Comando, continua dominando o território.

A cena, gravada em um campo de terra batida no Parque Analândia, mostra o intenso confronto entre 400 policiais e Chico da Cavanha (Rômulo Braga). O confronto não é visto já nos primeiros episódios: será detalhado até o estopim ao longo da temporada.

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José Junior sabe que “falar de segurança pública, hoje, é igual falar de futebol: todo mundo tem uma opinião”. O diferencial de O Jogo Que Mudou A História, contudo, é o que não está em livros e nem em filmes: ele buscou relatos da boca e da memória dos atingidos pelas origens das facções. A série traz pitadas de ficção, mas é, quase totalmente, baseada em acontecimentos reais - ou em “facções reais”, como define a própria produção. “Tem pouca liberdade poética”, avisa o diretor.

Para ele, O Jogo “é uma série feita pelo ponto de vista dos presos, dos bandidos, dos moradores das favelas e dos agentes penitenciários”. José conta que, para compor a produção, conversou com pessoas que, direta ou indiretamente, viveram a partida retratada, além de agentes penitenciários e egressos do sistema prisional com mais de 80 anos.

“Nós fizemos uma pesquisa muito orgânica, muito profunda nesse aspecto”, afirma. “Eu, José Junior, não li nada, não li nenhum livro, não vi nenhum filme que me trouxesse algum tipo de referência, mas eu tive esse acesso, que é um acesso maravilhoso, ímpar, um acesso único.”

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Angústias do sistema prisional brasileiro

O primeiro episódio da produção logo impacta: são cenas fortes e angustiantes, focadas, nesse primeiro momento, no presídio de Ilha Grande. Para dar ainda mais fidelidade às sequências, José Junior escolheu gravar não em estúdios, mas em presídios reais: o Complexo Penitenciário da Frei Caneca, já desativado, e o Complexo Penitenciário de Gericinó, o Bangu 1. A direção de arte ainda teve o reforço de Tulé Peake, responsável por produções como Cidade de Deus e Tropa de Elite.

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No período de pesquisa para a trama, o diretor ainda conseguiu autorização, pela vara de execuções penais e pela Secretaria de Administração Penitenciária, para entrar em presídios e conversar com presos. “Boa parte dos que eu conversei tinha mais de 50 anos, alguns até com 60. Alguns não viveram aquela época na Ilha Grande, mas conhecem as histórias”, diz.

O início de O Jogo Que Mudou a História acompanha Egídio (Ravel Andrade), jovem sem antecedentes criminais, preso por atropelar e matar a filha de um general, e Jesus Pedra (Raphael Logam), novo carcereiro que chega a Ilha Grande. À época, o presídio misturava presos comuns com presos políticos.

Ravel Andrade como Egídio em 'O Jogo Que Mudou a História'. Foto: Bernardo Jardim/Globoplay/Divulgação
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O Jogo também traz egressos do sistema prisional no elenco. Ravel Andrade, que se disse “atravessado por muitos sentimentos” enquanto gravava nos presídios, narra uma ocasião em que um dos egressos, ao adormecer em uma cela, acordou assustado ao imaginar que estaria vivendo novamente aquela realidade.

“Aquilo causou um pânico tremendo nele”, comenta o ator em entrevista coletiva realizada com o diretor e o elenco. O personagem não é baseado em alguém real, mas representa a juventude de classe média no período da ditadura. Para Ravel, Egídio mostra que o sistema prisional pode, rapidamente, transformar presos em criminosos.

“A cadeia é daquele jeito mesmo”, afirma. “Tomara que as pessoas abram os olhos e se preocupem um pouco com a condição carcerária no Brasil.”

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O ator certo para o personagem certo

José Junior se orgulha de, segundo ele, “ter o mérito de enxergar o ator certo para essas histórias”. Ele cita a presença de Jaílson Silva (que interpreta Belmiro) e Pedro Wagner (que vive Amarildo) no elenco, artistas escolhidos para um papel - originalmente, de irmãos gêmeos - que seria de Matheus Nachtergaele.

O diretor diz não se preocupar em ter um elenco recheado de nomes famosos. “Eu trabalho com alma e com verdade”, afirma. Jaílson foi uma indicação de Matheus. Pedro é descrito por José como “um dos 10 melhores atores do Brasil”.

Mas também há outros nomes já bem conhecidos. Vanessa Giácomo surge como Marta, uma das moradoras da fictícia favela Padre Nosso. Em nota exclusiva enviada ao Estadão, a atriz descreve que a personagem a tirou da “zona de conforto”.

Vanessa Giácomo interpreta Marta em 'O Jogo Que Mudou a História'. Foto: Bernardo Jardim/Globoplay/Divulgação

[Ela] não tem a minha idade e eu não tenho essa vivência dela”, diz. “Marta me coloca em um lugar que como artista acho muito interessante. Quero me aprofundar, eu gosto de desafio.”

500 personagens reais em 12 protagonistas

O Jogo Que Mudou a História é lotado de protagonistas: são 12 no total. O número, porém, não chega nem perto da quantidade real de pessoas envolvidas nos acontecimentos retratados na série. Ao todo, segundo José Junior, eram mais de 500.

Todos os protagonistas são apresentados já nos dois primeiros episódios. No capítulo de estreia, além de Egídio e Jesus Pedra, conhecemos figuras como Rosevan (Bukassa Kabengele), conhecido como Mestre, e Hoffman (Babu Santana). Eles são integrantes da Turma do Fundão, facção que dará origem à Falange Vermelha.

Bukassa Kabengele interpreta Rosevan, o Mestre, em 'O Jogo Que Mudou a História'. Foto: César Diógenes/Globoplay/Divulgação

Babu conta que só aceitou fazer esse tipo de personagem por O Jogo ser um projeto de José Junior. “Eu sabia que [o diretor, José Junior] iria ter um olhar afetivo dentro do caos. [...] O registro das pessoas que viveram essa situação, como nós, que moramos em favelas, é muito importante”, afirma.

O segundo episódio retrata esse impacto do crime organizado para moradores de favelas no Rio de Janeiro. As cenas foram filmadas em comunidades como Vigário Geral e Parada de Lucas.

Lá, conhecemos personagens como Gegê (Samuel Melo), Binho (João Fernandes), Renatinho (Fabricio Assis) e Ivete (Giulia Tavares). Também há o carismático Gilsinho, interpretado por Jonathan Azevedo, que se torna uma figura mítica na trama.

Jonathan Azevedo interpreta Gilsinho em 'O Jogo Que Mudou a História'. Foto: César Diógenes/Globoplay/Divulgação

Jonathan descreve Gilsinho como “um dos maiores traficantes e empreendedores do Brasil” e diz que empresta seu próprio carisma ao personagem. “Um dos maiores desafios foi entender como a dinâmica do nosso País mudou com o Gilsinho. E essa mesma visão eu também quero mudar com a minha arte”, afirma.

O Jogo Que Mudou a História é uma parceria da Globoplay com a AfroReggae Audiovisual, produtora responsável por Arcanjo Renegado e Betinho: No Fio da Navalha. O serviço de streaming da Globo disponibilizará dois capítulos por semana, sempre às quintas. Ao todo, são 10 episódios.

Mais de mil áreas conflagradas. Quase duas dezenas de grupos armados disputando território. Facções do narcotráfico e milícias. Essa é a realidade atual do crime organizado no Rio de Janeiro, já tema de inúmeros filmes, séries, novelas. O Jogo Que Mudou a História, nova série que chega ao Globoplay nesta quinta, 13, quer ir a fundo e mostrar um olhar inédito do que originaria, durante a ditadura militar, as facções e uma guerra que durou 25 anos.

“Nós buscamos mostrar uma história que todo mundo acha que sabe, mas, de fato, não conhece na sua magnitude”, diz José Junior, diretor da produção, ao Estadão. A trama se desenvolve a partir dos acontecimentos no presídio de Ilha Grande e favelas no Rio no fim dos anos 1970.

Babu Santana interpreta Hoffman em 'O Jogo Que Mudou a História'. Foto: Globoplay/Divulgação

Um dos fatos retratados é o que ficou conhecido como a Noite de São Bartolomeu, em 1979, na Ilha Grande, que daria origem à facção Falange Vermelha. Outro é a primeira grande guerra entre duas facções: a disputa de Vigário Geral e Parada de Lucas, que começou durante uma partida de futebol em 1983 e durou 25 anos. Até hoje, a facção vencedora, Terceiro Comando, continua dominando o território.

A cena, gravada em um campo de terra batida no Parque Analândia, mostra o intenso confronto entre 400 policiais e Chico da Cavanha (Rômulo Braga). O confronto não é visto já nos primeiros episódios: será detalhado até o estopim ao longo da temporada.

José Junior sabe que “falar de segurança pública, hoje, é igual falar de futebol: todo mundo tem uma opinião”. O diferencial de O Jogo Que Mudou A História, contudo, é o que não está em livros e nem em filmes: ele buscou relatos da boca e da memória dos atingidos pelas origens das facções. A série traz pitadas de ficção, mas é, quase totalmente, baseada em acontecimentos reais - ou em “facções reais”, como define a própria produção. “Tem pouca liberdade poética”, avisa o diretor.

Para ele, O Jogo “é uma série feita pelo ponto de vista dos presos, dos bandidos, dos moradores das favelas e dos agentes penitenciários”. José conta que, para compor a produção, conversou com pessoas que, direta ou indiretamente, viveram a partida retratada, além de agentes penitenciários e egressos do sistema prisional com mais de 80 anos.

“Nós fizemos uma pesquisa muito orgânica, muito profunda nesse aspecto”, afirma. “Eu, José Junior, não li nada, não li nenhum livro, não vi nenhum filme que me trouxesse algum tipo de referência, mas eu tive esse acesso, que é um acesso maravilhoso, ímpar, um acesso único.”

Angústias do sistema prisional brasileiro

O primeiro episódio da produção logo impacta: são cenas fortes e angustiantes, focadas, nesse primeiro momento, no presídio de Ilha Grande. Para dar ainda mais fidelidade às sequências, José Junior escolheu gravar não em estúdios, mas em presídios reais: o Complexo Penitenciário da Frei Caneca, já desativado, e o Complexo Penitenciário de Gericinó, o Bangu 1. A direção de arte ainda teve o reforço de Tulé Peake, responsável por produções como Cidade de Deus e Tropa de Elite.

No período de pesquisa para a trama, o diretor ainda conseguiu autorização, pela vara de execuções penais e pela Secretaria de Administração Penitenciária, para entrar em presídios e conversar com presos. “Boa parte dos que eu conversei tinha mais de 50 anos, alguns até com 60. Alguns não viveram aquela época na Ilha Grande, mas conhecem as histórias”, diz.

O início de O Jogo Que Mudou a História acompanha Egídio (Ravel Andrade), jovem sem antecedentes criminais, preso por atropelar e matar a filha de um general, e Jesus Pedra (Raphael Logam), novo carcereiro que chega a Ilha Grande. À época, o presídio misturava presos comuns com presos políticos.

Ravel Andrade como Egídio em 'O Jogo Que Mudou a História'. Foto: Bernardo Jardim/Globoplay/Divulgação

O Jogo também traz egressos do sistema prisional no elenco. Ravel Andrade, que se disse “atravessado por muitos sentimentos” enquanto gravava nos presídios, narra uma ocasião em que um dos egressos, ao adormecer em uma cela, acordou assustado ao imaginar que estaria vivendo novamente aquela realidade.

“Aquilo causou um pânico tremendo nele”, comenta o ator em entrevista coletiva realizada com o diretor e o elenco. O personagem não é baseado em alguém real, mas representa a juventude de classe média no período da ditadura. Para Ravel, Egídio mostra que o sistema prisional pode, rapidamente, transformar presos em criminosos.

“A cadeia é daquele jeito mesmo”, afirma. “Tomara que as pessoas abram os olhos e se preocupem um pouco com a condição carcerária no Brasil.”

O ator certo para o personagem certo

José Junior se orgulha de, segundo ele, “ter o mérito de enxergar o ator certo para essas histórias”. Ele cita a presença de Jaílson Silva (que interpreta Belmiro) e Pedro Wagner (que vive Amarildo) no elenco, artistas escolhidos para um papel - originalmente, de irmãos gêmeos - que seria de Matheus Nachtergaele.

O diretor diz não se preocupar em ter um elenco recheado de nomes famosos. “Eu trabalho com alma e com verdade”, afirma. Jaílson foi uma indicação de Matheus. Pedro é descrito por José como “um dos 10 melhores atores do Brasil”.

Mas também há outros nomes já bem conhecidos. Vanessa Giácomo surge como Marta, uma das moradoras da fictícia favela Padre Nosso. Em nota exclusiva enviada ao Estadão, a atriz descreve que a personagem a tirou da “zona de conforto”.

Vanessa Giácomo interpreta Marta em 'O Jogo Que Mudou a História'. Foto: Bernardo Jardim/Globoplay/Divulgação

[Ela] não tem a minha idade e eu não tenho essa vivência dela”, diz. “Marta me coloca em um lugar que como artista acho muito interessante. Quero me aprofundar, eu gosto de desafio.”

500 personagens reais em 12 protagonistas

O Jogo Que Mudou a História é lotado de protagonistas: são 12 no total. O número, porém, não chega nem perto da quantidade real de pessoas envolvidas nos acontecimentos retratados na série. Ao todo, segundo José Junior, eram mais de 500.

Todos os protagonistas são apresentados já nos dois primeiros episódios. No capítulo de estreia, além de Egídio e Jesus Pedra, conhecemos figuras como Rosevan (Bukassa Kabengele), conhecido como Mestre, e Hoffman (Babu Santana). Eles são integrantes da Turma do Fundão, facção que dará origem à Falange Vermelha.

Bukassa Kabengele interpreta Rosevan, o Mestre, em 'O Jogo Que Mudou a História'. Foto: César Diógenes/Globoplay/Divulgação

Babu conta que só aceitou fazer esse tipo de personagem por O Jogo ser um projeto de José Junior. “Eu sabia que [o diretor, José Junior] iria ter um olhar afetivo dentro do caos. [...] O registro das pessoas que viveram essa situação, como nós, que moramos em favelas, é muito importante”, afirma.

O segundo episódio retrata esse impacto do crime organizado para moradores de favelas no Rio de Janeiro. As cenas foram filmadas em comunidades como Vigário Geral e Parada de Lucas.

Lá, conhecemos personagens como Gegê (Samuel Melo), Binho (João Fernandes), Renatinho (Fabricio Assis) e Ivete (Giulia Tavares). Também há o carismático Gilsinho, interpretado por Jonathan Azevedo, que se torna uma figura mítica na trama.

Jonathan Azevedo interpreta Gilsinho em 'O Jogo Que Mudou a História'. Foto: César Diógenes/Globoplay/Divulgação

Jonathan descreve Gilsinho como “um dos maiores traficantes e empreendedores do Brasil” e diz que empresta seu próprio carisma ao personagem. “Um dos maiores desafios foi entender como a dinâmica do nosso País mudou com o Gilsinho. E essa mesma visão eu também quero mudar com a minha arte”, afirma.

O Jogo Que Mudou a História é uma parceria da Globoplay com a AfroReggae Audiovisual, produtora responsável por Arcanjo Renegado e Betinho: No Fio da Navalha. O serviço de streaming da Globo disponibilizará dois capítulos por semana, sempre às quintas. Ao todo, são 10 episódios.

Mais de mil áreas conflagradas. Quase duas dezenas de grupos armados disputando território. Facções do narcotráfico e milícias. Essa é a realidade atual do crime organizado no Rio de Janeiro, já tema de inúmeros filmes, séries, novelas. O Jogo Que Mudou a História, nova série que chega ao Globoplay nesta quinta, 13, quer ir a fundo e mostrar um olhar inédito do que originaria, durante a ditadura militar, as facções e uma guerra que durou 25 anos.

