‘Ripley’: Psicopata? Vilão? Conheça o mestre na arte de mentir que ganha série com tom de Caravaggio


Na série da Netflix, Andrew Scott abraça complexidade do personagem de Patricia Highsmith já vivido por Matt Damon e fala sobre o indecifrável homem que deixa um rastro de destruição na nova série da Netflix; leia entrevistas

Por Mariane Morisawa
Atualização:

Quem procura respostas claras no cinema e na televisão não vai encontrá-las em Ripley, nova adaptação da obra de Patricia Highsmith escrita e dirigida por Steven Zaillian (vencedor do Oscar de roteiro adaptado por A Lista de Schindler, de 1993) e estrelada por Andrew Scott (de Todos Nós Desconhecidos). A série, que acaba de estrear na Netflix, abraça sem medo a ambiguidade e a complexidade de seu personagem principal, Tom Ripley.

Ele é um nova-iorquino que vive de pequenos golpes até se deparar com a chance de sua vida, quando um milionário o contrata para ir à Itália atrás de seu filho, Richard Greenleaf (Johnny Flynn), e trazê-lo de volta aos Estados Unidos para assumir os negócios da família. O rapaz, porém, só quer viver a vida pintando quadros.

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Tom Ripley (Andrew Scott) chega à pequena Atrani, na Costa Amalfitana, fingindo conhecer Richard, ou Dickie, das altas rodas de Nova York. Marge (Dakota Fanning), a namorada de Dickie, desconfia das verdadeiras intenções de Tom, que, obviamente, parece um pouco deslocado ali. Mas Tom é um mestre na arte de mentir, fingir, replicar e logo conquista a confiança de Dickie, encantando-se com um mundo de riqueza, beleza e arte.

Homem misterioso

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Só que, na verdade, não dá para saber de nada, já que acompanhamos Ripley totalmente pelo ponto de vista de Tom. Será que ele é de Nova York mesmo? É dos Estados Unidos? Dada sua facilidade para aprender italiano, pode ser que seja só um sotaque que adotou. E o rastro de destruição que ele deixa é motivado por despeito, raiva, obsessão? Sua relação com Dickie é de amizade, inveja ou paixão?

“Eu não quis diagnosticar Thomas como sociopata ou psicopata nem o vejo como vilão”, disse Andrew Scott em entrevista à imprensa, por videoconferência. “Acredito que seja um anti-herói, alguém que nos faz torcer por ele, mesmo quando não deveríamos fazer isso.”

Andrew Scott é Tom Ripley em 'Ripley', nova série da Netflix. Foto: Lorenzo Sisti/Netflix/Divulgação
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Para o ator irlandês, nós nos vemos em Tom Ripley. “Nem sempre encontramos nossas respostas. E é curioso porque, de todos os personagens que já fiz, este é aquele sobre quem as pessoas querem mais respostas. Querem saber sua sexualidade. De onde ele é. Mas, na verdade, essas questões são ingênuas, porque esse é o objetivo: não chegar a conclusões.”

Uma série em vez de um filme

E foi justamente para explorar as nuances desse personagem tão indecifrável que Steven Zaillian preferiu fazer uma série em vez de filme. Tom Ripley já foi visto no cinema algumas vezes. Só o primeiro volume da série, O Talentoso Ripley, publicado originalmente em 1955, virou O Sol por Testemunha (1960) e O Talentoso Ripley (1999), com Alain Delon e Matt Damon, respectivamente, interpretando Tom. A produção indiana Naan (2012) também é baseada no romance.

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“Sou fã do livro há muito tempo e conheço as adaptações”, disse Zaillian. “Mas eu queria mais tempo e achava que um formato em episódios se casaria perfeitamente com a obra, me permitindo entrar em detalhes da história, dos personagens e dos relacionamentos entre eles de uma maneira que duas horas não são capazes”, completa. A série tem oito episódios variando entre 45 e 75 minutos cada.

A Marge de Dakota Fanning, por exemplo, é menos glamourosa, lânguida e ingênua que a versão da personagem feita por Gwyneth Paltrow em O Talentoso Ripley, dirigido por Anthony Mighella e indicado a cinco Oscars. Freddie Miles, interpretado por Eliot Sumner (cujo pai é Sting), não é o americano barulhento e insuportável interpretado por Philip Seymour Hoffman no longa de 1999, mas um personagem inglês, de gênero não-específico, que lê Tom imediatamente, fala baixo e, por isso, é muito mais ameaçador para o trambiqueiro.

O Dickie Greenleaf de Johnny Flynn é menos exuberante, convencido e cruel do que aquele vivido por Jude Law. “Steven ficava me dizendo como Dickie é um cara bacana”, disse Flynn. “Para mim, é preciso lembrar que o livro e nossa versão são muito sob o ponto de vista de Tom. Dickie está meio perdido, não quer viver a vida de seu pai em Nova York e enxerga em Tom alguém intrigante que enxerga a beleza do mundo da mesma forma.”

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'Ripley' é baseado nos romances de Patricia Highsmith. Foto: Netflix/Divulgação

Se a adaptação de 1999 colocava Tom Ripley como um coitado que não sabia se vestir, era tratado como brinquedo pelos ricos e obviamente nutria uma paixão por Dickie – em se tratando de Jude Law, quem nunca? –, aqui os tons são bem mais amenos. O Tom Ripley de Andrew Scott é muito mais indecifrável do que o de Matt Damon. “A ideia era fazer o espectador sentir como é ser Tom Ripley e não como é ser uma vítima dele”, disse Scott.

Há também muito mais humor. Dá um trabalho danado ser um trambiqueiro que vai longe demais e acaba tendo de cobrir seus rastros, a começar pela quantidade de escadas que o personagem precisa subir e descer. Tom nem sempre é o mais competente dos criminosos. Os detetives, igualmente, não são.

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Mas permanece a sensação de que Tom é um homem com talentos que fica à margem. “Ele não tem acesso às coisas bonitas, como arte, música e beleza, como outros personagens. E, para mim, a mensagem que existe na série é que todos merecem a beleza, a arte, a música. Elas não são só para os ricos e membros de certa classe social”, disse Andrew Scott.

Caravaggio e preto e branco

Steven Zaillian cria um paralelo entre Tom Ripley e Caravaggio, o pintor que viveu entre 1571 e 1610 e é o mestre do tenebrismo, a versão exagerada do chiaroscuro, o contraste entre luzes e sombras. Um gênio na arte, Caravaggio fugiu de Roma e viveu os quatro últimos anos de sua vida entre Nápoles, Malta e Sicília depois de cometer um assassinato.

'Ripley' cria paralelo entre Tom Ripley e Caravaggio. Foto: Netflix/Divulgação

Ripley também faz um grand tour da Itália, passando por Atrani, Nápoles, San Remo, Roma, Palermo e Veneza. Zaillian decidiu deixar de lado as cores saturadas, os corpos bronzeados e o sol constante das adaptações anteriores. Sua Itália é invernal, sem turistas, um tanto pandêmica (até porque a série foi mesmo rodada durante a covid-19).

Tudo foi filmado em preto e branco, em uma homenagem ao noir, ao expressionismo e ao cinema italiano dos anos 1950 e 1960 que deixa mais evidente o jogo de luz e sombra na alma de Tom Ripley – que existe também em nós. “Todos temos a escuridão aqui dentro, o inexplicável. