Jenna Ortega foi trancada num porão com um cadáver em X - A Marca da Morte. Ela atirou e matou um serial killer em Pânico. E destruiu um membro de culto satânico com uma hélice de barco em A Babá: Rainha da Morte.
Ela também dormiu com as luzes acesas até a adolescência.
“Eu era um gato assustado”, disse Ortega, que interpreta a personagem-título da nova série de mistério de assassinato da Netflix, Wandinha, baseada na personagem pessimista da Família Addams, que está disponível na plataforma.
E, no entanto, aqui está ela, a estrela de uma série que, apesar de todo o seu humor gélido, apresenta pelo menos um desmembramento e uma estripação só no episódio piloto. (Tim Burton dirigiu os quatro primeiros episódios.) Mas, para Ortega, o interesse está nas camadas mais profundas da personagem.
“Minha Wandinha tem uma confiança escondida”, disse Ortega numa tarde brilhante de domingo este mês, seu longo cabelo castanho escuro balançando na brisa de uma videochamada enquanto ela passeava pelo centro de Salt Lake City, segurando o celular. “Ela está numa missão e não vai deixar ninguém atravessar seu caminho.”
Ao contrário dos filmes da Família Addams do início dos anos 1990, em que Christina Ricci interpretou uma Wandinha Addams de 10 anos, a nova série de oito episódios, ambientada nos dias atuais, apresenta Ortega como uma versão de 16 anos da personagem, que é mandada para um internato para párias depois que um incidente a expulsa de sua escola pública. (Tem a ver com piranhas e uma piscina cheia de valentões; Wednesday não se arrepende.)
Mesmo numa escola povoada por vampiros e lobisomens - seus pais, Morticia e Gomez (interpretados por Catherine Zeta-Jones e Luis Guzmán), se conheceram lá quando eram estudantes - Wandinha é uma aberração entre aberrações, um assunto frequente de fofocas por causa dela e do passado supostamente sangrento de sua família. Mas Wandinha também é a mais recente de uma longa linha de papéis adolescentes para Ortega, ex-estrela da Disney que estava, de certa forma, ansiosa para seguir em frente.
“Hesitei muito em fazer isso”, disse ela. “Já passei por isso com programas para adolescentes.” E havia também a pressão de assumir seu primeiro papel numa franquia conhecida.
Aos 20 anos, Ortega já se apresenta na frente das câmeras há metade de sua vida e tem a autoconfiança correspondente. Ela é a quarta de seis filhos nascidos no bairro mexicano de La Quinta, Califórnia, no Coachella Valley, onde ela pegou o vírus da atuação quando criança.
“Eu vi a Dakota Fanning em Chamas da Vingança e falei para os meus pais: ‘Pessoal, eu vou ser a Dakota Fanning porto-riquenha’”, disse ela, passando por árvores enquanto caminhava pela cidade de gola rolê verde e fones de ouvido enrolados no pescoço. (Seu pai é descendente de mexicanos; as raízes de sua mãe são mexicanas e porto-riquenhas.)
Ela passou os três anos seguintes “implorando sem parar” para ser atriz até que sua mãe, enfermeira de pronto-socorro, comprou um livro de monólogos e postou um vídeo dela no Facebook quando ela tinha 9 anos. Um diretor de elenco viu e, um ano depois, Ortega conseguiu seu primeiro papel na TV, na comédia Rob, com Rob Schneider.
Aí veio uma cascata de papéis, entre eles o da a jovem Jane em Jane the Virgin, aos 10 anos, e, aos 12, um papel principal como Harley Diaz no seriado do Disney Channel A Irmã do Meio (2016-18). Um mês depois, ela desistiu de suas aulas da oitava série para perseguir o sonho da Disney.
A Irmã do Meio durou três temporadas, após as quais Ortega estava ansiosa para conseguir papéis mais maduros. Mas sua experiência na Disney, ela descobriu, veio com limitações.
“As crianças da Disney têm um estigma enorme”, disse ela. “As pessoas automaticamente pensam que isso é tudo que você pode fazer, que você só serve para isso.”
Mas as coisas logo melhoraram: em 2018, ela foi escalada ao lado de Penn Badgley na segunda temporada do thriller psicológico Você, depois conseguiu seu primeiro de vários papéis de terror em A Babá: Rainha Assassina em 2020.
Seu papel de destaque veio em A Vida Depois, lançado em janeiro, que se concentra nas consequências de um tiroteio numa escola de ensino médio. Foi a estreia de Megan Park na direção e a primeira vez que Ortega foi protagonista de um filme.
“Sua capacidade de saber quando dar tudo de si e quando se conter - ter essa compreensão de si mesma como artista ainda tão jovem - é realmente rara”, disse Park numa recente conversa por telefone.
Jenna Ortega
Quando os criadores e showrunners de Wandinha, Al Gough e Miles Millar (Smallville), começaram a desenvolver sua personagem principal, eles não queriam seguir o típico arco de protagonistas femininas adolescentes, que geralmente vão da timidez à confiança. Os dois têm duas filhas adolescentes cada - sabem muito bem como as coisas são.
“Wandinha começa forte e continua assim”, disse Millar. “Ela não tem remorso, é destemida, inteligente, estranha - é muito raro ver uma personagem adolescente que tem tanta certeza de si mesma.”
Depois de escrever os quatro primeiros episódios, eles tinham apenas um diretor em mente: Burton, que havia recusado o filme A Família Addams em 1991, por causa de um conflito de agenda.
“Achamos que ele nem leria”, disse Gough sobre Burton, que não dirigia uma série de televisão desde os anos 1980. “Pensamos que teríamos chances maiores de ganhar na loteria.”
Para sua surpresa, Burton ligou para eles quatro dias depois de receber o roteiro do primeiro episódio.
Tim Burton
“O roteiro me trouxe lembranças dos dias de escola”, disse Burton, que também atuou como produtor executivo, numa recente entrevista por vídeo de Los Angeles. “Os personagens foram a razão pela qual eu quis fazer a série. Não tinha um desejo ardente de fazer televisão.”
Mas concretizar sua visão coletiva exigiria a Wandinha perfeita. Eles testaram centenas de atrizes, mas Ortega trouxe para a personagem a empatia que eles buscavam.
“Ela é uma atriz de cinema mudo”, disse Burton. “Passa emoção com os olhos.”
Zeta-Jones disse que ficou impressionada com a assertividade de Ortega em proteger sua visão de Wednesday.
“Ela não se sentiu intimidada com Tim”, disse ela. “Ele é um grande diretor, mas ela o questionava: ‘Vou fazer assim, mas também podemos tentar desse outro jeito?’ - e era assim que ficava.”
Mas Ortega disse que era impossível ignorar completamente a pressão de assumir um papel imortalizado por Ricci, que interpreta uma personagem recém-criada na série, a professora mais “normal” da escola.
“Com uma personagem tão icônica, você quer fazer justiça a ela”, disse Ortega.
Este artigo foi publicado originalmente no New York Times. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU