No momento em que a Lei Maria da Penha completa 16 anos, o Star+ lança sua nova produção nacional, a série Não Foi Minha Culpa. Com 10 episódios, a antologia que estreia na plataforma nesta quarta-feira, 10, narra a história de diferentes vítimas de feminicídios e violência de gênero no País. O elenco conta com nomes como Malu Mader, Bianca Comparato, Armando Babaioff, Luana Xavier, João Baldasserini, entre outros.
Inspirada em histórias reais de violência contra mulher, a produção, que também já ganhou versões em outros países como México e Colômbia, amarra as diferentes narrativas dos episódios a partir de um único espaço: o carnaval. Para a roteirista Juliana Rosenthal, a festa foi escolhida como o ponto em comum das 10 narrativas pois exemplifica como a sociedade brasileira funciona. “Somos conhecidos no mundo pela liberdade do carnaval. Mas não há nada mais contraditório: um país tão violento com uma festa tão libertária.”
“O carnaval foi escolhido pois é uma celebração que junta todo tipo de gente. É a festa mais democrática do Brasil”, pontua a diretora Susanna Lira. “Assim como a violência de gênero, que infelizmente também é extremamente democrática”, reitera Juliana. Cada episódio segue a vida de uma mulher diferente. Ricas, pobres, brancas, pretas, cisgêneras ou transgêneras, a série busca exemplificar como a violência atinge todas as mulheres, independente do perfil social, racial e etário.
A produção, de acordo com suas criadoras, traça um panorama de como esse tipo de violência acontece. Apesar de haver muitos pontos em comuns entre as narrativas, as roteiristas e a diretora procuraram respeitar a identidade de cada mulher retratada na tela. Ao longo da série, o estilo de direção, de iluminação e de arte se adapta a protagonista que dá nome ao episódio.
Se os dados de violência de gênero continuam alarmantes no Brasil, Não Foi Minha Culpa quer devolver a humanidade aos números presentes em jornais, boletins de ocorrência e obituários. “É só abrir qualquer jornal e você vai encontrar um caso de uma mulher morta. Mas como chegamos a esse ponto? Queríamos entender o que leva a isso, não só comunicar a morte”, relata Juliana. “Não é só uma estatística, é uma vida. Para honrar essas mulheres, temos que contar a história delas com profundidade e cuidado”, finaliza a roteirista Michelle Ferreira.
O silêncio mata
Muitas são as temáticas tratadas em Não Foi Minha Culpa. Em um dos episódios, Malu Mader interpreta uma promotora de justiça que lida com um caso de feminicídio. Joana, personagem que dá nome ao episódio, foi encontrada morta no porta-malas do carro de dois garotos de uma família tradicional do interior de São Paulo. A trama é quase toda ambientada em um tribunal e a personagem de Malu serve como um guia do espectador.
Malu Mader, atriz que interpreta uma promotora na série
“Essa promotora existe, ela é alguém heróica. Conversei com ela e entendi que o objetivo dela é trazer essa consciência de como o machismo opera para dentro do tribunal”, afirma Malu. “Eu, enquanto atriz, busco usar essa personagem para levar essa consciência a quem está assistindo”, ela frisa.
A atriz afirma que, ao longo de sua vida, por mais que tivesse uma postura independente e forte, nunca refletiu muito sobre inúmeras questões propostas pela série. “Muita coisa mudou na minha cabeça depois dessa produção. É graças a séries como essa, e ao movimento feminista, que conseguimos entender o buraco em que nós mulheres estamos metidas. Temos que ser educados”, reitera.
Engana-se, no entanto, quem acredita que Não Foi Minha Culpa serve como alerta apenas para mulheres. Em Ana Luísa, nome dado ao quarto episódio, conhecemos o casal Marcos, interpretado por João Baldasserini, e Ana Luísa, interpretada por Luana Xavier. Marcos é definido por Baldasserini como “um homem comum” e o seu relacionamento com a namorada está longe de parecer problemático. Mas quando uma suspeita de traição começa a pairar pela cabeça de Ana Luísa, as coisas mudam. “Ele não parece ser alguém monstruoso, capaz de cometer um crime. Eu me identifiquei muito com ele e isso foi algo assustador”, relata o ator.
Baldasserini afirma que passou a rever seu passado enquanto homem conforme se preparou para a série. Em sua reflexão, encontrou inúmeros comportamentos do qual se envergonha e que hoje se policia para não repetir. “Essa é a importância da série”, afirma a atriz Luana Xavier. “Ela cria personagens reais, que fazem com que nós nos identifiquemos com eles. Seja como o agressor, seja como a vítima.” Luana define Ana Luísa como uma mulher bem sucedida, mas que acaba entrando em uma posição de subserviência no campo emocional. “Ela quer tanto ser amada e formar uma família que acaba suportando a forma como o Marcos lida com ela.”
Para a atriz, a série serve como um alerta para mulheres identificarem situações pelas quais já passaram, mas talvez não soubessem nomear, ou para enxergar os sinais alarmantes presentes nos mais variados tipos de relações. “Ninguém morre do dia para a noite, é sempre uma construção da violência”, completa a roteirista Juliana Rosenthal. “O silêncio mata. Falar sobre isso pode salvar alguém”, ela finaliza.
*O trailer abaixo pode conter gatilhos: