Michael Douglas entre Benjamin Franklin, o ócio e a descoberta do estoicismo: ‘Minha nova fé'


Aos 79 anos, ator comenta os desafios de fazer a série ‘Franklin’, que acaba de estrear no streaming, relembra carreira, fala de cortesia e respeito e diz que poderia abandonar as telas

Por Ann Hornaday

LOS ANGELES - Em uma tarde fresca de sábado no mês de março, o burburinho no Polo Lounge do Beverly Hills Hotel está contido. Na época de Kirk Douglas, o restaurante era uma metonímia para o auge da exclusividade e da sofisticação do showbiz. Agora é um destino para turistas que tiram selfies e moradores locais que se divertem em almoços barulhentos e embriagados.

Mas quando Michael Douglas atravessa o salão, o antigo glamour retorna por um instante. Os rostos se abrem em sorrisos largos e acolhedores – e não apenas porque, como filho de Kirk, Douglas se conecta ao passado mais célebre do Lounge, nem porque é uma verdadeira celebridade por si só. É porque, como versão quintessencial de uma certa marca da masculinidade branca do final do século 20, Michael Douglas vem sendo “o cara” há muitos anos.

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No auge da fama, Douglas foi o avatar das ansiedades mais profundas, dos desejos mais transgressores, das aspirações mais românticas e das ambições mais vorazes de sua geração, encarnando e refletindo as forças fundamentais que moldam a sociedade americana – como o medo do colapso nuclear, a ganância dos anos 1980 e a masculinidade pós-feminismo.

Mesmo quando ele minimizou seu lendário sex appeal para retratar um professor universitário que fazia pouco mais que fumar maconha vestido de roupão de banho no filme Garotos Incríveis (2000), parecia que Douglas ainda estava numa sintonia sobrenatural, desta vez com o pânico de milhões de baby boomers percebendo que não apenas tinham entrado na meia-idade, mas que já estavam saindo dela.

O ator americano Michael Douglas, filho de Kirk Douglas, completa 80 anos em setembro. Foto: Raul Romo/ The Washington Post
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Em forma e relaxado aos 79 anos, Michael Douglas não parece um símbolo cultural quando se instala à mesa e pede uma xícara de chá de hortelã. Com os cabelos agora brancos tão impecáveis quanto o blazer azul, Douglas mais parece a realeza de Hollywood – uma ideia que sempre o fez rir. Ele cresceu em Nova York e Connecticut, fez faculdade em Santa Barbara e só morou em Los Angeles por um tempo. Ele e sua esposa, a atriz Catherine Zeta-Jones, agora moram no condado de Westchester, em Nova York. “É difícil fugir quando você está aqui”, diz Douglas, referindo-se ao agito da cidade. “É café da manhã, almoço e jantar. E gosto de ter amigos de áreas diferentes, não só do show business.”

Mesmo que Los Angeles não seja literalmente o lar de Douglas, ainda é um lugar onde ele se sente muito em casa. Algumas horas antes, ele estava conversando amigavelmente com membros da Academia Nacional de Artes e Ciências Televisivas, eleitores do Emmy que tinham assistido à exibição do episódio 1 de Franklin, no qual Douglas interpreta o pai fundador Benjamin Franklin. (A Apple TV Plus lançou a série de oito horas em 12 de abril). O episódio – em que Franklin chega à França em 1776 para convencer o rei Luís XVI a apoiar a Revolução Americana com dinheiro e armas – foi recebido com aplausos de pé, para o alívio do ator.

“Enfrentei dúvidas na maior parte da produção”, admite Douglas, que interpreta Franklin ao longo de sua estada de nove anos na França, durante a qual ele inventou seu próprio tipo de diplomacia astuta e bajulatória. Embora Douglas e o diretor da série, Tim Van Patten, tenham pensado em usar maquiagem e próteses pesadas para criar os traços peculiares de Franklin, como aquela famosa testa alta, eles decidiram seguir um caminho mais naturalista. Douglas usa apliques grisalhos e ondulados em Franklin, mas seu personagem evita as perucas formais e a maquiagem empoada da corte francesa. Ele se parece mais com Michael Douglas do que com alguém tentando imitar Benjamin Franklin.

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Em vez de vivenciar “oito horas de Ben Franklin encobrindo Michael”, diz Douglas, “achei que as pessoas ficariam mais confortáveis se conhecessem o cara. E isso simplesmente me deu muito mais liberdade”. Ainda assim, ele observa, isso implicava uma aposta: “Será que consigo interpretar a personalidade de Franklin?”

Michael Douglas protagoniza 'Franklin', série de oito episódio do Apple TV+. Foto: Apple TV+

Essas preocupações parecem estar evaporando à medida que o público vê Franklin e aceita a inefável fusão de ator, personagem e figura histórica. Douglas “incorpora o espírito de Franklin de muitas maneiras”, disse Van Patten durante uma sessão de perguntas e respostas depois da exibição na academia de televisão. Franklin é “incrivelmente inteligente, charmoso e curioso, cheio de sabedoria e perspicácia. E Michael é tudo isso também”.

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Com certeza aí em algum lugar tem uma piada sobre um ator famoso que acaba fazendo o papel de Benjamin Franklin numa série. Franklin vira essa piada de cabeça para baixo, com o personagem-título emergindo como mais um dos muitos homens de ação sedutores e atraentes que Douglas interpretou ao longo da carreira (desta vez, reconhecidamente, com um toque de gota).

Na série, o ator retrata Franklin menos como o aforista corpulento e mais como uma estrela do século 18 – o americano mais famoso do mundo, uma figura extremamente popular na França, um namorador inveterado que seduziu estadistas com a mesma habilidade com que seduzia as mulheres que se apaixonavam por ele. (Ludivine Sagnier e Jeanne Balibar interpretam os interesses amorosos da vida real de Franklin, Anne Louise Brillon e Anne-Catherine de Ligniville, a Madame Helvétius).

“Em cinco anos de ‘convivência’ com Ben Franklin, nunca me ocorreu confundi-lo com Michael Douglas”, diz Stacy Schiff, que escreveu A Great Improvisation: Franklin, France, and the Birth of America [algo como Um Grande Improviso: Franklin, a França, e o Nascimento dos Estados Unidos, em tradução livre], livro no qual se baseia Franklin. “Dito isso, assim que surgiu o nome de Michael, ele pareceu incrivelmente certo.”

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Ele tem o brilho frankliniano nos olhos, o carisma bruto, a versatilidade física e intelectual, a capacidade de conduzir um debate só com o arquear da sobrancelha. O cabelo do Michael é bem melhor, mas isso é só um detalhe.

Stacy Schiff

Se a pergunta “será que eles vão gostar?” foi a que mais preocupou Douglas durante os sete meses de produção de Franklin na França, “será que vou sobreviver?” veio em segundo lugar: em 2022, depois de apenas três semanas de filmagem, Douglas foi levado às pressas para uma cirurgia de emergência para remover a vesícula biliar. Ele foi operado numa sexta-feira, se recuperou no fim de semana, tirou mais dois dias de folga e voltou ao set.

“Mas não estava me sentindo bem”, lembra ele, repetindo e diminuindo a velocidade para aumentar a ênfase: “Não estava me sentindo bem”. Com mais seis meses de filmagem, conta, ele perseverou e aos poucos foi se sentindo melhor. “Mas houve um momento em que pensei: ‘Não sei se vou conseguir’. E então comecei a pensar em seguros e em ter que refilmar”.

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Michael Douglas e Ludivine Sagnier no terceiro episódio de 'Franklin', que chega ao Apple TV+ em 12 de abril. Foto: Apple TV+

Não é incomum que Douglas pense em coisas como seguros e refilmagens: está sempre pensando no quadro geral. Um dos motivos pelos quais ele decidiu abrir mão da maquiagem elaborada em Franklin foi porque sabia que, combinado com um trajeto de 45 minutos até o set todos os dias, ficar sentado por duas horas e meia numa cadeira de maquiagem provavelmente criaria atrasos para todo mundo.

“É impensável que Michael faça alguma coisa para dificultar a vida do diretor. Ele simplesmente não é assim”, diz Steven Soderbergh, que dirigiu Douglas em Traffic (2000) e no filme da HBO Minha Vida com Liberace (2013). “Fico curioso para saber a origem disso. Será que foi alguma coisa que ele testemunhou? Algo que herdou do pai? Algo que aprendeu como produtor?”

A primeira tentativa de Douglas na produção foi quando seu pai lhe deu os direitos do romance de Ken Kesey, Um Estranho no Ninho, em troca de uma porcentagem da parte de Michael nos lucros. (O filme acabou rendendo a Michael o Oscar de melhor filme em 1976; o fato de Jack Nicholson ter ficado com o papel principal em vez de Kirk causou uma ruptura na relação com o pai, que acabou sendo curada). Mas ele acha que sua sensibilidade vem de ainda antes, de quando foi jovem ator na Conferência Nacional de Dramaturgos no Eugene O’Neill Theatre Center, em Connecticut, onde aprendeu sobre reescritas e sobre submergir o ego do ator para servir o material, e depois quando foi personagem regular na série de televisão The Streets of San Francisco, onde aprendeu sobre estrutura. “Sempre tive essa noção de garantir que a coisa funcionasse”, ele diz, simplesmente.

Mesmo quando não está produzindo, ele está produzindo. “Não consigo evitar”, diz ele. “Estou sempre atuando com um olho só, observando todo o resto”. Parte disso, acrescenta ele, é garantir que seus colegas de elenco e membros da equipe estejam confortáveis. “Simplesmente não trabalho bem com a tensão. É uma coisa que me perturba”, diz ele, referindo-se à regra “sem idiotas” que ele segue há muitos anos. “Gosto de ter a operação mais tranquila possível. E acho que, quando você é o primeiro nome da lista, pontualidade e cortesia são duas grandes qualidades. Se você chegar na hora certa, pronto para trabalhar, ninguém vai se atrasar. E se você estabelecer um tom de abertura e cortesia, todo mundo vai relaxar mais.”

A carreira de Douglas passou por uma reviravolta quase fatal em 2010, quando ele foi diagnosticado com câncer. Já em 2022, ele foi submetido a uma cirurgia de emergência para a remoção da vesícula biliar.  Foto: Raul Romo for The Washington Post

Para Douglas, profissionalismo e polidez são úteis – mas também são princípios que ele aprendeu com os pais. Douglas tinha 6 anos quando eles se divorciaram, depois disso seu pai ficou em Los Angeles e sua mãe, a atriz Diana Douglas, se mudou com ele e seu irmão, Joel, para Nova York, onde moraram no Upper West Side, “num apartamento de frente para o beco, não para o parque”. Quando Diana se casou com o ator, produtor e roteirista Bill Darrid (“um homem adorável”), a família se mudou para uma casa de fazenda em Westport, Connecticut.

“Minha mãe sempre foi muito gentil”, lembra Douglas, acrescentando que suas visitas de verão a Kirk o colocaram em contato com amigos e vizinhos como Tony Curtis, Janet Leigh, Frank Sinatra e Gregory Peck. “Dava para ver as fraquezas e inseguranças dessas pessoas”, diz ele. “Acho que essa foi a maior vantagem de pertencer à segunda geração, a maneira como você levava a vida.” Sua ética de trabalho, diz ele, “é um reflexo não necessariamente de observar meu pai, mas das pressões de ter um pai que era uma estrela de cinema. De certa forma, era respeitá-lo. Você queria mostrar às pessoas que não era mimado.”

Seis décadas de carreira

Ao longo da carreira, Douglas produziu e atuou em filmes que provaram ser não apenas atuais, mas estranhamente preditivos: para cada comédia escapista de “ação romântica” como Tudo por uma Esmeralda e sua sequência, A Joia do Nilo, vinha um filme como Síndrome da China, sobre um acidente nuclear fictício, que estreou nos cinemas em 1979, menos de duas semanas antes de um acidente nuclear de verdade em Three Mile Island. O surto do funcionário de defesa que Douglas retratou em Um Dia de Fúria (1993) evocava as crescentes tensões raciais da Los Angeles da era Rodney King – e sem dúvida pressagiou o ódio do MAGA.

Seus personagens em Atração Fatal, Instinto Selvagem e Assédio Sexual hiperbolizaram o pânico e a confusão dos homens diante da mudança dos papéis de gênero. (Em 2011, Douglas e Glenn Close, estrela de Atração Fatal, viralizaram com uma foto deles junto com um coelho – se você sabe, você sabe – e a legenda “Feliz Páscoa a todos”, enviada a Douglas por um amigo. “Ri muito com aquilo”, Douglas explicou recentemente, acrescentando: “Achei que Glennie iria achar engraçado, então mandei para ela e para alguns outros amigos”).

O personagem mais icônico de Douglas talvez seja Gordon Gekko, o empresário de Wall Street - Poder e Cobiça (1987). O roteirista e diretor Oliver Stone queria que ele fosse o vilão da história, mas ele emergiu como um herói popular, principalmente por causa do domínio eletrizante com que Douglas o interpretou. (Douglas ganhou seu único Oscar de atuação com o papel).

'Estou sempre atuando com um olho só, observando todo o resto', diz Michael Douglas. Foto: Raul Romo / The Washington Post

“Gekko foi concebido como um cara esperto”, lembra Stone. “E Michael conseguiu ser visto como esperto demais. Mas essa é uma das razões pelas quais o escolhi. Ele tinha a mesma qualidade do pai. Kirk tinha a reputação de fazer papéis de caras durões em filmes como Fuga do Passado e A Montanha dos Sete Abutres. E eu gostei desse traço [em Michael], que era uma coisa que não tinha visto em Tudo por uma Esmeralda e filmes desse tipo. E ele conhecia o mundo [de Gekko], porque era de Nova York e tinha amigos ricos.”

Liberace e câncer de língua

A carreira de Douglas encontrou um ponto de virada quase fatal em 2010, quando ele foi diagnosticado com câncer na língua. Ele passou por quimioterapia e radioterapia, uma provação física durante a qual não tinha certeza se voltaria a trabalhar. Onze anos antes, enquanto interpretava um juiz conservador em Traffic, Soderbergh lhe perguntou se algum dia ele consideraria interpretar Liberace. “E ele respondeu de um jeito que foi muito Lee”, lembra Soderbergh, referindo-se ao apelido de Liberace. Douglas também se lembra do momento. “Eu olhei para ele e pensei: ‘Você está dizendo que o paladino antidrogas está muito afetado?”, ele recorda com um sorriso. “’Será que estou desmunhecando demais?”

O projeto se arrastou por mais uma década e, quando Soderbergh estava pronto com a adaptação do livro de memórias de Scott Thorson, amante de Liberace, Douglas já tinha se submetido ao tratamento contra o câncer e podia voltar ao trabalho. Minha Vida com Liberace seria o primeiro projeto de Douglas desde sua doença e lhe renderia o Emmy por uma interpretação que muitos espectadores e críticos consideraram destemida, sensível e reveladora. “O fato de ter sido o primeiro trabalho que ele fez depois de voltar do susto do câncer só deu à coisa toda um componente emocional muito bem-vindo, que achei que realmente agregou à experiência e à atuação”, diz Soderbergh.

Desde então, Douglas está numa jornada de exploração. Ele aprendeu sobre atuação com fundo de tela verde nos filmes do Homem-Formiga e explorou os mistérios da comédia na série da Netflix O Método Kominsky. Interpretar Benjamin Franklin é a primeira tentativa de Douglas com um drama de época – neste caso, uma produção com 78 atores principais e 5 mil figurantes, filmagens em Versalhes e mais de meia dúzia de castelos, além de muito francês. “Sou o único ator americano na série!”, Douglas diz, encantado.

Michael Douglas e Noah Jupe no quarto episódio de 'Franklin', do Apple TV+. Foto: Apple TV+/Divulgação

Michael Douglas vai se aposentar?

E agora, num futuro próximo, Michael Douglas está pronto para parar.

Douglas, que completará 80 anos em setembro, tirou o último ano de folga “só para fazer um pequeno inventário e essas coisas”. E finalmente conseguiu dedicar mais tempo às prioridades não profissionais, como ouvir mais música (se você acha que o viu no show do U2 no Sphere, em Las Vegas, no início de março, você não se enganou). O episódio da vesícula biliar o obrigou a ajustar a dieta, o que melhorou dramaticamente seu nível de energia – ele sente falta dos ovos, mas ainda come um naco de bacon de vez em quando.

Ele e Zeta-Jones levaram toda a família para o sul da Índia por cinco semanas durante as férias de inverno (o casal tem dois filhos de vinte e poucos anos, e Douglas tem um filho de 45 de um casamento anterior). Ele vem planejando uma viagem aos fiordes noruegueses e está de olho na América do Sul. Mas vai passar a maior parte deste ano entre a casa do casal em Maiorca, na Espanha, e a Irlanda, onde Zeta-Jones vai filmar a nova temporada de Wandinha para a Netflix.

Em vez de fazer filmes, diz, ele quer dedicar tempo às suas causas políticas de longa data: a não-proliferação nuclear, que virou uma preocupação quando fez Síndrome da China, e o controle de armas, que ficou pessoal em 1980, quando ele e seu amigo Jann Wenner estavam voltando para casa depois de uma festa de Natal no Central Park West e se depararam com uma comoção que se revelaria o assassinato de John Lennon diante do edifício Dakota. Douglas e Wenner fundaram a organização de controle de armas CeaseFire, que já foi dissolvida; hoje, Douglas participa do Everytown for Gun Safety e da organização para reforma política RepresentUs.

Enquanto isso, Douglas diz que Franklin ficou com ele “de jeitos importantes”. A série, por exemplo, o levou para as obras de Marco Aurélio. “Agora é a minha nova fé”, diz Douglas sobre o estoicismo, elogiando a filosofia por sua ênfase na honradez, no caráter e no autocontrole emocional – qualidades que notavelmente faltam na praça pública contemporânea. “Penso nesses caras e em como eles foram corajosos, meu Deus”, diz Douglas sobre Franklin e seus pares. “E ele tinha 70 anos [quando foi para a França]! Depois de todas as coisas que ele tinha feito – 1776 não foi um passeio no parque. Ele não tinha nenhuma experiência [diplomática] de verdade, foi só improvisando.”

“Foi uma alegria fazer algo que desperta a mente e, essencialmente, lembra como nossa democracia é frágil”, diz ele. Quanto à atual temporada política, ele acrescenta, com ar de cansaço: “Só quero que este ano acabe”.

Até então, ele vai acordar todas as manhãs sem saber exatamente aonde o dia o levará – e, talvez pela primeira vez, isso vai ser muito bom. “Trabalhei praticamente toda a minha vida adulta, mas gostei de não trabalhar”, diz Douglas sobre o ano passado. “A alegria de ficar entediado. É aquele momento ‘o que eu vou fazer?’, em vez de ‘o que eu tenho que colocar em dia, o que eu tenho que fazer?’”. Douglas sorri, e seu rosto ganha uma expressão de sabedoria e contentamento que talvez possa ser descrita como frankliniana. “É uma página em branco”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

LOS ANGELES - Em uma tarde fresca de sábado no mês de março, o burburinho no Polo Lounge do Beverly Hills Hotel está contido. Na época de Kirk Douglas, o restaurante era uma metonímia para o auge da exclusividade e da sofisticação do showbiz. Agora é um destino para turistas que tiram selfies e moradores locais que se divertem em almoços barulhentos e embriagados.

Mas quando Michael Douglas atravessa o salão, o antigo glamour retorna por um instante. Os rostos se abrem em sorrisos largos e acolhedores – e não apenas porque, como filho de Kirk, Douglas se conecta ao passado mais célebre do Lounge, nem porque é uma verdadeira celebridade por si só. É porque, como versão quintessencial de uma certa marca da masculinidade branca do final do século 20, Michael Douglas vem sendo “o cara” há muitos anos.

No auge da fama, Douglas foi o avatar das ansiedades mais profundas, dos desejos mais transgressores, das aspirações mais românticas e das ambições mais vorazes de sua geração, encarnando e refletindo as forças fundamentais que moldam a sociedade americana – como o medo do colapso nuclear, a ganância dos anos 1980 e a masculinidade pós-feminismo.

Mesmo quando ele minimizou seu lendário sex appeal para retratar um professor universitário que fazia pouco mais que fumar maconha vestido de roupão de banho no filme Garotos Incríveis (2000), parecia que Douglas ainda estava numa sintonia sobrenatural, desta vez com o pânico de milhões de baby boomers percebendo que não apenas tinham entrado na meia-idade, mas que já estavam saindo dela.

O ator americano Michael Douglas, filho de Kirk Douglas, completa 80 anos em setembro. Foto: Raul Romo/ The Washington Post

Em forma e relaxado aos 79 anos, Michael Douglas não parece um símbolo cultural quando se instala à mesa e pede uma xícara de chá de hortelã. Com os cabelos agora brancos tão impecáveis quanto o blazer azul, Douglas mais parece a realeza de Hollywood – uma ideia que sempre o fez rir. Ele cresceu em Nova York e Connecticut, fez faculdade em Santa Barbara e só morou em Los Angeles por um tempo. Ele e sua esposa, a atriz Catherine Zeta-Jones, agora moram no condado de Westchester, em Nova York. “É difícil fugir quando você está aqui”, diz Douglas, referindo-se ao agito da cidade. “É café da manhã, almoço e jantar. E gosto de ter amigos de áreas diferentes, não só do show business.”

Mesmo que Los Angeles não seja literalmente o lar de Douglas, ainda é um lugar onde ele se sente muito em casa. Algumas horas antes, ele estava conversando amigavelmente com membros da Academia Nacional de Artes e Ciências Televisivas, eleitores do Emmy que tinham assistido à exibição do episódio 1 de Franklin, no qual Douglas interpreta o pai fundador Benjamin Franklin. (A Apple TV Plus lançou a série de oito horas em 12 de abril). O episódio – em que Franklin chega à França em 1776 para convencer o rei Luís XVI a apoiar a Revolução Americana com dinheiro e armas – foi recebido com aplausos de pé, para o alívio do ator.

“Enfrentei dúvidas na maior parte da produção”, admite Douglas, que interpreta Franklin ao longo de sua estada de nove anos na França, durante a qual ele inventou seu próprio tipo de diplomacia astuta e bajulatória. Embora Douglas e o diretor da série, Tim Van Patten, tenham pensado em usar maquiagem e próteses pesadas para criar os traços peculiares de Franklin, como aquela famosa testa alta, eles decidiram seguir um caminho mais naturalista. Douglas usa apliques grisalhos e ondulados em Franklin, mas seu personagem evita as perucas formais e a maquiagem empoada da corte francesa. Ele se parece mais com Michael Douglas do que com alguém tentando imitar Benjamin Franklin.

Em vez de vivenciar “oito horas de Ben Franklin encobrindo Michael”, diz Douglas, “achei que as pessoas ficariam mais confortáveis se conhecessem o cara. E isso simplesmente me deu muito mais liberdade”. Ainda assim, ele observa, isso implicava uma aposta: “Será que consigo interpretar a personalidade de Franklin?”

Michael Douglas protagoniza 'Franklin', série de oito episódio do Apple TV+. Foto: Apple TV+

Essas preocupações parecem estar evaporando à medida que o público vê Franklin e aceita a inefável fusão de ator, personagem e figura histórica. Douglas “incorpora o espírito de Franklin de muitas maneiras”, disse Van Patten durante uma sessão de perguntas e respostas depois da exibição na academia de televisão. Franklin é “incrivelmente inteligente, charmoso e curioso, cheio de sabedoria e perspicácia. E Michael é tudo isso também”.

Com certeza aí em algum lugar tem uma piada sobre um ator famoso que acaba fazendo o papel de Benjamin Franklin numa série. Franklin vira essa piada de cabeça para baixo, com o personagem-título emergindo como mais um dos muitos homens de ação sedutores e atraentes que Douglas interpretou ao longo da carreira (desta vez, reconhecidamente, com um toque de gota).

Na série, o ator retrata Franklin menos como o aforista corpulento e mais como uma estrela do século 18 – o americano mais famoso do mundo, uma figura extremamente popular na França, um namorador inveterado que seduziu estadistas com a mesma habilidade com que seduzia as mulheres que se apaixonavam por ele. (Ludivine Sagnier e Jeanne Balibar interpretam os interesses amorosos da vida real de Franklin, Anne Louise Brillon e Anne-Catherine de Ligniville, a Madame Helvétius).

“Em cinco anos de ‘convivência’ com Ben Franklin, nunca me ocorreu confundi-lo com Michael Douglas”, diz Stacy Schiff, que escreveu A Great Improvisation: Franklin, France, and the Birth of America [algo como Um Grande Improviso: Franklin, a França, e o Nascimento dos Estados Unidos, em tradução livre], livro no qual se baseia Franklin. “Dito isso, assim que surgiu o nome de Michael, ele pareceu incrivelmente certo.”

Ele tem o brilho frankliniano nos olhos, o carisma bruto, a versatilidade física e intelectual, a capacidade de conduzir um debate só com o arquear da sobrancelha. O cabelo do Michael é bem melhor, mas isso é só um detalhe.

Stacy Schiff

Se a pergunta “será que eles vão gostar?” foi a que mais preocupou Douglas durante os sete meses de produção de Franklin na França, “será que vou sobreviver?” veio em segundo lugar: em 2022, depois de apenas três semanas de filmagem, Douglas foi levado às pressas para uma cirurgia de emergência para remover a vesícula biliar. Ele foi operado numa sexta-feira, se recuperou no fim de semana, tirou mais dois dias de folga e voltou ao set.

“Mas não estava me sentindo bem”, lembra ele, repetindo e diminuindo a velocidade para aumentar a ênfase: “Não estava me sentindo bem”. Com mais seis meses de filmagem, conta, ele perseverou e aos poucos foi se sentindo melhor. “Mas houve um momento em que pensei: ‘Não sei se vou conseguir’. E então comecei a pensar em seguros e em ter que refilmar”.

Michael Douglas e Ludivine Sagnier no terceiro episódio de 'Franklin', que chega ao Apple TV+ em 12 de abril. Foto: Apple TV+

Não é incomum que Douglas pense em coisas como seguros e refilmagens: está sempre pensando no quadro geral. Um dos motivos pelos quais ele decidiu abrir mão da maquiagem elaborada em Franklin foi porque sabia que, combinado com um trajeto de 45 minutos até o set todos os dias, ficar sentado por duas horas e meia numa cadeira de maquiagem provavelmente criaria atrasos para todo mundo.

“É impensável que Michael faça alguma coisa para dificultar a vida do diretor. Ele simplesmente não é assim”, diz Steven Soderbergh, que dirigiu Douglas em Traffic (2000) e no filme da HBO Minha Vida com Liberace (2013). “Fico curioso para saber a origem disso. Será que foi alguma coisa que ele testemunhou? Algo que herdou do pai? Algo que aprendeu como produtor?”

A primeira tentativa de Douglas na produção foi quando seu pai lhe deu os direitos do romance de Ken Kesey, Um Estranho no Ninho, em troca de uma porcentagem da parte de Michael nos lucros. (O filme acabou rendendo a Michael o Oscar de melhor filme em 1976; o fato de Jack Nicholson ter ficado com o papel principal em vez de Kirk causou uma ruptura na relação com o pai, que acabou sendo curada). Mas ele acha que sua sensibilidade vem de ainda antes, de quando foi jovem ator na Conferência Nacional de Dramaturgos no Eugene O’Neill Theatre Center, em Connecticut, onde aprendeu sobre reescritas e sobre submergir o ego do ator para servir o material, e depois quando foi personagem regular na série de televisão The Streets of San Francisco, onde aprendeu sobre estrutura. “Sempre tive essa noção de garantir que a coisa funcionasse”, ele diz, simplesmente.

