Análise|Como The Acolyte brigou com fãs conservadores de Star Wars e atraiu um novo público para a franquia


Primeira temporada da série chega ao fim nesta terça-feira, 16

Por Mariana Canhisares
Atualização:

The Acolyte encerra sua primeira temporada nesta terça-feira, 16, no Disney+, após oito episódios bastante divisivos. De um lado, há o espectador que se encantou com a nova história do universo Star Wars, centrada em duas irmãs gêmeas, Osha e Mae (ambas vividas por Amandla Stenberg), separadas na infância e colocadas em lados opostos da Força. No outro extremo, há quem considerou a série descuidada por interpretar que ela compromete conceitos estabelecidos pelas produções anteriores.

Amandla Stenberg e Manny Jacinto em 'The Acolyte' Foto: Disney+

Pois bem, reações extremas estão longe de ser uma novidade quando o assunto é a galáxia muito, muito distante, principalmente nos trabalhos mais recente. A verdade é que desde o lançamento do filme Os Últimos Jedi, em 2017, poucos foram os títulos em live-action que tiveram uma recepção unânime e positiva – menos recorrente ainda foram aquelas que receberam uma fração da reverência que as trilogias anteriores têm hoje na cultura pop.

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Com exceção dos seriados The Mandalorian e Andor, dois exemplos muito bem recebidos por críticos e público, o restante dos lançamentos da franquia conseguiu, no máximo, feedbacks mornos. Obi-Wan Kenobi, por exemplo, foi massacrada por apostar quase exclusivamente no retorno de Ewan McGregor para se sustentar. Já Ahsoka, que teve sim reações positivas, não foi capaz de estourar a bolha e atingir um público além dos fãs deste universo.

The Acolyte é, portanto, um caso curioso na expansão recente de Star Wars. Ainda que a série não esteja imune a críticas – a criação da showrunner Leslye Headland (Boneca Russa) está longe de ser perfeita –, é claro seu mérito de atrair um novo público, graças a um olhar inédito para uma franquia que há muito flerta com o esgotamento. E esse resultado surpreendentemente favorável se dá, entre outras razões, pelo período no qual Headland decidiu ambientar a história de Osha e Mae.

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Antes da Saga Skywalker

The Acolyte se passa 100 anos antes de A Ameaça Fantasma, ou seja, antes da chamada Saga Skywalker, de modo que a série tira a pressão do espectador de ter um conhecimento minucioso sobre Star Wars.

O fã apaixonado ainda tem recompensas com easter eggs e com a possibilidade de teorizar quais serão os próximos desdobramentos. Em contrapartida, quem só sabe que este é um universo onde existem espadas espaciais coloridas (chamadas de sabres de luz, está bem?) não fica para trás. Pelo contrário: é introduzido a partir de uma perspectiva bem menos maniqueísta – e, portanto, menos habitual – ao universo criado por George Lucas na década de 1970.

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Quando o cineasta moldou a jornada de Luke Skywalker (Mark Hamill) contra o Império Galáctico, a ideia era apresentar uma alegoria contra o autoritarismo, na qual era papel dos Jedi questionar o status quo e lutar pela liberdade. Já a provocação sadia de The Acolyte é questionar o comportamento dos Jedi se fossem eles a ordem dominante.

A série o faz não como um exercício para duvidar ou menosprezar a seriedade dos regimes de opressão, e, sim, para enfatizar o quão sedutor e apelativo pode ser o poder.

Jodie Turner-Smith em 'The Acolyte' Foto: Disney
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Explico: as protagonistas Mae e Osha nasceram entre mulheres capazes de usar a Força, mas que não seguem a doutrina Jedi. Por isso, são sistematicamente perseguidas, tendo as práticas associadas ao Lado Sombrio e as figuras equiparadas aos Lordes Sith, vilões que usam os poderes da Força para fins violentos e gananciosos.

Há, nessa dinâmica, um comentário pouco sutil, mas interessante sobre preconceito religioso, que aproxima a trama de situações reais da vida do espectador. Isso, por si só, já seria uma qualidade notável e coerente para uma produção da saga, conhecida também por centrar tantos dos seus conflitos em dinâmicas reconhecíveis, sobretudo no âmbito da família. Contudo, do ponto de vista narrativo, há um atrativo particular: o constante questionamento sobre o que é certo ou errado — e, portanto, o que faz de alguém um vilão ou mocinho nessa história.

Um vilão cativante

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Manny Jacinto em 'The Acolyte' Foto: Disney+

O que nos leva à figura de Qimir (Manny Jacinto), personagem que não raramente rouba a cena na série. Trata-se de alguém que não demonstra qualquer remorso por matar seus inimigos e, mesmo assim, ele é capaz de convencer os espectadores sobre a validade da sua reivindicação.

Qimir é, sem dúvida, o grande acerto da série. Porque, embora The Acolyte traga nuance a conceitos pré-estabelecidos no universo Star Wars, o personagem é a prova de como ela também os enfatiza. Ao colocar no centro da trama um antagonista com uma moral maleável e fazer com que o público se encante com ele, a produção faz mais do que subverter a expectativa sobre quem se admira e quem se despreza na trama. A série evidencia o quão sedutor pode ser o Lado Sombrio.

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Vale ressaltar que a escolha do termo “sedutor” aqui é bem proposital, porque Jacinto traz de fato um charme inigualável para o personagem, a ponto gerar vídeos com edições no Tiktok exaltando-o e, consequentemente, motivando as pessoas a assistirem à série. Como o próprio Qimir explica a Osha, além do medo e da raiva, o desejo é também uma fonte intensa de poder. Brincadeiras à parte, no caso específico da audiência da série, Qimir foi uma ferramenta de persuasão bem eficiente.

Em outras palavras, The Acolyte tira proveito do poder de todo vilão cativante: desperta a curiosidade e atrai novos espectadores; reforça as ideias que são alicerce para a produção; e até compensa a balança quando a execução das suas boas ideias deixa a desejar.

A(s) polêmica(s)

Ainda que estas sejam ideias instigantes, a proposta de The Acolyte coloca em xeque o caráter dos Jedi, algo que naturalmente desagrada alguns dos fãs mais assíduos. É compreensível: em um fandom em que o cânone por vezes é tratado como uma escritura sagrada, desviar dele, ainda que nas nuances, soa quase como uma ofensa.

Não à toa, de modo análogo ao que aconteceu em Os Últimos Jedi, quando o diretor e roteirista Rian Johnson apresentou um Luke envelhecido e hesitante quanto sua fé, The Acolyte paga o preço pela ousadia de não ser convencionalmente reverente, como seus antecessores.

Lee Jung-jae, Carrie-Anne Moss e Dean-Charles Chapman em 'The Acolyte' Foto: Disney+

Mas a verdade é que The Acolyte já nasceu divisivo. Isso porque Headland declarou no início do projeto que a sala de roteiristas incluía profissionais que nunca assistiram a um filme de Star Wars. Para ela, essa era uma forma de garantir uma perspectiva nova para a franquia. Para parcela dos fãs, foi um sinal de descaso.

Ou seja, não é surpreendente que a série continue hoje vivendo na sombra dessa fama desagradável. Mas talvez o ódio (ou hate, como dizem) seja mesmo desmedido. E isso fica particularmente nítido ao notar outra semelhança importante entre The Acolyte e Os Últimos Jedi: atores de ambas as produções sofreram ataques racistas.

Em 2017, a vítima foi a atriz Kelly Marie Tran, que se viu obrigada a deixar as redes sociais tamanha a gravidade e abundância dos comentários ofensivos após ser introduzida à franquia como Rose. John Boyega, que viveu Finn, um dos protagonistas da trilogia mais recente, também não passou ileso. O ator chegou a ter uma reunião com a Disney e a Lucasfilm para expressar sua frustração com a falta de apoio das empresas nesse momento tão delicado.

Já em 2024, estamos diante de um elenco majoritariamente não-branco, cuja simples presença em tela se torna motivo de incômodo. Stenberg, inclusive, se pronunciou publicamente a respeito, lançando uma música.

Segundo o influenciador e criador de conteúdo João Jedi, dono do canal do Youtube Diário Rebelde, especializado em Star Wars, a associação entre diversidade e falta de qualidade da produção é infelizmente muito comum no lado mais tóxico do fandom na hora de fazer críticas.

“Não quer dizer que a maioria [dos fãs] seja assim, mas estes são muito vocais. Eles atribuem às vezes de forma velada, às vezes muito às claras, a diversidade como motivo para a possível falta de tato ou de tino do roteiro”, analisou. “[A diversidade] não necessariamente influencia a história, mas que só por estar ali já é um ponto de conflito para eles”.

Contudo, para Jedi, a presença de atores de diferentes etnias é, na verdade, outra razão para justificar a chegada de espectadores novatos. “Públicos mais novos são muito mais afeitos a esse tipo de conteúdo”.

Quer você seja fã ou não, fato é que The Acolyte propôs um respiro a Star Wars e trouxe uma nova base de fãs para a franquia. Resta saber agora se a produção será capaz de mantê-los ou se a série será apenas um ponto fora da curva no cânone da saga.

Entre erros e acertos, a primeira temporada de The Acolyte acaba nesta terça-feira, 16, com a exibição do último episódio no Disney+, a partir das 22h. Por enquanto, não há confirmação de que a série ganhará uma nova temporada.

The Acolyte encerra sua primeira temporada nesta terça-feira, 16, no Disney+, após oito episódios bastante divisivos. De um lado, há o espectador que se encantou com a nova história do universo Star Wars, centrada em duas irmãs gêmeas, Osha e Mae (ambas vividas por Amandla Stenberg), separadas na infância e colocadas em lados opostos da Força. No outro extremo, há quem considerou a série descuidada por interpretar que ela compromete conceitos estabelecidos pelas produções anteriores.

Amandla Stenberg e Manny Jacinto em 'The Acolyte' Foto: Disney+

Pois bem, reações extremas estão longe de ser uma novidade quando o assunto é a galáxia muito, muito distante, principalmente nos trabalhos mais recente. A verdade é que desde o lançamento do filme Os Últimos Jedi, em 2017, poucos foram os títulos em live-action que tiveram uma recepção unânime e positiva – menos recorrente ainda foram aquelas que receberam uma fração da reverência que as trilogias anteriores têm hoje na cultura pop.

Com exceção dos seriados The Mandalorian e Andor, dois exemplos muito bem recebidos por críticos e público, o restante dos lançamentos da franquia conseguiu, no máximo, feedbacks mornos. Obi-Wan Kenobi, por exemplo, foi massacrada por apostar quase exclusivamente no retorno de Ewan McGregor para se sustentar. Já Ahsoka, que teve sim reações positivas, não foi capaz de estourar a bolha e atingir um público além dos fãs deste universo.

The Acolyte é, portanto, um caso curioso na expansão recente de Star Wars. Ainda que a série não esteja imune a críticas – a criação da showrunner Leslye Headland (Boneca Russa) está longe de ser perfeita –, é claro seu mérito de atrair um novo público, graças a um olhar inédito para uma franquia que há muito flerta com o esgotamento. E esse resultado surpreendentemente favorável se dá, entre outras razões, pelo período no qual Headland decidiu ambientar a história de Osha e Mae.

Antes da Saga Skywalker

The Acolyte se passa 100 anos antes de A Ameaça Fantasma, ou seja, antes da chamada Saga Skywalker, de modo que a série tira a pressão do espectador de ter um conhecimento minucioso sobre Star Wars.

