BERLIM - O Regime, a estranha nova minissérie da HBO, é como o sonho de um adolescente sobre uma ditadura. Na longa e às vezes pesada história de um país sem nome na “Europa Central”, há várias referências, mais literárias do que vividas, aos maiores sucessos autoritários dos últimos 50 anos.
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A chanceler Elena Vernham, interpretada de forma excelente por Kate Winslet, não é nenhum Adolf Hitler. Ela pode ter uma crueldade narcisista, mas também é indecisa e fraca, desesperada por amor, facilmente manipulada por vários bajuladores.
Will Tracy, criador e co-roteirista da série, disse que leu 20 livros sobre autocracias, líderes autoritários e estados totalitários para desenvolver os seis episódios. Mas em sua mistura de sátira, pastelão, comédia e análise, O Regime é mais parecida com a Freedonia dos Irmãos Marx em Duck Soup (1933) ou com o Ducado Europeu de Grand Fenwick em O Rato Que Ruge (1959) do que com qualquer ditadura do passado.
A série brinca, em linhas gerais, com a mecânica do populismo e a competição global por recursos raros, mas o que distingue O Regime é, na verdade, uma ruptura com a História: sua líder incontestável é uma mulher.
A chanceler de Winslet é uma hipocondríaca nervosa, vulgar e insegura, obcecada por seu pai exigente, talvez uma referência sorrateira a Marine Le Pen, da França.
A produção se preocupa com ansiedades típicas do século 21 sobre mulheres poderosas e as mudanças de humor da menopausa, enquanto a protagonista se apaixona por um cabo camponês durão, um “verdadeiro homem do povo”, interpretado por Matthias Schoenaerts. O soldado Zubak, conhecido como “Açougueiro”, cheio de suas próprias neuroses, torna-se uma espécie de Rasputin, um confidente, nutricionista, ajudante e amante.
As ditadoras da vida real
No mundo real, as mulheres que associamos aos regimes autoritários são geralmente a parte inferior de ditaduras conjugais lideradas por homens.
O principal exemplo é Jiang Qing, “Madame Mao”, a quarta mulher do líder chinês Mao Zedong. Ela era conhecida como a “Grande Porta-Bandeira da Revolução Proletária” durante a agitação em massa da revolução cultural da China. Após a morte de Mao, ela foi presa - uma indicação de seu poder e influência. Finalmente libertada da prisão, ela cometeu suicídio, ou pelo menos é o que dizem, em 1991.
Há também Imelda Marcos, das Filipinas, famosa por sua alegre vulgaridade e três mil pares de sapatos, mas que também exerceu um poder considerável mesmo depois que seu marido, Ferdinand, foi deposto em 1986. Mais tarde, ela foi eleita membro do parlamento, e seu filho, Ferdinand “Bongbong” Marcos Jr., é atualmente presidente das Filipinas.
Mas talvez o país mais próximo da essência de O Regime seja a Romênia e o exemplo de outra Elena, Elena Ceausescu, mulher do presidente e ditador Nicolae. Imensamente poderosa por causa do marido, ela foi sua vice-primeira-ministra de 1980 até a revolução romena de 1989.
Acredita-se que ela tenha se inspirado em Madame Mao e que teve uma influência extraordinária sobre a política social e cultural da Romênia. Em dezembro de 1989, ela e seu marido foram presos por rebeldes, e o casal foi executado por um pelotão de fuzilamento no dia de Natal.
Referências a ditaduras reais
O Regime foi filmado quase inteiramente em Viena, a grandiloquente capital de um império perdido, e a série tem elementos espirituosos de Ruritânia. As cenas no palácio dourado de Elena foram filmadas no Palácio de Schönbrunn, ao qual os produtores da série acrescentaram algumas cúpulas estranhas, fazendo com que ele se pareça um pouco com o Palácio do Povo em Bucareste, construído com um custo altíssimo por Ceausescu e com quase quatro milhões de metros quadrados.
No auge de seu medo de mofo, Elena é carregada pelo palácio em uma espécie de palanquim fechado, o que me fez lembrar, no mínimo, do papamóvel. Sua paranoia ecoa o medo de Vladimir Putin em relação à covid-19 (e ela mantém a corte política em torno de uma mesa redonda ridiculamente enorme, também como o presidente russo).
Elena sonha em parar a revolução contra ela por meio de um discurso para multidões de adoradores na sacada do palácio, como fez Ceausescu, apenas para ser recebida com vaias. E tanto o presidente sérvio Slobodan Milosevic quanto Ceausescu enfrentaram revoltas populares, que ecoam em O Regime, mas com (pequeno spoiler) resultados diferentes.
Fora da capital dourada, o país de Elena parece mais inspirado na Europa Oriental pós-comunista, dada a melancolia geral e a prevalência de carros Lada e Trabant.
A série brinca com o cinismo do populismo, pois Elena finge reverenciar a identidade nacional, as tradições e o folclore (aqui personificado pela beterraba açucareira). Ela entoa slogans como “vocês são o povo de verdade” e “eu tiro forças do povo” e fala de seu amor mútuo.
Em um determinado momento, tentando agradar aos camponeses, a chanceler se livra de seus vestidos justos e coloca uma peruca loira trançada, fazendo eco à política ucraniana Yulia Tymoshenko. Após o colapso da União Soviética e a independência da Ucrânia, um consultor de imagem tentou transformar Tymoshenko, uma rica princesa do gás natural próxima de Moscou, em uma espécie de modesta professora de aldeia. Ela começou a usar vestidos discretos em cores claras e copiou seu penteado trançado da cultura popular ucraniana, na esperança de demonstrar inocência e patriotismo.
Embalsamamento
A série se diverte muito com o estranho culto político do embalsamamento. Os soviéticos, seguindo o exemplo dos faraós, revigoraram o embalsamamento, por assim dizer, quando colocaram o cadáver de Vladimir Lênin em exposição permanente. Eles fizeram o mesmo com Josef Stalin, pelo menos até Nikita Khrushchev fazer seu discurso secreto sobre a desestalinização em 1956. Mas foi somente em 1961 que o governo ousou remover Stalin de seu lugar ao lado de Lênin e enterrá-lo no muro do Kremlin. Lênin ainda está em exibição, conhecido pelos russos como “o peixe defumado”.
Mao foi embalsamado da mesma forma, assim como o revolucionário vietnamita Ho Chi Minh. Por um tempo, até mesmo Ferdinand Marcos foi embalsamado e colocado em exposição, assim como sua mãe, até que ele foi finalmente enterrado nas Filipinas em 2016, 27 anos após sua morte.
Eu sou uma das, presumivelmente, poucas pessoas que viram todos esses ex-líderes em exposição (exceto Stalin), um feito impossível agora que Marcos e sua mãe foram enterrados. Em O Regime, o corpo do pai de Elena tem um fim mais degradante.
E há muitas referências irônicas à Grã-Bretanha.
Em dado ponto, a chanceler acorda com um intruso em seu quarto, que ela tenta acalmar antes que o Açougueiro chegue para salvá-la - um episódio tirado diretamente da vida da falecida Rainha Elizabeth II - que não era nenhuma ditadora, certamente? Em outro momento, ela tenta dar uma entrevista caseira com o marido em uma cozinha que se parece extraordinariamente com a do número 10 da Downing Street, em Londres, onde mora o primeiro-ministro britânico e onde David Cameron às vezes escolhe ser entrevistado.
Apesar do esforço da série em construir um país exótico inventado, todos nessa “Mittel Europa” são, na verdade, interpretados por atores britânicos, exceto Zubak, o personagem que representa o “povo real” do país. Schoenaerts, um ator belga, fala inglês com um sotaque rude até então desconhecido pelos ouvidos humanos.
De alguma forma, o palácio parece ter tomadas elétricas britânicas, as cenas do proletariado foram filmadas em uma parte pobre de Londres, o líder do temido sindicato da beterraba é um britânico de ascendência indiana, e os ministros insatisfeitos de Elena conspiram debilmente contra ela em uma discoteca britânica dos anos 1980.
Economizando nos custos de produção? Ou uma crítica à Grã-Bretanha pós-Brexit?
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