Mesmo quando não está produzindo, ele está produzindo. “Não consigo evitar”, diz ele. “Estou sempre atuando com um olho só, observando todo o resto”. Parte disso, acrescenta ele, é garantir que seus colegas de elenco e membros da equipe estejam confortáveis. “Simplesmente não trabalho bem com a tensão. É uma coisa que me perturba”, diz ele, referindo-se à regra “sem idiotas” que ele segue há muitos anos. “Gosto de ter a operação mais tranquila possível. E acho que, quando você é o primeiro nome da lista, pontualidade e cortesia são duas grandes qualidades. Se você chegar na hora certa, pronto para trabalhar, ninguém vai se atrasar. E se você estabelecer um tom de abertura e cortesia, todo mundo vai relaxar mais.”

A carreira de Douglas passou por uma reviravolta quase fatal em 2010, quando ele foi diagnosticado com câncer. Já em 2022, ele foi submetido a uma cirurgia de emergência para a remoção da vesícula biliar.  Foto: Raul Romo for The Washington Post

Para Douglas, profissionalismo e polidez são úteis – mas também são princípios que ele aprendeu com os pais. Douglas tinha 6 anos quando eles se divorciaram, depois disso seu pai ficou em Los Angeles e sua mãe, a atriz Diana Douglas, se mudou com ele e seu irmão, Joel, para Nova York, onde moraram no Upper West Side, “num apartamento de frente para o beco, não para o parque”. Quando Diana se casou com o ator, produtor e roteirista Bill Darrid (“um homem adorável”), a família se mudou para uma casa de fazenda em Westport, Connecticut.

“Minha mãe sempre foi muito gentil”, lembra Douglas, acrescentando que suas visitas de verão a Kirk o colocaram em contato com amigos e vizinhos como Tony Curtis, Janet Leigh, Frank Sinatra e Gregory Peck. “Dava para ver as fraquezas e inseguranças dessas pessoas”, diz ele. “Acho que essa foi a maior vantagem de pertencer à segunda geração, a maneira como você levava a vida.” Sua ética de trabalho, diz ele, “é um reflexo não necessariamente de observar meu pai, mas das pressões de ter um pai que era uma estrela de cinema. De certa forma, era respeitá-lo. Você queria mostrar às pessoas que não era mimado.”

Seis décadas de carreira

Ao longo da carreira, Douglas produziu e atuou em filmes que provaram ser não apenas atuais, mas estranhamente preditivos: para cada comédia escapista de “ação romântica” como Tudo por uma Esmeralda e sua sequência, A Joia do Nilo, vinha um filme como Síndrome da China, sobre um acidente nuclear fictício, que estreou nos cinemas em 1979, menos de duas semanas antes de um acidente nuclear de verdade em Three Mile Island. O surto do funcionário de defesa que Douglas retratou em Um Dia de Fúria (1993) evocava as crescentes tensões raciais da Los Angeles da era Rodney King – e sem dúvida pressagiou o ódio do MAGA.

Seus personagens em Atração Fatal, Instinto Selvagem e Assédio Sexual hiperbolizaram o pânico e a confusão dos homens diante da mudança dos papéis de gênero. (Em 2011, Douglas e Glenn Close, estrela de Atração Fatal, viralizaram com uma foto deles junto com um coelho – se você sabe, você sabe – e a legenda “Feliz Páscoa a todos”, enviada a Douglas por um amigo. “Ri muito com aquilo”, Douglas explicou recentemente, acrescentando: “Achei que Glennie iria achar engraçado, então mandei para ela e para alguns outros amigos”).

O personagem mais icônico de Douglas talvez seja Gordon Gekko, o empresário de Wall Street - Poder e Cobiça (1987). O roteirista e diretor Oliver Stone queria que ele fosse o vilão da história, mas ele emergiu como um herói popular, principalmente por causa do domínio eletrizante com que Douglas o interpretou. (Douglas ganhou seu único Oscar de atuação com o papel).

'Estou sempre atuando com um olho só, observando todo o resto', diz Michael Douglas. Foto: Raul Romo / The Washington Post

“Gekko foi concebido como um cara esperto”, lembra Stone. “E Michael conseguiu ser visto como esperto demais. Mas essa é uma das razões pelas quais o escolhi. Ele tinha a mesma qualidade do pai. Kirk tinha a reputação de fazer papéis de caras durões em filmes como Fuga do Passado e A Montanha dos Sete Abutres. E eu gostei desse traço [em Michael], que era uma coisa que não tinha visto em Tudo por uma Esmeralda e filmes desse tipo. E ele conhecia o mundo [de Gekko], porque era de Nova York e tinha amigos ricos.”

Liberace e câncer de língua

A carreira de Douglas encontrou um ponto de virada quase fatal em 2010, quando ele foi diagnosticado com câncer na língua. Ele passou por quimioterapia e radioterapia, uma provação física durante a qual não tinha certeza se voltaria a trabalhar. Onze anos antes, enquanto interpretava um juiz conservador em Traffic, Soderbergh lhe perguntou se algum dia ele consideraria interpretar Liberace. “E ele respondeu de um jeito que foi muito Lee”, lembra Soderbergh, referindo-se ao apelido de Liberace. Douglas também se lembra do momento. “Eu olhei para ele e pensei: ‘Você está dizendo que o paladino antidrogas está muito afetado?”, ele recorda com um sorriso. “’Será que estou desmunhecando demais?”

O projeto se arrastou por mais uma década e, quando Soderbergh estava pronto com a adaptação do livro de memórias de Scott Thorson, amante de Liberace, Douglas já tinha se submetido ao tratamento contra o câncer e podia voltar ao trabalho. Minha Vida com Liberace seria o primeiro projeto de Douglas desde sua doença e lhe renderia o Emmy por uma interpretação que muitos espectadores e críticos consideraram destemida, sensível e reveladora. “O fato de ter sido o primeiro trabalho que ele fez depois de voltar do susto do câncer só deu à coisa toda um componente emocional muito bem-vindo, que achei que realmente agregou à experiência e à atuação”, diz Soderbergh.

Desde então, Douglas está numa jornada de exploração. Ele aprendeu sobre atuação com fundo de tela verde nos filmes do Homem-Formiga e explorou os mistérios da comédia na série da Netflix O Método Kominsky. Interpretar Benjamin Franklin é a primeira tentativa de Douglas com um drama de época – neste caso, uma produção com 78 atores principais e 5 mil figurantes, filmagens em Versalhes e mais de meia dúzia de castelos, além de muito francês. “Sou o único ator americano na série!”, Douglas diz, encantado.

Michael Douglas e Noah Jupe no quarto episódio de 'Franklin', do Apple TV+. Foto: Apple TV+/Divulgação

Michael Douglas vai se aposentar?

E agora, num futuro próximo, Michael Douglas está pronto para parar.

Douglas, que completará 80 anos em setembro, tirou o último ano de folga “só para fazer um pequeno inventário e essas coisas”. E finalmente conseguiu dedicar mais tempo às prioridades não profissionais, como ouvir mais música (se você acha que o viu no show do U2 no Sphere, em Las Vegas, no início de março, você não se enganou). O episódio da vesícula biliar o obrigou a ajustar a dieta, o que melhorou dramaticamente seu nível de energia – ele sente falta dos ovos, mas ainda come um naco de bacon de vez em quando.

Ele e Zeta-Jones levaram toda a família para o sul da Índia por cinco semanas durante as férias de inverno (o casal tem dois filhos de vinte e poucos anos, e Douglas tem um filho de 45 de um casamento anterior). Ele vem planejando uma viagem aos fiordes noruegueses e está de olho na América do Sul. Mas vai passar a maior parte deste ano entre a casa do casal em Maiorca, na Espanha, e a Irlanda, onde Zeta-Jones vai filmar a nova temporada de Wandinha para a Netflix.

Em vez de fazer filmes, diz, ele quer dedicar tempo às suas causas políticas de longa data: a não-proliferação nuclear, que virou uma preocupação quando fez Síndrome da China, e o controle de armas, que ficou pessoal em 1980, quando ele e seu amigo Jann Wenner estavam voltando para casa depois de uma festa de Natal no Central Park West e se depararam com uma comoção que se revelaria o assassinato de John Lennon diante do edifício Dakota. Douglas e Wenner fundaram a organização de controle de armas CeaseFire, que já foi dissolvida; hoje, Douglas participa do Everytown for Gun Safety e da organização para reforma política RepresentUs.

Enquanto isso, Douglas diz que Franklin ficou com ele “de jeitos importantes”. A série, por exemplo, o levou para as obras de Marco Aurélio. “Agora é a minha nova fé”, diz Douglas sobre o estoicismo, elogiando a filosofia por sua ênfase na honradez, no caráter e no autocontrole emocional – qualidades que notavelmente faltam na praça pública contemporânea. “Penso nesses caras e em como eles foram corajosos, meu Deus”, diz Douglas sobre Franklin e seus pares. “E ele tinha 70 anos [quando foi para a França]! Depois de todas as coisas que ele tinha feito – 1776 não foi um passeio no parque. Ele não tinha nenhuma experiência [diplomática] de verdade, foi só improvisando.”

“Foi uma alegria fazer algo que desperta a mente e, essencialmente, lembra como nossa democracia é frágil”, diz ele. Quanto à atual temporada política, ele acrescenta, com ar de cansaço: “Só quero que este ano acabe”.