O fã apaixonado ainda tem recompensas com easter eggs e com a possibilidade de teorizar quais serão os próximos desdobramentos. Em contrapartida, quem só sabe que este é um universo onde existem espadas espaciais coloridas (chamadas de sabres de luz, está bem?) não fica para trás. Pelo contrário: é introduzido a partir de uma perspectiva bem menos maniqueísta – e, portanto, menos habitual – ao universo criado por George Lucas na década de 1970.

Quando o cineasta moldou a jornada de Luke Skywalker (Mark Hamill) contra o Império Galáctico, a ideia era apresentar uma alegoria contra o autoritarismo, na qual era papel dos Jedi questionar o status quo e lutar pela liberdade. Já a provocação sadia de The Acolyte é questionar o comportamento dos Jedi se fossem eles a ordem dominante.

A série o faz não como um exercício para duvidar ou menosprezar a seriedade dos regimes de opressão, e, sim, para enfatizar o quão sedutor e apelativo pode ser o poder.

Jodie Turner-Smith em 'The Acolyte' Foto: Disney

Explico: as protagonistas Mae e Osha nasceram entre mulheres capazes de usar a Força, mas que não seguem a doutrina Jedi. Por isso, são sistematicamente perseguidas, tendo as práticas associadas ao Lado Sombrio e as figuras equiparadas aos Lordes Sith, vilões que usam os poderes da Força para fins violentos e gananciosos.

Há, nessa dinâmica, um comentário pouco sutil, mas interessante sobre preconceito religioso, que aproxima a trama de situações reais da vida do espectador. Isso, por si só, já seria uma qualidade notável e coerente para uma produção da saga, conhecida também por centrar tantos dos seus conflitos em dinâmicas reconhecíveis, sobretudo no âmbito da família. Contudo, do ponto de vista narrativo, há um atrativo particular: o constante questionamento sobre o que é certo ou errado — e, portanto, o que faz de alguém um vilão ou mocinho nessa história.

Um vilão cativante

Manny Jacinto em 'The Acolyte' Foto: Disney+

O que nos leva à figura de Qimir (Manny Jacinto), personagem que não raramente rouba a cena na série. Trata-se de alguém que não demonstra qualquer remorso por matar seus inimigos e, mesmo assim, ele é capaz de convencer os espectadores sobre a validade da sua reivindicação.

Qimir é, sem dúvida, o grande acerto da série. Porque, embora The Acolyte traga nuance a conceitos pré-estabelecidos no universo Star Wars, o personagem é a prova de como ela também os enfatiza. Ao colocar no centro da trama um antagonista com uma moral maleável e fazer com que o público se encante com ele, a produção faz mais do que subverter a expectativa sobre quem se admira e quem se despreza na trama. A série evidencia o quão sedutor pode ser o Lado Sombrio.

Vale ressaltar que a escolha do termo “sedutor” aqui é bem proposital, porque Jacinto traz de fato um charme inigualável para o personagem, a ponto gerar vídeos com edições no Tiktok exaltando-o e, consequentemente, motivando as pessoas a assistirem à série. Como o próprio Qimir explica a Osha, além do medo e da raiva, o desejo é também uma fonte intensa de poder. Brincadeiras à parte, no caso específico da audiência da série, Qimir foi uma ferramenta de persuasão bem eficiente.

Em outras palavras, The Acolyte tira proveito do poder de todo vilão cativante: desperta a curiosidade e atrai novos espectadores; reforça as ideias que são alicerce para a produção; e até compensa a balança quando a execução das suas boas ideias deixa a desejar.

A(s) polêmica(s)

Ainda que estas sejam ideias instigantes, a proposta de The Acolyte coloca em xeque o caráter dos Jedi, algo que naturalmente desagrada alguns dos fãs mais assíduos. É compreensível: em um fandom em que o cânone por vezes é tratado como uma escritura sagrada, desviar dele, ainda que nas nuances, soa quase como uma ofensa.

Não à toa, de modo análogo ao que aconteceu em Os Últimos Jedi, quando o diretor e roteirista Rian Johnson apresentou um Luke envelhecido e hesitante quanto sua fé, The Acolyte paga o preço pela ousadia de não ser convencionalmente reverente, como seus antecessores.

Lee Jung-jae, Carrie-Anne Moss e Dean-Charles Chapman em 'The Acolyte' Foto: Disney+

Mas a verdade é que The Acolyte já nasceu divisivo. Isso porque Headland declarou no início do projeto que a sala de roteiristas incluía profissionais que nunca assistiram a um filme de Star Wars. Para ela, essa era uma forma de garantir uma perspectiva nova para a franquia. Para parcela dos fãs, foi um sinal de descaso.

Ou seja, não é surpreendente que a série continue hoje vivendo na sombra dessa fama desagradável. Mas talvez o ódio (ou hate, como dizem) seja mesmo desmedido. E isso fica particularmente nítido ao notar outra semelhança importante entre The Acolyte e Os Últimos Jedi: atores de ambas as produções sofreram ataques racistas.

Em 2017, a vítima foi a atriz Kelly Marie Tran, que se viu obrigada a deixar as redes sociais tamanha a gravidade e abundância dos comentários ofensivos após ser introduzida à franquia como Rose. John Boyega, que viveu Finn, um dos protagonistas da trilogia mais recente, também não passou ileso. O ator chegou a ter uma reunião com a Disney e a Lucasfilm para expressar sua frustração com a falta de apoio das empresas nesse momento tão delicado.

Já em 2024, estamos diante de um elenco majoritariamente não-branco, cuja simples presença em tela se torna motivo de incômodo. Stenberg, inclusive, se pronunciou publicamente a respeito, lançando uma música.

Segundo o influenciador e criador de conteúdo João Jedi, dono do canal do Youtube Diário Rebelde, especializado em Star Wars, a associação entre diversidade e falta de qualidade da produção é infelizmente muito comum no lado mais tóxico do fandom na hora de fazer críticas.

“Não quer dizer que a maioria [dos fãs] seja assim, mas estes são muito vocais. Eles atribuem às vezes de forma velada, às vezes muito às claras, a diversidade como motivo para a possível falta de tato ou de tino do roteiro”, analisou. “[A diversidade] não necessariamente influencia a história, mas que só por estar ali já é um ponto de conflito para eles”.

Contudo, para Jedi, a presença de atores de diferentes etnias é, na verdade, outra razão para justificar a chegada de espectadores novatos. “Públicos mais novos são muito mais afeitos a esse tipo de conteúdo”.

Quer você seja fã ou não, fato é que The Acolyte propôs um respiro a Star Wars e trouxe uma nova base de fãs para a franquia. Resta saber agora se a produção será capaz de mantê-los ou se a série será apenas um ponto fora da curva no cânone da saga.

Entre erros e acertos, a primeira temporada de The Acolyte acaba nesta terça-feira, 16, com a exibição do último episódio no Disney+, a partir das 22h. Por enquanto, não há confirmação de que a série ganhará uma nova temporada.

The Acolyte encerra sua primeira temporada nesta terça-feira, 16, no Disney+, após oito episódios bastante divisivos. De um lado, há o espectador que se encantou com a nova história do universo Star Wars, centrada em duas irmãs gêmeas, Osha e Mae (ambas vividas por Amandla Stenberg), separadas na infância e colocadas em lados opostos da Força. No outro extremo, há quem considerou a série descuidada por interpretar que ela compromete conceitos estabelecidos pelas produções anteriores.

Amandla Stenberg e Manny Jacinto em 'The Acolyte' Foto: Disney+

Pois bem, reações extremas estão longe de ser uma novidade quando o assunto é a galáxia muito, muito distante, principalmente nos trabalhos mais recente. A verdade é que desde o lançamento do filme Os Últimos Jedi, em 2017, poucos foram os títulos em live-action que tiveram uma recepção unânime e positiva – menos recorrente ainda foram aquelas que receberam uma fração da reverência que as trilogias anteriores têm hoje na cultura pop.

Com exceção dos seriados The Mandalorian e Andor, dois exemplos muito bem recebidos por críticos e público, o restante dos lançamentos da franquia conseguiu, no máximo, feedbacks mornos. Obi-Wan Kenobi, por exemplo, foi massacrada por apostar quase exclusivamente no retorno de Ewan McGregor para se sustentar. Já Ahsoka, que teve sim reações positivas, não foi capaz de estourar a bolha e atingir um público além dos fãs deste universo.

The Acolyte é, portanto, um caso curioso na expansão recente de Star Wars. Ainda que a série não esteja imune a críticas – a criação da showrunner Leslye Headland (Boneca Russa) está longe de ser perfeita –, é claro seu mérito de atrair um novo público, graças a um olhar inédito para uma franquia que há muito flerta com o esgotamento. E esse resultado surpreendentemente favorável se dá, entre outras razões, pelo período no qual Headland decidiu ambientar a história de Osha e Mae.

Antes da Saga Skywalker

The Acolyte se passa 100 anos antes de A Ameaça Fantasma, ou seja, antes da chamada Saga Skywalker, de modo que a série tira a pressão do espectador de ter um conhecimento minucioso sobre Star Wars.

O fã apaixonado ainda tem recompensas com easter eggs e com a possibilidade de teorizar quais serão os próximos desdobramentos. Em contrapartida, quem só sabe que este é um universo onde existem espadas espaciais coloridas (chamadas de sabres de luz, está bem?) não fica para trás. Pelo contrário: é introduzido a partir de uma perspectiva bem menos maniqueísta – e, portanto, menos habitual – ao universo criado por George Lucas na década de 1970.

Quando o cineasta moldou a jornada de Luke Skywalker (Mark Hamill) contra o Império Galáctico, a ideia era apresentar uma alegoria contra o autoritarismo, na qual era papel dos Jedi questionar o status quo e lutar pela liberdade. Já a provocação sadia de The Acolyte é questionar o comportamento dos Jedi se fossem eles a ordem dominante.

A série o faz não como um exercício para duvidar ou menosprezar a seriedade dos regimes de opressão, e, sim, para enfatizar o quão sedutor e apelativo pode ser o poder.

Jodie Turner-Smith em 'The Acolyte' Foto: Disney

Explico: as protagonistas Mae e Osha nasceram entre mulheres capazes de usar a Força, mas que não seguem a doutrina Jedi. Por isso, são sistematicamente perseguidas, tendo as práticas associadas ao Lado Sombrio e as figuras equiparadas aos Lordes Sith, vilões que usam os poderes da Força para fins violentos e gananciosos.

Há, nessa dinâmica, um comentário pouco sutil, mas interessante sobre preconceito religioso, que aproxima a trama de situações reais da vida do espectador. Isso, por si só, já seria uma qualidade notável e coerente para uma produção da saga, conhecida também por centrar tantos dos seus conflitos em dinâmicas reconhecíveis, sobretudo no âmbito da família. Contudo, do ponto de vista narrativo, há um atrativo particular: o constante questionamento sobre o que é certo ou errado — e, portanto, o que faz de alguém um vilão ou mocinho nessa história.

Um vilão cativante

Manny Jacinto em 'The Acolyte' Foto: Disney+

O que nos leva à figura de Qimir (Manny Jacinto), personagem que não raramente rouba a cena na série. Trata-se de alguém que não demonstra qualquer remorso por matar seus inimigos e, mesmo assim, ele é capaz de convencer os espectadores sobre a validade da sua reivindicação.

