“Não é uma série, é um filme”, repete o diretor René Vidal (Vincent Macaigne), personagem de Irma Vep, que estreia seu primeiro episódio hoje na HBO Max. E o roteirista e cineasta Olivier Assayas, que estreou a obra no Festival de Cannes, quer discutir exatamente isso: o que, afinal, é um filme nos dias de hoje?
Em 1996, Assayas lançou um longa-metragem chamado Irma Vep, estrelado por Maggie Cheung, atriz de Hong Kong então pouco conhecida no Ocidente. Era um filme dentro de um filme, que mostrava o choque cultural e a loucura de um set de filmagens. Cheung interpretava uma atriz chamada Maggie Cheung que fazia o papel de Irma Vep, a mítica personagem vivida por Musidora no serial Os Vampiros, de Louis Feuillade, de 1915. O thriller criminal em episódios da época do cinema mudo influenciou de Alfred Hitchcock a Fritz Lang, imortalizando também o “catsuit”, o macacão colado ao corpo que virou uniforme para super-heroínas e vilãs como a Mulher-Gato.
Na nova versão, Alicia Vikander é Mira, uma atriz americana que está cansada de fazer produções de super-heróis e, contra a vontade de sua agente, aceita o papel de Irma Vep em uma série francesa que refilma o original de Feuillade.
Assayas fez pouca coisa para a televisão, mais especificamente a minissérie Carlos. “Na verdade, eu não assisto TV”, admitiu em entrevista com a participação do Estadão, em Cannes, onde Irma Vep foi exibido fora de competição. Mas ele ficou intrigado com a possibilidade de expandir o universo de seu Irma Vep original, escrito e realizado às pressas em 1996, em um momento em que todo o sistema de produção e exibição cinematográfica está em debate.
“No fim, nós discutimos apenas a duração”, disse ele. “Temos entretenimento industrial baseado em algoritmos, sim. Mas aqui estamos falando de séries feitas por cineastas com identidades muito particulares. Quando eu estou fazendo uma série ou quando Marco Bellocchio (que apresentou Esterno Notte em Cannes) está fazendo uma série, qual a diferença entre cinema e televisão?”
Com Irma Vep, Assayas disse ter tido orçamento e duração maiores, além de liberdade criativa. “Com oito horas nas mãos, você pode tomar caminhos diferentes dos que usaria em um filme tradicional, pode trabalhar com mais atores, pode tentar coisas. É um novo espaço que dá novas possibilidades e te ajuda a se reinventar.” O lado ruim é o cronograma, ter de escrever e filmar em pouco tempo.
Mas ele acredita que esta Irma Vep, no futuro, vai ser exibida em retrospectivas de sua obra junto com seus longas-metragens feitos para o cinema. “Eu sei que fiz para a HBO, o que significa que é televisão, mas eu acho que televisão é uma palavra simples para definir exatamente como vai ser vista”, disse. Porque pode ser no celular ou no tablet, mas também em uma tela gigante na casa das pessoas.
Para ele, o cinema em salas não é mais um formato autossustentável. “Você pode achar deplorável, ficar bravo, odiar, mas é um fato”, afirmou. “E olha que, se não houvesse salas de cinema, eu não estaria fazendo filmes. Eu sou de outra época.” Mas, com a pandemia e o crescimento do streaming, muita gente perdeu o hábito. “O cinema sempre esteve em crise. Mas agora é de verdade.” Por isso foi interessante refazer Irma Vep agora. “É um momento em que discutimos o que é cinema ou não, em que há muitas questões sem respostas. Filmes tratam de perguntas, não de respostas. Quando as respostas existem, filmes não são mais necessários.” Com seu “filme em episódios”, Assayas quer participar desse debate.