“Nós buscamos mostrar uma história que todo mundo acha que sabe, mas, de fato, não conhece na sua magnitude”, diz José Junior, diretor da produção, ao Estadão. A trama se desenvolve a partir dos acontecimentos no presídio de Ilha Grande e favelas no Rio no fim dos anos 1970.

Babu Santana interpreta Hoffman em 'O Jogo Que Mudou a História'. Foto: Globoplay/Divulgação

Um dos fatos retratados é o que ficou conhecido como a Noite de São Bartolomeu, em 1979, na Ilha Grande, que daria origem à facção Falange Vermelha. Outro é a primeira grande guerra entre duas facções: a disputa de Vigário Geral e Parada de Lucas, que começou durante uma partida de futebol em 1983 e durou 25 anos. Até hoje, a facção vencedora, Terceiro Comando, continua dominando o território.

A cena, gravada em um campo de terra batida no Parque Analândia, mostra o intenso confronto entre 400 policiais e Chico da Cavanha (Rômulo Braga). O confronto não é visto já nos primeiros episódios: será detalhado até o estopim ao longo da temporada.

José Junior sabe que “falar de segurança pública, hoje, é igual falar de futebol: todo mundo tem uma opinião”. O diferencial de O Jogo Que Mudou A História, contudo, é o que não está em livros e nem em filmes: ele buscou relatos da boca e da memória dos atingidos pelas origens das facções. A série traz pitadas de ficção, mas é, quase totalmente, baseada em acontecimentos reais - ou em “facções reais”, como define a própria produção. “Tem pouca liberdade poética”, avisa o diretor.

Para ele, O Jogo “é uma série feita pelo ponto de vista dos presos, dos bandidos, dos moradores das favelas e dos agentes penitenciários”. José conta que, para compor a produção, conversou com pessoas que, direta ou indiretamente, viveram a partida retratada, além de agentes penitenciários e egressos do sistema prisional com mais de 80 anos.

“Nós fizemos uma pesquisa muito orgânica, muito profunda nesse aspecto”, afirma. “Eu, José Junior, não li nada, não li nenhum livro, não vi nenhum filme que me trouxesse algum tipo de referência, mas eu tive esse acesso, que é um acesso maravilhoso, ímpar, um acesso único.”

Angústias do sistema prisional brasileiro

O primeiro episódio da produção logo impacta: são cenas fortes e angustiantes, focadas, nesse primeiro momento, no presídio de Ilha Grande. Para dar ainda mais fidelidade às sequências, José Junior escolheu gravar não em estúdios, mas em presídios reais: o Complexo Penitenciário da Frei Caneca, já desativado, e o Complexo Penitenciário de Gericinó, o Bangu 1. A direção de arte ainda teve o reforço de Tulé Peake, responsável por produções como Cidade de Deus e Tropa de Elite.

No período de pesquisa para a trama, o diretor ainda conseguiu autorização, pela vara de execuções penais e pela Secretaria de Administração Penitenciária, para entrar em presídios e conversar com presos. “Boa parte dos que eu conversei tinha mais de 50 anos, alguns até com 60. Alguns não viveram aquela época na Ilha Grande, mas conhecem as histórias”, diz.

O início de O Jogo Que Mudou a História acompanha Egídio (Ravel Andrade), jovem sem antecedentes criminais, preso por atropelar e matar a filha de um general, e Jesus Pedra (Raphael Logam), novo carcereiro que chega a Ilha Grande. À época, o presídio misturava presos comuns com presos políticos.

Ravel Andrade como Egídio em 'O Jogo Que Mudou a História'. Foto: Bernardo Jardim/Globoplay/Divulgação

O Jogo também traz egressos do sistema prisional no elenco. Ravel Andrade, que se disse “atravessado por muitos sentimentos” enquanto gravava nos presídios, narra uma ocasião em que um dos egressos, ao adormecer em uma cela, acordou assustado ao imaginar que estaria vivendo novamente aquela realidade.