Qimir é, sem dúvida, o grande acerto da série. Porque, embora The Acolyte traga nuance a conceitos pré-estabelecidos no universo Star Wars, o personagem é a prova de como ela também os enfatiza. Ao colocar no centro da trama um antagonista com uma moral maleável e fazer com que o público se encante com ele, a produção faz mais do que subverter a expectativa sobre quem se admira e quem se despreza na trama. A série evidencia o quão sedutor pode ser o Lado Sombrio.

Vale ressaltar que a escolha do termo “sedutor” aqui é bem proposital, porque Jacinto traz de fato um charme inigualável para o personagem, a ponto gerar vídeos com edições no Tiktok exaltando-o e, consequentemente, motivando as pessoas a assistirem à série. Como o próprio Qimir explica a Osha, além do medo e da raiva, o desejo é também uma fonte intensa de poder. Brincadeiras à parte, no caso específico da audiência da série, Qimir foi uma ferramenta de persuasão bem eficiente.

Em outras palavras, The Acolyte tira proveito do poder de todo vilão cativante: desperta a curiosidade e atrai novos espectadores; reforça as ideias que são alicerce para a produção; e até compensa a balança quando a execução das suas boas ideias deixa a desejar.

A(s) polêmica(s)

Ainda que estas sejam ideias instigantes, a proposta de The Acolyte coloca em xeque o caráter dos Jedi, algo que naturalmente desagrada alguns dos fãs mais assíduos. É compreensível: em um fandom em que o cânone por vezes é tratado como uma escritura sagrada, desviar dele, ainda que nas nuances, soa quase como uma ofensa.

Não à toa, de modo análogo ao que aconteceu em Os Últimos Jedi, quando o diretor e roteirista Rian Johnson apresentou um Luke envelhecido e hesitante quanto sua fé, The Acolyte paga o preço pela ousadia de não ser convencionalmente reverente, como seus antecessores.

Lee Jung-jae, Carrie-Anne Moss e Dean-Charles Chapman em 'The Acolyte' Foto: Disney+

Mas a verdade é que The Acolyte já nasceu divisivo. Isso porque Headland declarou no início do projeto que a sala de roteiristas incluía profissionais que nunca assistiram a um filme de Star Wars. Para ela, essa era uma forma de garantir uma perspectiva nova para a franquia. Para parcela dos fãs, foi um sinal de descaso.

Ou seja, não é surpreendente que a série continue hoje vivendo na sombra dessa fama desagradável. Mas talvez o ódio (ou hate, como dizem) seja mesmo desmedido. E isso fica particularmente nítido ao notar outra semelhança importante entre The Acolyte e Os Últimos Jedi: atores de ambas as produções sofreram ataques racistas.

Em 2017, a vítima foi a atriz Kelly Marie Tran, que se viu obrigada a deixar as redes sociais tamanha a gravidade e abundância dos comentários ofensivos após ser introduzida à franquia como Rose. John Boyega, que viveu Finn, um dos protagonistas da trilogia mais recente, também não passou ileso. O ator chegou a ter uma reunião com a Disney e a Lucasfilm para expressar sua frustração com a falta de apoio das empresas nesse momento tão delicado.

Já em 2024, estamos diante de um elenco majoritariamente não-branco, cuja simples presença em tela se torna motivo de incômodo. Stenberg, inclusive, se pronunciou publicamente a respeito, lançando uma música.

Segundo o influenciador e criador de conteúdo João Jedi, dono do canal do Youtube Diário Rebelde, especializado em Star Wars, a associação entre diversidade e falta de qualidade da produção é infelizmente muito comum no lado mais tóxico do fandom na hora de fazer críticas.

“Não quer dizer que a maioria [dos fãs] seja assim, mas estes são muito vocais. Eles atribuem às vezes de forma velada, às vezes muito às claras, a diversidade como motivo para a possível falta de tato ou de tino do roteiro”, analisou. “[A diversidade] não necessariamente influencia a história, mas que só por estar ali já é um ponto de conflito para eles”.

Contudo, para Jedi, a presença de atores de diferentes etnias é, na verdade, outra razão para justificar a chegada de espectadores novatos. “Públicos mais novos são muito mais afeitos a esse tipo de conteúdo”.

Quer você seja fã ou não, fato é que The Acolyte propôs um respiro a Star Wars e trouxe uma nova base de fãs para a franquia. Resta saber agora se a produção será capaz de mantê-los ou se a série será apenas um ponto fora da curva no cânone da saga.

Entre erros e acertos, a primeira temporada de The Acolyte acaba nesta terça-feira, 16, com a exibição do último episódio no Disney+, a partir das 22h. Por enquanto, não há confirmação de que a série ganhará uma nova temporada.

The Acolyte encerra sua primeira temporada nesta terça-feira, 16, no Disney+, após oito episódios bastante divisivos. De um lado, há o espectador que se encantou com a nova história do universo Star Wars, centrada em duas irmãs gêmeas, Osha e Mae (ambas vividas por Amandla Stenberg), separadas na infância e colocadas em lados opostos da Força. No outro extremo, há quem considerou a série descuidada por interpretar que ela compromete conceitos estabelecidos pelas produções anteriores.

Amandla Stenberg e Manny Jacinto em 'The Acolyte' Foto: Disney+

Pois bem, reações extremas estão longe de ser uma novidade quando o assunto é a galáxia muito, muito distante, principalmente nos trabalhos mais recente. A verdade é que desde o lançamento do filme Os Últimos Jedi, em 2017, poucos foram os títulos em live-action que tiveram uma recepção unânime e positiva – menos recorrente ainda foram aquelas que receberam uma fração da reverência que as trilogias anteriores têm hoje na cultura pop.

Com exceção dos seriados The Mandalorian e Andor, dois exemplos muito bem recebidos por críticos e público, o restante dos lançamentos da franquia conseguiu, no máximo, feedbacks mornos. Obi-Wan Kenobi, por exemplo, foi massacrada por apostar quase exclusivamente no retorno de Ewan McGregor para se sustentar. Já Ahsoka, que teve sim reações positivas, não foi capaz de estourar a bolha e atingir um público além dos fãs deste universo.

The Acolyte é, portanto, um caso curioso na expansão recente de Star Wars. Ainda que a série não esteja imune a críticas – a criação da showrunner Leslye Headland (Boneca Russa) está longe de ser perfeita –, é claro seu mérito de atrair um novo público, graças a um olhar inédito para uma franquia que há muito flerta com o esgotamento. E esse resultado surpreendentemente favorável se dá, entre outras razões, pelo período no qual Headland decidiu ambientar a história de Osha e Mae.

Antes da Saga Skywalker

The Acolyte se passa 100 anos antes de A Ameaça Fantasma, ou seja, antes da chamada Saga Skywalker, de modo que a série tira a pressão do espectador de ter um conhecimento minucioso sobre Star Wars.

O fã apaixonado ainda tem recompensas com easter eggs e com a possibilidade de teorizar quais serão os próximos desdobramentos. Em contrapartida, quem só sabe que este é um universo onde existem espadas espaciais coloridas (chamadas de sabres de luz, está bem?) não fica para trás. Pelo contrário: é introduzido a partir de uma perspectiva bem menos maniqueísta – e, portanto, menos habitual – ao universo criado por George Lucas na década de 1970.

Quando o cineasta moldou a jornada de Luke Skywalker (Mark Hamill) contra o Império Galáctico, a ideia era apresentar uma alegoria contra o autoritarismo, na qual era papel dos Jedi questionar o status quo e lutar pela liberdade. Já a provocação sadia de The Acolyte é questionar o comportamento dos Jedi se fossem eles a ordem dominante.

A série o faz não como um exercício para duvidar ou menosprezar a seriedade dos regimes de opressão, e, sim, para enfatizar o quão sedutor e apelativo pode ser o poder.

Jodie Turner-Smith em 'The Acolyte' Foto: Disney

Explico: as protagonistas Mae e Osha nasceram entre mulheres capazes de usar a Força, mas que não seguem a doutrina Jedi. Por isso, são sistematicamente perseguidas, tendo as práticas associadas ao Lado Sombrio e as figuras equiparadas aos Lordes Sith, vilões que usam os poderes da Força para fins violentos e gananciosos.

Há, nessa dinâmica, um comentário pouco sutil, mas interessante sobre preconceito religioso, que aproxima a trama de situações reais da vida do espectador. Isso, por si só, já seria uma qualidade notável e coerente para uma produção da saga, conhecida também por centrar tantos dos seus conflitos em dinâmicas reconhecíveis, sobretudo no âmbito da família. Contudo, do ponto de vista narrativo, há um atrativo particular: o constante questionamento sobre o que é certo ou errado — e, portanto, o que faz de alguém um vilão ou mocinho nessa história.

Um vilão cativante

Manny Jacinto em 'The Acolyte' Foto: Disney+

O que nos leva à figura de Qimir (Manny Jacinto), personagem que não raramente rouba a cena na série. Trata-se de alguém que não demonstra qualquer remorso por matar seus inimigos e, mesmo assim, ele é capaz de convencer os espectadores sobre a validade da sua reivindicação.

Qimir é, sem dúvida, o grande acerto da série. Porque, embora The Acolyte traga nuance a conceitos pré-estabelecidos no universo Star Wars, o personagem é a prova de como ela também os enfatiza. Ao colocar no centro da trama um antagonista com uma moral maleável e fazer com que o público se encante com ele, a produção faz mais do que subverter a expectativa sobre quem se admira e quem se despreza na trama. A série evidencia o quão sedutor pode ser o Lado Sombrio.

Vale ressaltar que a escolha do termo “sedutor” aqui é bem proposital, porque Jacinto traz de fato um charme inigualável para o personagem, a ponto gerar vídeos com edições no Tiktok exaltando-o e, consequentemente, motivando as pessoas a assistirem à série. Como o próprio Qimir explica a Osha, além do medo e da raiva, o desejo é também uma fonte intensa de poder. Brincadeiras à parte, no caso específico da audiência da série, Qimir foi uma ferramenta de persuasão bem eficiente.

Em outras palavras, The Acolyte tira proveito do poder de todo vilão cativante: desperta a curiosidade e atrai novos espectadores; reforça as ideias que são alicerce para a produção; e até compensa a balança quando a execução das suas boas ideias deixa a desejar.

A(s) polêmica(s)

Ainda que estas sejam ideias instigantes, a proposta de The Acolyte coloca em xeque o caráter dos Jedi, algo que naturalmente desagrada alguns dos fãs mais assíduos. É compreensível: em um fandom em que o cânone por vezes é tratado como uma escritura sagrada, desviar dele, ainda que nas nuances, soa quase como uma ofensa.

Não à toa, de modo análogo ao que aconteceu em Os Últimos Jedi, quando o diretor e roteirista Rian Johnson apresentou um Luke envelhecido e hesitante quanto sua fé, The Acolyte paga o preço pela ousadia de não ser convencionalmente reverente, como seus antecessores.

Lee Jung-jae, Carrie-Anne Moss e Dean-Charles Chapman em 'The Acolyte' Foto: Disney+

Mas a verdade é que The Acolyte já nasceu divisivo. Isso porque Headland declarou no início do projeto que a sala de roteiristas incluía profissionais que nunca assistiram a um filme de Star Wars. Para ela, essa era uma forma de garantir uma perspectiva nova para a franquia. Para parcela dos fãs, foi um sinal de descaso.

Ou seja, não é surpreendente que a série continue hoje vivendo na sombra dessa fama desagradável. Mas talvez o ódio (ou hate, como dizem) seja mesmo desmedido. E isso fica particularmente nítido ao notar outra semelhança importante entre The Acolyte e Os Últimos Jedi: atores de ambas as produções sofreram ataques racistas.

Em 2017, a vítima foi a atriz Kelly Marie Tran, que se viu obrigada a deixar as redes sociais tamanha a gravidade e abundância dos comentários ofensivos após ser introduzida à franquia como Rose. John Boyega, que viveu Finn, um dos protagonistas da trilogia mais recente, também não passou ileso. O ator chegou a ter uma reunião com a Disney e a Lucasfilm para expressar sua frustração com a falta de apoio das empresas nesse momento tão delicado.

Já em 2024, estamos diante de um elenco majoritariamente não-branco, cuja simples presença em tela se torna motivo de incômodo. Stenberg, inclusive, se pronunciou publicamente a respeito, lançando uma música.

Segundo o influenciador e criador de conteúdo João Jedi, dono do canal do Youtube Diário Rebelde, especializado em Star Wars, a associação entre diversidade e falta de qualidade da produção é infelizmente muito comum no lado mais tóxico do fandom na hora de fazer críticas.

“Não quer dizer que a maioria [dos fãs] seja assim, mas estes são muito vocais. Eles atribuem às vezes de forma velada, às vezes muito às claras, a diversidade como motivo para a possível falta de tato ou de tino do roteiro”, analisou. “[A diversidade] não necessariamente influencia a história, mas que só por estar ali já é um ponto de conflito para eles”.

Contudo, para Jedi, a presença de atores de diferentes etnias é, na verdade, outra razão para justificar a chegada de espectadores novatos. “Públicos mais novos são muito mais afeitos a esse tipo de conteúdo”.

Quer você seja fã ou não, fato é que The Acolyte propôs um respiro a Star Wars e trouxe uma nova base de fãs para a franquia. Resta saber agora se a produção será capaz de mantê-los ou se a série será apenas um ponto fora da curva no cânone da saga.

Entre erros e acertos, a primeira temporada de The Acolyte acaba nesta terça-feira, 16, com a exibição do último episódio no Disney+, a partir das 22h. Por enquanto, não há confirmação de que a série ganhará uma nova temporada.

The Acolyte encerra sua primeira temporada nesta terça-feira, 16, no Disney+, após oito episódios bastante divisivos. De um lado, há o espectador que se encantou com a nova história do universo Star Wars, centrada em duas irmãs gêmeas, Osha e Mae (ambas vividas por Amandla Stenberg), separadas na infância e colocadas em lados opostos da Força. No outro extremo, há quem considerou a série descuidada por interpretar que ela compromete conceitos estabelecidos pelas produções anteriores.

Amandla Stenberg e Manny Jacinto em 'The Acolyte' Foto: Disney+

Pois bem, reações extremas estão longe de ser uma novidade quando o assunto é a galáxia muito, muito distante, principalmente nos trabalhos mais recente. A verdade é que desde o lançamento do filme Os Últimos Jedi, em 2017, poucos foram os títulos em live-action que tiveram uma recepção unânime e positiva – menos recorrente ainda foram aquelas que receberam uma fração da reverência que as trilogias anteriores têm hoje na cultura pop.

Com exceção dos seriados The Mandalorian e Andor, dois exemplos muito bem recebidos por críticos e público, o restante dos lançamentos da franquia conseguiu, no máximo, feedbacks mornos. Obi-Wan Kenobi, por exemplo, foi massacrada por apostar quase exclusivamente no retorno de Ewan McGregor para se sustentar. Já Ahsoka, que teve sim reações positivas, não foi capaz de estourar a bolha e atingir um público além dos fãs deste universo.

The Acolyte é, portanto, um caso curioso na expansão recente de Star Wars. Ainda que a série não esteja imune a críticas – a criação da showrunner Leslye Headland (Boneca Russa) está longe de ser perfeita –, é claro seu mérito de atrair um novo público, graças a um olhar inédito para uma franquia que há muito flerta com o esgotamento. E esse resultado surpreendentemente favorável se dá, entre outras razões, pelo período no qual Headland decidiu ambientar a história de Osha e Mae.

Antes da Saga Skywalker

The Acolyte se passa 100 anos antes de A Ameaça Fantasma, ou seja, antes da chamada Saga Skywalker, de modo que a série tira a pressão do espectador de ter um conhecimento minucioso sobre Star Wars.

O fã apaixonado ainda tem recompensas com easter eggs e com a possibilidade de teorizar quais serão os próximos desdobramentos. Em contrapartida, quem só sabe que este é um universo onde existem espadas espaciais coloridas (chamadas de sabres de luz, está bem?) não fica para trás. Pelo contrário: é introduzido a partir de uma perspectiva bem menos maniqueísta – e, portanto, menos habitual – ao universo criado por George Lucas na década de 1970.

Quando o cineasta moldou a jornada de Luke Skywalker (Mark Hamill) contra o Império Galáctico, a ideia era apresentar uma alegoria contra o autoritarismo, na qual era papel dos Jedi questionar o status quo e lutar pela liberdade. Já a provocação sadia de The Acolyte é questionar o comportamento dos Jedi se fossem eles a ordem dominante.

A série o faz não como um exercício para duvidar ou menosprezar a seriedade dos regimes de opressão, e, sim, para enfatizar o quão sedutor e apelativo pode ser o poder.

Jodie Turner-Smith em 'The Acolyte' Foto: Disney

Explico: as protagonistas Mae e Osha nasceram entre mulheres capazes de usar a Força, mas que não seguem a doutrina Jedi. Por isso, são sistematicamente perseguidas, tendo as práticas associadas ao Lado Sombrio e as figuras equiparadas aos Lordes Sith, vilões que usam os poderes da Força para fins violentos e gananciosos.

