Keira Knightley fez do cinema um portal para o passado. A atriz de 39 anos dominou o gênero dos filmes de época com personagens complexas impulsionadas por sua beleza europeia, carisma e elegante sotaque britânico, captando quase perfeitamente a essência e o comportamento de qualquer mulher que viveu antes dos anos 1940.
Dos romances emocionantes Orgulho e Preconceito (2005) e Desejo e Reparação (2007), passando pela saga de aventura dos Piratas do Caribe, até dramas históricos como O Jogo da Imitação (2014) e A Duquesa (2008), todas as suas encarnações foram um retrato fidedigno de determinada era.
Mas isso pode estar mudando. Em Black Doves, nova série da Netflix com lançamento em 5 de dezembro, Keira interpreta Helen Webb, espiã responsável por repassar os segredos do marido político para a organização secreta que batiza a produção de seis episódios. Trata-se de uma mulher moderna, destemida e cujas decisões surpreendem a cada capítulo. A trama – que ainda tem o ótimo Ben Whishaw (Fargo, A Very British Scandal) como um matador brutal – gira em torno de uma enorme conspiração em Londres, às vésperas do Natal.
“Sempre me senti meio que compelida a contar histórias que me interessam, e realmente não pensei sobre a época em que elas se passam”, diz Keira em entrevista exclusiva ao Estadão, por videoconferência. “Eu estava super interessada por esta, pois eu queria um pedaço de entretenimento bem abrangente. Sempre amei o gênero de espionagem, sou grande fã de John Le Carré. Acho que é meio que um presente para o meu eu adolescente”, complementa, citando o célebre escritor de thrillers como O Espião Que Sabia Demais, influência clara para o projeto.
Foi na adolescência, inclusive, que Keira se projetou para o mundo. Filha de atores, ela tinha 13 anos quando gravou uma ponta em Star Wars: Episódio I – A Ameaça Fantasma (1999), sua estreia nas telonas após ter participado de comerciais e produções na TV inglesa. Pouco depois, aos 17, foi recrutada para ser o interesse amoroso de Johnny Depp e Orlando Bloom na franquia do inesquecível Capitão Jack Sparrow. A partir dali, consagrou-se como uma das principais expoentes da sétima arte no século atual e foi duas vezes indicadas ao Oscar.
Questionada sobre como esse início precoce a afetou, seja de maneira positiva ou negativa, Keira diz: “A vida de todo mundo contém contradições e não há dúvidas de que devo minha carreira àquele período de cerca de cinco anos no início, quando tive grandes sucessos. Foi definitivamente um período complicado, acho que não tive um dia de folga dos 17 aos 21 anos. Mas me sinto muito grata pelas experiências que tive e também muito feliz por não estar mais fazendo aquilo”, analisa, se referindo ao intenso ciclo de 2003 a 2007, quando foi destaque em 10 películas.
Black Doves, alheia aos americanismos habituais, transborda o estilo britânico, seja no texto ou no clima. Keira diz não saber explicar exatamente porque essa energia é tão singular e cativa tantos espectadores. “Acho que há uma melancolia particular em ambientar a série no Natal, que é para ser aquele momento em que todos deveriam estar super felizes, e ainda assim estamos contando uma história de assassinato, caos, e vingança. Essa justaposição meio que tornou a coisa toda bastante divertida. Você tem esse tipo de Natal cintilante e encantador, mas também tem pessoas sendo explodidas para fora dos prédios. Isso meio que se encaixa na versão de Natal de Duro de Matar (1998), ao contrário da versão de Natal de Simplesmente Amor (2003)”, analisa.
Recentemente, nota-se que a atriz foi atraída pelo streaming. No ano passado, ela deu vida à jornalista Loretta McLaughlin no telefilme O Estrangulador de Boston, da Hulu. Agora, prestes a lançar o seriado de espionagem, Keira comenta sobre as dificuldades para promover um novo trabalho em meio ao oceano de conteúdo disponível nos serviços digitais – fenômeno que ela classifica como a maior transformação na indústria desde que começou no ramo.
“Menos pessoas estão indo aos cinemas e mais pessoas estão assistindo em casa. Isso meio que mudou a maneira como se consomem as histórias”, explica. “Em qualquer momento em que você está fazendo televisão ou cinema, é necessária muita sorte para que tudo se encaixe. E então, muita sorte para receber boas críticas e chamar a atenção das pessoas. É a mesma coisa agora como sempre foi. Você fica na torcida, espera, faz o seu melhor. E você pensa: ‘Sabe de uma coisa? Fiz algo que achei bem legal e espero que as pessoas gostem”, finaliza.