Até então, ele vai acordar todas as manhãs sem saber exatamente aonde o dia o levará – e, talvez pela primeira vez, isso vai ser muito bom. “Trabalhei praticamente toda a minha vida adulta, mas gostei de não trabalhar”, diz Douglas sobre o ano passado. “A alegria de ficar entediado. É aquele momento ‘o que eu vou fazer?’, em vez de ‘o que eu tenho que colocar em dia, o que eu tenho que fazer?’”. Douglas sorri, e seu rosto ganha uma expressão de sabedoria e contentamento que talvez possa ser descrita como frankliniana. “É uma página em branco”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

LOS ANGELES - Em uma tarde fresca de sábado no mês de março, o burburinho no Polo Lounge do Beverly Hills Hotel está contido. Na época de Kirk Douglas, o restaurante era uma metonímia para o auge da exclusividade e da sofisticação do showbiz. Agora é um destino para turistas que tiram selfies e moradores locais que se divertem em almoços barulhentos e embriagados.

Mas quando Michael Douglas atravessa o salão, o antigo glamour retorna por um instante. Os rostos se abrem em sorrisos largos e acolhedores – e não apenas porque, como filho de Kirk, Douglas se conecta ao passado mais célebre do Lounge, nem porque é uma verdadeira celebridade por si só. É porque, como versão quintessencial de uma certa marca da masculinidade branca do final do século 20, Michael Douglas vem sendo “o cara” há muitos anos.

No auge da fama, Douglas foi o avatar das ansiedades mais profundas, dos desejos mais transgressores, das aspirações mais românticas e das ambições mais vorazes de sua geração, encarnando e refletindo as forças fundamentais que moldam a sociedade americana – como o medo do colapso nuclear, a ganância dos anos 1980 e a masculinidade pós-feminismo.

Mesmo quando ele minimizou seu lendário sex appeal para retratar um professor universitário que fazia pouco mais que fumar maconha vestido de roupão de banho no filme Garotos Incríveis (2000), parecia que Douglas ainda estava numa sintonia sobrenatural, desta vez com o pânico de milhões de baby boomers percebendo que não apenas tinham entrado na meia-idade, mas que já estavam saindo dela.

O ator americano Michael Douglas, filho de Kirk Douglas, completa 80 anos em setembro. Foto: Raul Romo/ The Washington Post

Em forma e relaxado aos 79 anos, Michael Douglas não parece um símbolo cultural quando se instala à mesa e pede uma xícara de chá de hortelã. Com os cabelos agora brancos tão impecáveis quanto o blazer azul, Douglas mais parece a realeza de Hollywood – uma ideia que sempre o fez rir. Ele cresceu em Nova York e Connecticut, fez faculdade em Santa Barbara e só morou em Los Angeles por um tempo. Ele e sua esposa, a atriz Catherine Zeta-Jones, agora moram no condado de Westchester, em Nova York. “É difícil fugir quando você está aqui”, diz Douglas, referindo-se ao agito da cidade. “É café da manhã, almoço e jantar. E gosto de ter amigos de áreas diferentes, não só do show business.”

Mesmo que Los Angeles não seja literalmente o lar de Douglas, ainda é um lugar onde ele se sente muito em casa. Algumas horas antes, ele estava conversando amigavelmente com membros da Academia Nacional de Artes e Ciências Televisivas, eleitores do Emmy que tinham assistido à exibição do episódio 1 de Franklin, no qual Douglas interpreta o pai fundador Benjamin Franklin. (A Apple TV Plus lançou a série de oito horas em 12 de abril). O episódio – em que Franklin chega à França em 1776 para convencer o rei Luís XVI a apoiar a Revolução Americana com dinheiro e armas – foi recebido com aplausos de pé, para o alívio do ator.

“Enfrentei dúvidas na maior parte da produção”, admite Douglas, que interpreta Franklin ao longo de sua estada de nove anos na França, durante a qual ele inventou seu próprio tipo de diplomacia astuta e bajulatória. Embora Douglas e o diretor da série, Tim Van Patten, tenham pensado em usar maquiagem e próteses pesadas para criar os traços peculiares de Franklin, como aquela famosa testa alta, eles decidiram seguir um caminho mais naturalista. Douglas usa apliques grisalhos e ondulados em Franklin, mas seu personagem evita as perucas formais e a maquiagem empoada da corte francesa. Ele se parece mais com Michael Douglas do que com alguém tentando imitar Benjamin Franklin.

Em vez de vivenciar “oito horas de Ben Franklin encobrindo Michael”, diz Douglas, “achei que as pessoas ficariam mais confortáveis se conhecessem o cara. E isso simplesmente me deu muito mais liberdade”. Ainda assim, ele observa, isso implicava uma aposta: “Será que consigo interpretar a personalidade de Franklin?”

Michael Douglas protagoniza 'Franklin', série de oito episódio do Apple TV+. Foto: Apple TV+

Essas preocupações parecem estar evaporando à medida que o público vê Franklin e aceita a inefável fusão de ator, personagem e figura histórica. Douglas “incorpora o espírito de Franklin de muitas maneiras”, disse Van Patten durante uma sessão de perguntas e respostas depois da exibição na academia de televisão. Franklin é “incrivelmente inteligente, charmoso e curioso, cheio de sabedoria e perspicácia. E Michael é tudo isso também”.

Com certeza aí em algum lugar tem uma piada sobre um ator famoso que acaba fazendo o papel de Benjamin Franklin numa série. Franklin vira essa piada de cabeça para baixo, com o personagem-título emergindo como mais um dos muitos homens de ação sedutores e atraentes que Douglas interpretou ao longo da carreira (desta vez, reconhecidamente, com um toque de gota).

Na série, o ator retrata Franklin menos como o aforista corpulento e mais como uma estrela do século 18 – o americano mais famoso do mundo, uma figura extremamente popular na França, um namorador inveterado que seduziu estadistas com a mesma habilidade com que seduzia as mulheres que se apaixonavam por ele. (Ludivine Sagnier e Jeanne Balibar interpretam os interesses amorosos da vida real de Franklin, Anne Louise Brillon e Anne-Catherine de Ligniville, a Madame Helvétius).

“Em cinco anos de ‘convivência’ com Ben Franklin, nunca me ocorreu confundi-lo com Michael Douglas”, diz Stacy Schiff, que escreveu A Great Improvisation: Franklin, France, and the Birth of America [algo como Um Grande Improviso: Franklin, a França, e o Nascimento dos Estados Unidos, em tradução livre], livro no qual se baseia Franklin. “Dito isso, assim que surgiu o nome de Michael, ele pareceu incrivelmente certo.”

Ele tem o brilho frankliniano nos olhos, o carisma bruto, a versatilidade física e intelectual, a capacidade de conduzir um debate só com o arquear da sobrancelha. O cabelo do Michael é bem melhor, mas isso é só um detalhe.

Stacy Schiff

Se a pergunta “será que eles vão gostar?” foi a que mais preocupou Douglas durante os sete meses de produção de Franklin na França, “será que vou sobreviver?” veio em segundo lugar: em 2022, depois de apenas três semanas de filmagem, Douglas foi levado às pressas para uma cirurgia de emergência para remover a vesícula biliar. Ele foi operado numa sexta-feira, se recuperou no fim de semana, tirou mais dois dias de folga e voltou ao set.

“Mas não estava me sentindo bem”, lembra ele, repetindo e diminuindo a velocidade para aumentar a ênfase: “Não estava me sentindo bem”. Com mais seis meses de filmagem, conta, ele perseverou e aos poucos foi se sentindo melhor. “Mas houve um momento em que pensei: ‘Não sei se vou conseguir’. E então comecei a pensar em seguros e em ter que refilmar”.

Michael Douglas e Ludivine Sagnier no terceiro episódio de 'Franklin', que chega ao Apple TV+ em 12 de abril. Foto: Apple TV+

Não é incomum que Douglas pense em coisas como seguros e refilmagens: está sempre pensando no quadro geral. Um dos motivos pelos quais ele decidiu abrir mão da maquiagem elaborada em Franklin foi porque sabia que, combinado com um trajeto de 45 minutos até o set todos os dias, ficar sentado por duas horas e meia numa cadeira de maquiagem provavelmente criaria atrasos para todo mundo.

“É impensável que Michael faça alguma coisa para dificultar a vida do diretor. Ele simplesmente não é assim”, diz Steven Soderbergh, que dirigiu Douglas em Traffic (2000) e no filme da HBO Minha Vida com Liberace (2013). “Fico curioso para saber a origem disso. Será que foi alguma coisa que ele testemunhou? Algo que herdou do pai? Algo que aprendeu como produtor?”

A primeira tentativa de Douglas na produção foi quando seu pai lhe deu os direitos do romance de Ken Kesey, Um Estranho no Ninho, em troca de uma porcentagem da parte de Michael nos lucros. (O filme acabou rendendo a Michael o Oscar de melhor filme em 1976; o fato de Jack Nicholson ter ficado com o papel principal em vez de Kirk causou uma ruptura na relação com o pai, que acabou sendo curada). Mas ele acha que sua sensibilidade vem de ainda antes, de quando foi jovem ator na Conferência Nacional de Dramaturgos no Eugene O’Neill Theatre Center, em Connecticut, onde aprendeu sobre reescritas e sobre submergir o ego do ator para servir o material, e depois quando foi personagem regular na série de televisão The Streets of San Francisco, onde aprendeu sobre estrutura. “Sempre tive essa noção de garantir que a coisa funcionasse”, ele diz, simplesmente.

Mesmo quando não está produzindo, ele está produzindo. “Não consigo evitar”, diz ele. “Estou sempre atuando com um olho só, observando todo o resto”. Parte disso, acrescenta ele, é garantir que seus colegas de elenco e membros da equipe estejam confortáveis. “Simplesmente não trabalho bem com a tensão. É uma coisa que me perturba”, diz ele, referindo-se à regra “sem idiotas” que ele segue há muitos anos. “Gosto de ter a operação mais tranquila possível. E acho que, quando você é o primeiro nome da lista, pontualidade e cortesia são duas grandes qualidades. Se você chegar na hora certa, pronto para trabalhar, ninguém vai se atrasar. E se você estabelecer um tom de abertura e cortesia, todo mundo vai relaxar mais.”

A carreira de Douglas passou por uma reviravolta quase fatal em 2010, quando ele foi diagnosticado com câncer. Já em 2022, ele foi submetido a uma cirurgia de emergência para a remoção da vesícula biliar.  Foto: Raul Romo for The Washington Post

Para Douglas, profissionalismo e polidez são úteis – mas também são princípios que ele aprendeu com os pais. Douglas tinha 6 anos quando eles se divorciaram, depois disso seu pai ficou em Los Angeles e sua mãe, a atriz Diana Douglas, se mudou com ele e seu irmão, Joel, para Nova York, onde moraram no Upper West Side, “num apartamento de frente para o beco, não para o parque”. Quando Diana se casou com o ator, produtor e roteirista Bill Darrid (“um homem adorável”), a família se mudou para uma casa de fazenda em Westport, Connecticut.

“Minha mãe sempre foi muito gentil”, lembra Douglas, acrescentando que suas visitas de verão a Kirk o colocaram em contato com amigos e vizinhos como Tony Curtis, Janet Leigh, Frank Sinatra e Gregory Peck. “Dava para ver as fraquezas e inseguranças dessas pessoas”, diz ele. “Acho que essa foi a maior vantagem de pertencer à segunda geração, a maneira como você levava a vida.” Sua ética de trabalho, diz ele, “é um reflexo não necessariamente de observar meu pai, mas das pressões de ter um pai que era uma estrela de cinema. De certa forma, era respeitá-lo. Você queria mostrar às pessoas que não era mimado.”

Seis décadas de carreira

Ao longo da carreira, Douglas produziu e atuou em filmes que provaram ser não apenas atuais, mas estranhamente preditivos: para cada comédia escapista de “ação romântica” como Tudo por uma Esmeralda e sua sequência, A Joia do Nilo, vinha um filme como Síndrome da China, sobre um acidente nuclear fictício, que estreou nos cinemas em 1979, menos de duas semanas antes de um acidente nuclear de verdade em Three Mile Island. O surto do funcionário de defesa que Douglas retratou em Um Dia de Fúria (1993) evocava as crescentes tensões raciais da Los Angeles da era Rodney King – e sem dúvida pressagiou o ódio do MAGA.

Seus personagens em Atração Fatal, Instinto Selvagem e Assédio Sexual hiperbolizaram o pânico e a confusão dos homens diante da mudança dos papéis de gênero. (Em 2011, Douglas e Glenn Close, estrela de Atração Fatal, viralizaram com uma foto deles junto com um coelho – se você sabe, você sabe – e a legenda “Feliz Páscoa a todos”, enviada a Douglas por um amigo. “Ri muito com aquilo”, Douglas explicou recentemente, acrescentando: “Achei que Glennie iria achar engraçado, então mandei para ela e para alguns outros amigos”).

O personagem mais icônico de Douglas talvez seja Gordon Gekko, o empresário de Wall Street - Poder e Cobiça (1987). O roteirista e diretor Oliver Stone queria que ele fosse o vilão da história, mas ele emergiu como um herói popular, principalmente por causa do domínio eletrizante com que Douglas o interpretou. (Douglas ganhou seu único Oscar de atuação com o papel).

'Estou sempre atuando com um olho só, observando todo o resto', diz Michael Douglas. Foto: Raul Romo / The Washington Post

“Gekko foi concebido como um cara esperto”, lembra Stone. “E Michael conseguiu ser visto como esperto demais. Mas essa é uma das razões pelas quais o escolhi. Ele tinha a mesma qualidade do pai. Kirk tinha a reputação de fazer papéis de caras durões em filmes como Fuga do Passado e A Montanha dos Sete Abutres. E eu gostei desse traço [em Michael], que era uma coisa que não tinha visto em Tudo por uma Esmeralda e filmes desse tipo. E ele conhecia o mundo [de Gekko], porque era de Nova York e tinha amigos ricos.”

Liberace e câncer de língua

A carreira de Douglas encontrou um ponto de virada quase fatal em 2010, quando ele foi diagnosticado com câncer na língua. Ele passou por quimioterapia e radioterapia, uma provação física durante a qual não tinha certeza se voltaria a trabalhar. Onze anos antes, enquanto interpretava um juiz conservador em Traffic, Soderbergh lhe perguntou se algum dia ele consideraria interpretar Liberace. “E ele respondeu de um jeito que foi muito Lee”, lembra Soderbergh, referindo-se ao apelido de Liberace. Douglas também se lembra do momento. “Eu olhei para ele e pensei: ‘Você está dizendo que o paladino antidrogas está muito afetado?”, ele recorda com um sorriso. “’Será que estou desmunhecando demais?”

O projeto se arrastou por mais uma década e, quando Soderbergh estava pronto com a adaptação do livro de memórias de Scott Thorson, amante de Liberace, Douglas já tinha se submetido ao tratamento contra o câncer e podia voltar ao trabalho. Minha Vida com Liberace seria o primeiro projeto de Douglas desde sua doença e lhe renderia o Emmy por uma interpretação que muitos espectadores e críticos consideraram destemida, sensível e reveladora. “O fato de ter sido o primeiro trabalho que ele fez depois de voltar do susto do câncer só deu à coisa toda um componente emocional muito bem-vindo, que achei que realmente agregou à experiência e à atuação”, diz Soderbergh.

Desde então, Douglas está numa jornada de exploração. Ele aprendeu sobre atuação com fundo de tela verde nos filmes do Homem-Formiga e explorou os mistérios da comédia na série da Netflix O Método Kominsky. Interpretar Benjamin Franklin é a primeira tentativa de Douglas com um drama de época – neste caso, uma produção com 78 atores principais e 5 mil figurantes, filmagens em Versalhes e mais de meia dúzia de castelos, além de muito francês. “Sou o único ator americano na série!”, Douglas diz, encantado.

Michael Douglas e Noah Jupe no quarto episódio de 'Franklin', do Apple TV+. Foto: Apple TV+/Divulgação

Michael Douglas vai se aposentar?

E agora, num futuro próximo, Michael Douglas está pronto para parar.

Douglas, que completará 80 anos em setembro, tirou o último ano de folga “só para fazer um pequeno inventário e essas coisas”. E finalmente conseguiu dedicar mais tempo às prioridades não profissionais, como ouvir mais música (se você acha que o viu no show do U2 no Sphere, em Las Vegas, no início de março, você não se enganou). O episódio da vesícula biliar o obrigou a ajustar a dieta, o que melhorou dramaticamente seu nível de energia – ele sente falta dos ovos, mas ainda come um naco de bacon de vez em quando.

Ele e Zeta-Jones levaram toda a família para o sul da Índia por cinco semanas durante as férias de inverno (o casal tem dois filhos de vinte e poucos anos, e Douglas tem um filho de 45 de um casamento anterior). Ele vem planejando uma viagem aos fiordes noruegueses e está de olho na América do Sul. Mas vai passar a maior parte deste ano entre a casa do casal em Maiorca, na Espanha, e a Irlanda, onde Zeta-Jones vai filmar a nova temporada de Wandinha para a Netflix.

Em vez de fazer filmes, diz, ele quer dedicar tempo às suas causas políticas de longa data: a não-proliferação nuclear, que virou uma preocupação quando fez Síndrome da China, e o controle de armas, que ficou pessoal em 1980, quando ele e seu amigo Jann Wenner estavam voltando para casa depois de uma festa de Natal no Central Park West e se depararam com uma comoção que se revelaria o assassinato de John Lennon diante do edifício Dakota. Douglas e Wenner fundaram a organização de controle de armas CeaseFire, que já foi dissolvida; hoje, Douglas participa do Everytown for Gun Safety e da organização para reforma política RepresentUs.

Enquanto isso, Douglas diz que Franklin ficou com ele “de jeitos importantes”. A série, por exemplo, o levou para as obras de Marco Aurélio. “Agora é a minha nova fé”, diz Douglas sobre o estoicismo, elogiando a filosofia por sua ênfase na honradez, no caráter e no autocontrole emocional – qualidades que notavelmente faltam na praça pública contemporânea. “Penso nesses caras e em como eles foram corajosos, meu Deus”, diz Douglas sobre Franklin e seus pares. “E ele tinha 70 anos [quando foi para a França]! Depois de todas as coisas que ele tinha feito – 1776 não foi um passeio no parque. Ele não tinha nenhuma experiência [diplomática] de verdade, foi só improvisando.”

“Foi uma alegria fazer algo que desperta a mente e, essencialmente, lembra como nossa democracia é frágil”, diz ele. Quanto à atual temporada política, ele acrescenta, com ar de cansaço: “Só quero que este ano acabe”.

Até então, ele vai acordar todas as manhãs sem saber exatamente aonde o dia o levará – e, talvez pela primeira vez, isso vai ser muito bom. “Trabalhei praticamente toda a minha vida adulta, mas gostei de não trabalhar”, diz Douglas sobre o ano passado. “A alegria de ficar entediado. É aquele momento ‘o que eu vou fazer?’, em vez de ‘o que eu tenho que colocar em dia, o que eu tenho que fazer?’”. Douglas sorri, e seu rosto ganha uma expressão de sabedoria e contentamento que talvez possa ser descrita como frankliniana. “É uma página em branco”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

LOS ANGELES - Em uma tarde fresca de sábado no mês de março, o burburinho no Polo Lounge do Beverly Hills Hotel está contido. Na época de Kirk Douglas, o restaurante era uma metonímia para o auge da exclusividade e da sofisticação do showbiz. Agora é um destino para turistas que tiram selfies e moradores locais que se divertem em almoços barulhentos e embriagados.