Há, nessa dinâmica, um comentário pouco sutil, mas interessante sobre preconceito religioso, que aproxima a trama de situações reais da vida do espectador. Isso, por si só, já seria uma qualidade notável e coerente para uma produção da saga, conhecida também por centrar tantos dos seus conflitos em dinâmicas reconhecíveis, sobretudo no âmbito da família. Contudo, do ponto de vista narrativo, há um atrativo particular: o constante questionamento sobre o que é certo ou errado — e, portanto, o que faz de alguém um vilão ou mocinho nessa história.

Um vilão cativante

Manny Jacinto em 'The Acolyte' Foto: Disney+

O que nos leva à figura de Qimir (Manny Jacinto), personagem que não raramente rouba a cena na série. Trata-se de alguém que não demonstra qualquer remorso por matar seus inimigos e, mesmo assim, ele é capaz de convencer os espectadores sobre a validade da sua reivindicação.

Qimir é, sem dúvida, o grande acerto da série. Porque, embora The Acolyte traga nuance a conceitos pré-estabelecidos no universo Star Wars, o personagem é a prova de como ela também os enfatiza. Ao colocar no centro da trama um antagonista com uma moral maleável e fazer com que o público se encante com ele, a produção faz mais do que subverter a expectativa sobre quem se admira e quem se despreza na trama. A série evidencia o quão sedutor pode ser o Lado Sombrio.

Vale ressaltar que a escolha do termo “sedutor” aqui é bem proposital, porque Jacinto traz de fato um charme inigualável para o personagem, a ponto gerar vídeos com edições no Tiktok exaltando-o e, consequentemente, motivando as pessoas a assistirem à série. Como o próprio Qimir explica a Osha, além do medo e da raiva, o desejo é também uma fonte intensa de poder. Brincadeiras à parte, no caso específico da audiência da série, Qimir foi uma ferramenta de persuasão bem eficiente.

Em outras palavras, The Acolyte tira proveito do poder de todo vilão cativante: desperta a curiosidade e atrai novos espectadores; reforça as ideias que são alicerce para a produção; e até compensa a balança quando a execução das suas boas ideias deixa a desejar.

A(s) polêmica(s)

Ainda que estas sejam ideias instigantes, a proposta de The Acolyte coloca em xeque o caráter dos Jedi, algo que naturalmente desagrada alguns dos fãs mais assíduos. É compreensível: em um fandom em que o cânone por vezes é tratado como uma escritura sagrada, desviar dele, ainda que nas nuances, soa quase como uma ofensa.

Não à toa, de modo análogo ao que aconteceu em Os Últimos Jedi, quando o diretor e roteirista Rian Johnson apresentou um Luke envelhecido e hesitante quanto sua fé, The Acolyte paga o preço pela ousadia de não ser convencionalmente reverente, como seus antecessores.

Lee Jung-jae, Carrie-Anne Moss e Dean-Charles Chapman em 'The Acolyte' Foto: Disney+

Mas a verdade é que The Acolyte já nasceu divisivo. Isso porque Headland declarou no início do projeto que a sala de roteiristas incluía profissionais que nunca assistiram a um filme de Star Wars. Para ela, essa era uma forma de garantir uma perspectiva nova para a franquia. Para parcela dos fãs, foi um sinal de descaso.

Ou seja, não é surpreendente que a série continue hoje vivendo na sombra dessa fama desagradável. Mas talvez o ódio (ou hate, como dizem) seja mesmo desmedido. E isso fica particularmente nítido ao notar outra semelhança importante entre The Acolyte e Os Últimos Jedi: atores de ambas as produções sofreram ataques racistas.

Em 2017, a vítima foi a atriz Kelly Marie Tran, que se viu obrigada a deixar as redes sociais tamanha a gravidade e abundância dos comentários ofensivos após ser introduzida à franquia como Rose. John Boyega, que viveu Finn, um dos protagonistas da trilogia mais recente, também não passou ileso. O ator chegou a ter uma reunião com a Disney e a Lucasfilm para expressar sua frustração com a falta de apoio das empresas nesse momento tão delicado.

Já em 2024, estamos diante de um elenco majoritariamente não-branco, cuja simples presença em tela se torna motivo de incômodo. Stenberg, inclusive, se pronunciou publicamente a respeito, lançando uma música.

Segundo o influenciador e criador de conteúdo João Jedi, dono do canal do Youtube Diário Rebelde, especializado em Star Wars, a associação entre diversidade e falta de qualidade da produção é infelizmente muito comum no lado mais tóxico do fandom na hora de fazer críticas.

“Não quer dizer que a maioria [dos fãs] seja assim, mas estes são muito vocais. Eles atribuem às vezes de forma velada, às vezes muito às claras, a diversidade como motivo para a possível falta de tato ou de tino do roteiro”, analisou. “[A diversidade] não necessariamente influencia a história, mas que só por estar ali já é um ponto de conflito para eles”.

Contudo, para Jedi, a presença de atores de diferentes etnias é, na verdade, outra razão para justificar a chegada de espectadores novatos. “Públicos mais novos são muito mais afeitos a esse tipo de conteúdo”.

Quer você seja fã ou não, fato é que The Acolyte propôs um respiro a Star Wars e trouxe uma nova base de fãs para a franquia. Resta saber agora se a produção será capaz de mantê-los ou se a série será apenas um ponto fora da curva no cânone da saga.

Entre erros e acertos, a primeira temporada de The Acolyte acaba nesta terça-feira, 16, com a exibição do último episódio no Disney+, a partir das 22h. Por enquanto, não há confirmação de que a série ganhará uma nova temporada.

Análise por Mariana Canhisares

é jornalista especializada em séries e cultura pop

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