“Aquilo causou um pânico tremendo nele”, comenta o ator em entrevista coletiva realizada com o diretor e o elenco. O personagem não é baseado em alguém real, mas representa a juventude de classe média no período da ditadura. Para Ravel, Egídio mostra que o sistema prisional pode, rapidamente, transformar presos em criminosos.

“A cadeia é daquele jeito mesmo”, afirma. “Tomara que as pessoas abram os olhos e se preocupem um pouco com a condição carcerária no Brasil.”

O ator certo para o personagem certo

José Junior se orgulha de, segundo ele, “ter o mérito de enxergar o ator certo para essas histórias”. Ele cita a presença de Jaílson Silva (que interpreta Belmiro) e Pedro Wagner (que vive Amarildo) no elenco, artistas escolhidos para um papel - originalmente, de irmãos gêmeos - que seria de Matheus Nachtergaele.

O diretor diz não se preocupar em ter um elenco recheado de nomes famosos. “Eu trabalho com alma e com verdade”, afirma. Jaílson foi uma indicação de Matheus. Pedro é descrito por José como “um dos 10 melhores atores do Brasil”.

Mas também há outros nomes já bem conhecidos. Vanessa Giácomo surge como Marta, uma das moradoras da fictícia favela Padre Nosso. Em nota exclusiva enviada ao Estadão, a atriz descreve que a personagem a tirou da “zona de conforto”.

Vanessa Giácomo interpreta Marta em 'O Jogo Que Mudou a História'. Foto: Bernardo Jardim/Globoplay/Divulgação

[Ela] não tem a minha idade e eu não tenho essa vivência dela”, diz. “Marta me coloca em um lugar que como artista acho muito interessante. Quero me aprofundar, eu gosto de desafio.”

500 personagens reais em 12 protagonistas

O Jogo Que Mudou a História é lotado de protagonistas: são 12 no total. O número, porém, não chega nem perto da quantidade real de pessoas envolvidas nos acontecimentos retratados na série. Ao todo, segundo José Junior, eram mais de 500.

Todos os protagonistas são apresentados já nos dois primeiros episódios. No capítulo de estreia, além de Egídio e Jesus Pedra, conhecemos figuras como Rosevan (Bukassa Kabengele), conhecido como Mestre, e Hoffman (Babu Santana). Eles são integrantes da Turma do Fundão, facção que dará origem à Falange Vermelha.

Bukassa Kabengele interpreta Rosevan, o Mestre, em 'O Jogo Que Mudou a História'. Foto: César Diógenes/Globoplay/Divulgação

Babu conta que só aceitou fazer esse tipo de personagem por O Jogo ser um projeto de José Junior. “Eu sabia que [o diretor, José Junior] iria ter um olhar afetivo dentro do caos. [...] O registro das pessoas que viveram essa situação, como nós, que moramos em favelas, é muito importante”, afirma.

O segundo episódio retrata esse impacto do crime organizado para moradores de favelas no Rio de Janeiro. As cenas foram filmadas em comunidades como Vigário Geral e Parada de Lucas.

Lá, conhecemos personagens como Gegê (Samuel Melo), Binho (João Fernandes), Renatinho (Fabricio Assis) e Ivete (Giulia Tavares). Também há o carismático Gilsinho, interpretado por Jonathan Azevedo, que se torna uma figura mítica na trama.

Jonathan Azevedo interpreta Gilsinho em 'O Jogo Que Mudou a História'. Foto: César Diógenes/Globoplay/Divulgação

Jonathan descreve Gilsinho como “um dos maiores traficantes e empreendedores do Brasil” e diz que empresta seu próprio carisma ao personagem. “Um dos maiores desafios foi entender como a dinâmica do nosso País mudou com o Gilsinho. E essa mesma visão eu também quero mudar com a minha arte”, afirma.

O Jogo Que Mudou a História é uma parceria da Globoplay com a AfroReggae Audiovisual, produtora responsável por Arcanjo Renegado e Betinho: No Fio da Navalha. O serviço de streaming da Globo disponibilizará dois capítulos por semana, sempre às quintas. Ao todo, são 10 episódios.

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