Mas quando Michael Douglas atravessa o salão, o antigo glamour retorna por um instante. Os rostos se abrem em sorrisos largos e acolhedores – e não apenas porque, como filho de Kirk, Douglas se conecta ao passado mais célebre do Lounge, nem porque é uma verdadeira celebridade por si só. É porque, como versão quintessencial de uma certa marca da masculinidade branca do final do século 20, Michael Douglas vem sendo “o cara” há muitos anos.

No auge da fama, Douglas foi o avatar das ansiedades mais profundas, dos desejos mais transgressores, das aspirações mais românticas e das ambições mais vorazes de sua geração, encarnando e refletindo as forças fundamentais que moldam a sociedade americana – como o medo do colapso nuclear, a ganância dos anos 1980 e a masculinidade pós-feminismo.

Mesmo quando ele minimizou seu lendário sex appeal para retratar um professor universitário que fazia pouco mais que fumar maconha vestido de roupão de banho no filme Garotos Incríveis (2000), parecia que Douglas ainda estava numa sintonia sobrenatural, desta vez com o pânico de milhões de baby boomers percebendo que não apenas tinham entrado na meia-idade, mas que já estavam saindo dela.

O ator americano Michael Douglas, filho de Kirk Douglas, completa 80 anos em setembro. Foto: Raul Romo/ The Washington Post

Em forma e relaxado aos 79 anos, Michael Douglas não parece um símbolo cultural quando se instala à mesa e pede uma xícara de chá de hortelã. Com os cabelos agora brancos tão impecáveis quanto o blazer azul, Douglas mais parece a realeza de Hollywood – uma ideia que sempre o fez rir. Ele cresceu em Nova York e Connecticut, fez faculdade em Santa Barbara e só morou em Los Angeles por um tempo. Ele e sua esposa, a atriz Catherine Zeta-Jones, agora moram no condado de Westchester, em Nova York. “É difícil fugir quando você está aqui”, diz Douglas, referindo-se ao agito da cidade. “É café da manhã, almoço e jantar. E gosto de ter amigos de áreas diferentes, não só do show business.”

Mesmo que Los Angeles não seja literalmente o lar de Douglas, ainda é um lugar onde ele se sente muito em casa. Algumas horas antes, ele estava conversando amigavelmente com membros da Academia Nacional de Artes e Ciências Televisivas, eleitores do Emmy que tinham assistido à exibição do episódio 1 de Franklin, no qual Douglas interpreta o pai fundador Benjamin Franklin. (A Apple TV Plus lançou a série de oito horas em 12 de abril). O episódio – em que Franklin chega à França em 1776 para convencer o rei Luís XVI a apoiar a Revolução Americana com dinheiro e armas – foi recebido com aplausos de pé, para o alívio do ator.

“Enfrentei dúvidas na maior parte da produção”, admite Douglas, que interpreta Franklin ao longo de sua estada de nove anos na França, durante a qual ele inventou seu próprio tipo de diplomacia astuta e bajulatória. Embora Douglas e o diretor da série, Tim Van Patten, tenham pensado em usar maquiagem e próteses pesadas para criar os traços peculiares de Franklin, como aquela famosa testa alta, eles decidiram seguir um caminho mais naturalista. Douglas usa apliques grisalhos e ondulados em Franklin, mas seu personagem evita as perucas formais e a maquiagem empoada da corte francesa. Ele se parece mais com Michael Douglas do que com alguém tentando imitar Benjamin Franklin.

Em vez de vivenciar “oito horas de Ben Franklin encobrindo Michael”, diz Douglas, “achei que as pessoas ficariam mais confortáveis se conhecessem o cara. E isso simplesmente me deu muito mais liberdade”. Ainda assim, ele observa, isso implicava uma aposta: “Será que consigo interpretar a personalidade de Franklin?”

Michael Douglas protagoniza 'Franklin', série de oito episódio do Apple TV+. Foto: Apple TV+

Essas preocupações parecem estar evaporando à medida que o público vê Franklin e aceita a inefável fusão de ator, personagem e figura histórica. Douglas “incorpora o espírito de Franklin de muitas maneiras”, disse Van Patten durante uma sessão de perguntas e respostas depois da exibição na academia de televisão. Franklin é “incrivelmente inteligente, charmoso e curioso, cheio de sabedoria e perspicácia. E Michael é tudo isso também”.

Com certeza aí em algum lugar tem uma piada sobre um ator famoso que acaba fazendo o papel de Benjamin Franklin numa série. Franklin vira essa piada de cabeça para baixo, com o personagem-título emergindo como mais um dos muitos homens de ação sedutores e atraentes que Douglas interpretou ao longo da carreira (desta vez, reconhecidamente, com um toque de gota).

Na série, o ator retrata Franklin menos como o aforista corpulento e mais como uma estrela do século 18 – o americano mais famoso do mundo, uma figura extremamente popular na França, um namorador inveterado que seduziu estadistas com a mesma habilidade com que seduzia as mulheres que se apaixonavam por ele. (Ludivine Sagnier e Jeanne Balibar interpretam os interesses amorosos da vida real de Franklin, Anne Louise Brillon e Anne-Catherine de Ligniville, a Madame Helvétius).

“Em cinco anos de ‘convivência’ com Ben Franklin, nunca me ocorreu confundi-lo com Michael Douglas”, diz Stacy Schiff, que escreveu A Great Improvisation: Franklin, France, and the Birth of America [algo como Um Grande Improviso: Franklin, a França, e o Nascimento dos Estados Unidos, em tradução livre], livro no qual se baseia Franklin. “Dito isso, assim que surgiu o nome de Michael, ele pareceu incrivelmente certo.”

Ele tem o brilho frankliniano nos olhos, o carisma bruto, a versatilidade física e intelectual, a capacidade de conduzir um debate só com o arquear da sobrancelha. O cabelo do Michael é bem melhor, mas isso é só um detalhe.

Stacy Schiff

Se a pergunta “será que eles vão gostar?” foi a que mais preocupou Douglas durante os sete meses de produção de Franklin na França, “será que vou sobreviver?” veio em segundo lugar: em 2022, depois de apenas três semanas de filmagem, Douglas foi levado às pressas para uma cirurgia de emergência para remover a vesícula biliar. Ele foi operado numa sexta-feira, se recuperou no fim de semana, tirou mais dois dias de folga e voltou ao set.

“Mas não estava me sentindo bem”, lembra ele, repetindo e diminuindo a velocidade para aumentar a ênfase: “Não estava me sentindo bem”. Com mais seis meses de filmagem, conta, ele perseverou e aos poucos foi se sentindo melhor. “Mas houve um momento em que pensei: ‘Não sei se vou conseguir’. E então comecei a pensar em seguros e em ter que refilmar”.

Michael Douglas e Ludivine Sagnier no terceiro episódio de 'Franklin', que chega ao Apple TV+ em 12 de abril. Foto: Apple TV+

Não é incomum que Douglas pense em coisas como seguros e refilmagens: está sempre pensando no quadro geral. Um dos motivos pelos quais ele decidiu abrir mão da maquiagem elaborada em Franklin foi porque sabia que, combinado com um trajeto de 45 minutos até o set todos os dias, ficar sentado por duas horas e meia numa cadeira de maquiagem provavelmente criaria atrasos para todo mundo.

“É impensável que Michael faça alguma coisa para dificultar a vida do diretor. Ele simplesmente não é assim”, diz Steven Soderbergh, que dirigiu Douglas em Traffic (2000) e no filme da HBO Minha Vida com Liberace (2013). “Fico curioso para saber a origem disso. Será que foi alguma coisa que ele testemunhou? Algo que herdou do pai? Algo que aprendeu como produtor?”

A primeira tentativa de Douglas na produção foi quando seu pai lhe deu os direitos do romance de Ken Kesey, Um Estranho no Ninho, em troca de uma porcentagem da parte de Michael nos lucros. (O filme acabou rendendo a Michael o Oscar de melhor filme em 1976; o fato de Jack Nicholson ter ficado com o papel principal em vez de Kirk causou uma ruptura na relação com o pai, que acabou sendo curada). Mas ele acha que sua sensibilidade vem de ainda antes, de quando foi jovem ator na Conferência Nacional de Dramaturgos no Eugene O’Neill Theatre Center, em Connecticut, onde aprendeu sobre reescritas e sobre submergir o ego do ator para servir o material, e depois quando foi personagem regular na série de televisão The Streets of San Francisco, onde aprendeu sobre estrutura. “Sempre tive essa noção de garantir que a coisa funcionasse”, ele diz, simplesmente.

Mesmo quando não está produzindo, ele está produzindo. “Não consigo evitar”, diz ele. “Estou sempre atuando com um olho só, observando todo o resto”. Parte disso, acrescenta ele, é garantir que seus colegas de elenco e membros da equipe estejam confortáveis. “Simplesmente não trabalho bem com a tensão. É uma coisa que me perturba”, diz ele, referindo-se à regra “sem idiotas” que ele segue há muitos anos. “Gosto de ter a operação mais tranquila possível. E acho que, quando você é o primeiro nome da lista, pontualidade e cortesia são duas grandes qualidades. Se você chegar na hora certa, pronto para trabalhar, ninguém vai se atrasar. E se você estabelecer um tom de abertura e cortesia, todo mundo vai relaxar mais.”

A carreira de Douglas passou por uma reviravolta quase fatal em 2010, quando ele foi diagnosticado com câncer. Já em 2022, ele foi submetido a uma cirurgia de emergência para a remoção da vesícula biliar.  Foto: Raul Romo for The Washington Post

Para Douglas, profissionalismo e polidez são úteis – mas também são princípios que ele aprendeu com os pais. Douglas tinha 6 anos quando eles se divorciaram, depois disso seu pai ficou em Los Angeles e sua mãe, a atriz Diana Douglas, se mudou com ele e seu irmão, Joel, para Nova York, onde moraram no Upper West Side, “num apartamento de frente para o beco, não para o parque”. Quando Diana se casou com o ator, produtor e roteirista Bill Darrid (“um homem adorável”), a família se mudou para uma casa de fazenda em Westport, Connecticut.

“Minha mãe sempre foi muito gentil”, lembra Douglas, acrescentando que suas visitas de verão a Kirk o colocaram em contato com amigos e vizinhos como Tony Curtis, Janet Leigh, Frank Sinatra e Gregory Peck. “Dava para ver as fraquezas e inseguranças dessas pessoas”, diz ele. “Acho que essa foi a maior vantagem de pertencer à segunda geração, a maneira como você levava a vida.” Sua ética de trabalho, diz ele, “é um reflexo não necessariamente de observar meu pai, mas das pressões de ter um pai que era uma estrela de cinema. De certa forma, era respeitá-lo. Você queria mostrar às pessoas que não era mimado.”

Seis décadas de carreira

Ao longo da carreira, Douglas produziu e atuou em filmes que provaram ser não apenas atuais, mas estranhamente preditivos: para cada comédia escapista de “ação romântica” como Tudo por uma Esmeralda e sua sequência, A Joia do Nilo, vinha um filme como Síndrome da China, sobre um acidente nuclear fictício, que estreou nos cinemas em 1979, menos de duas semanas antes de um acidente nuclear de verdade em Three Mile Island. O surto do funcionário de defesa que Douglas retratou em Um Dia de Fúria (1993) evocava as crescentes tensões raciais da Los Angeles da era Rodney King – e sem dúvida pressagiou o ódio do MAGA.

Seus personagens em Atração Fatal, Instinto Selvagem e Assédio Sexual hiperbolizaram o pânico e a confusão dos homens diante da mudança dos papéis de gênero. (Em 2011, Douglas e Glenn Close, estrela de Atração Fatal, viralizaram com uma foto deles junto com um coelho – se você sabe, você sabe – e a legenda “Feliz Páscoa a todos”, enviada a Douglas por um amigo. “Ri muito com aquilo”, Douglas explicou recentemente, acrescentando: “Achei que Glennie iria achar engraçado, então mandei para ela e para alguns outros amigos”).

O personagem mais icônico de Douglas talvez seja Gordon Gekko, o empresário de Wall Street - Poder e Cobiça (1987). O roteirista e diretor Oliver Stone queria que ele fosse o vilão da história, mas ele emergiu como um herói popular, principalmente por causa do domínio eletrizante com que Douglas o interpretou. (Douglas ganhou seu único Oscar de atuação com o papel).

'Estou sempre atuando com um olho só, observando todo o resto', diz Michael Douglas. Foto: Raul Romo / The Washington Post

“Gekko foi concebido como um cara esperto”, lembra Stone. “E Michael conseguiu ser visto como esperto demais. Mas essa é uma das razões pelas quais o escolhi. Ele tinha a mesma qualidade do pai. Kirk tinha a reputação de fazer papéis de caras durões em filmes como Fuga do Passado e A Montanha dos Sete Abutres. E eu gostei desse traço [em Michael], que era uma coisa que não tinha visto em Tudo por uma Esmeralda e filmes desse tipo. E ele conhecia o mundo [de Gekko], porque era de Nova York e tinha amigos ricos.”

Liberace e câncer de língua

A carreira de Douglas encontrou um ponto de virada quase fatal em 2010, quando ele foi diagnosticado com câncer na língua. Ele passou por quimioterapia e radioterapia, uma provação física durante a qual não tinha certeza se voltaria a trabalhar. Onze anos antes, enquanto interpretava um juiz conservador em Traffic, Soderbergh lhe perguntou se algum dia ele consideraria interpretar Liberace. “E ele respondeu de um jeito que foi muito Lee”, lembra Soderbergh, referindo-se ao apelido de Liberace. Douglas também se lembra do momento. “Eu olhei para ele e pensei: ‘Você está dizendo que o paladino antidrogas está muito afetado?”, ele recorda com um sorriso. “’Será que estou desmunhecando demais?”

O projeto se arrastou por mais uma década e, quando Soderbergh estava pronto com a adaptação do livro de memórias de Scott Thorson, amante de Liberace, Douglas já tinha se submetido ao tratamento contra o câncer e podia voltar ao trabalho. Minha Vida com Liberace seria o primeiro projeto de Douglas desde sua doença e lhe renderia o Emmy por uma interpretação que muitos espectadores e críticos consideraram destemida, sensível e reveladora. “O fato de ter sido o primeiro trabalho que ele fez depois de voltar do susto do câncer só deu à coisa toda um componente emocional muito bem-vindo, que achei que realmente agregou à experiência e à atuação”, diz Soderbergh.

Desde então, Douglas está numa jornada de exploração. Ele aprendeu sobre atuação com fundo de tela verde nos filmes do Homem-Formiga e explorou os mistérios da comédia na série da Netflix O Método Kominsky. Interpretar Benjamin Franklin é a primeira tentativa de Douglas com um drama de época – neste caso, uma produção com 78 atores principais e 5 mil figurantes, filmagens em Versalhes e mais de meia dúzia de castelos, além de muito francês. “Sou o único ator americano na série!”, Douglas diz, encantado.

Michael Douglas e Noah Jupe no quarto episódio de 'Franklin', do Apple TV+. Foto: Apple TV+/Divulgação

Michael Douglas vai se aposentar?

E agora, num futuro próximo, Michael Douglas está pronto para parar.

Douglas, que completará 80 anos em setembro, tirou o último ano de folga “só para fazer um pequeno inventário e essas coisas”. E finalmente conseguiu dedicar mais tempo às prioridades não profissionais, como ouvir mais música (se você acha que o viu no show do U2 no Sphere, em Las Vegas, no início de março, você não se enganou). O episódio da vesícula biliar o obrigou a ajustar a dieta, o que melhorou dramaticamente seu nível de energia – ele sente falta dos ovos, mas ainda come um naco de bacon de vez em quando.

Ele e Zeta-Jones levaram toda a família para o sul da Índia por cinco semanas durante as férias de inverno (o casal tem dois filhos de vinte e poucos anos, e Douglas tem um filho de 45 de um casamento anterior). Ele vem planejando uma viagem aos fiordes noruegueses e está de olho na América do Sul. Mas vai passar a maior parte deste ano entre a casa do casal em Maiorca, na Espanha, e a Irlanda, onde Zeta-Jones vai filmar a nova temporada de Wandinha para a Netflix.

Em vez de fazer filmes, diz, ele quer dedicar tempo às suas causas políticas de longa data: a não-proliferação nuclear, que virou uma preocupação quando fez Síndrome da China, e o controle de armas, que ficou pessoal em 1980, quando ele e seu amigo Jann Wenner estavam voltando para casa depois de uma festa de Natal no Central Park West e se depararam com uma comoção que se revelaria o assassinato de John Lennon diante do edifício Dakota. Douglas e Wenner fundaram a organização de controle de armas CeaseFire, que já foi dissolvida; hoje, Douglas participa do Everytown for Gun Safety e da organização para reforma política RepresentUs.

Enquanto isso, Douglas diz que Franklin ficou com ele “de jeitos importantes”. A série, por exemplo, o levou para as obras de Marco Aurélio. “Agora é a minha nova fé”, diz Douglas sobre o estoicismo, elogiando a filosofia por sua ênfase na honradez, no caráter e no autocontrole emocional – qualidades que notavelmente faltam na praça pública contemporânea. “Penso nesses caras e em como eles foram corajosos, meu Deus”, diz Douglas sobre Franklin e seus pares. “E ele tinha 70 anos [quando foi para a França]! Depois de todas as coisas que ele tinha feito – 1776 não foi um passeio no parque. Ele não tinha nenhuma experiência [diplomática] de verdade, foi só improvisando.”

“Foi uma alegria fazer algo que desperta a mente e, essencialmente, lembra como nossa democracia é frágil”, diz ele. Quanto à atual temporada política, ele acrescenta, com ar de cansaço: “Só quero que este ano acabe”.

Até então, ele vai acordar todas as manhãs sem saber exatamente aonde o dia o levará – e, talvez pela primeira vez, isso vai ser muito bom. “Trabalhei praticamente toda a minha vida adulta, mas gostei de não trabalhar”, diz Douglas sobre o ano passado. “A alegria de ficar entediado. É aquele momento ‘o que eu vou fazer?’, em vez de ‘o que eu tenho que colocar em dia, o que eu tenho que fazer?’”. Douglas sorri, e seu rosto ganha uma expressão de sabedoria e contentamento que talvez possa ser descrita como frankliniana. “É uma página em branco”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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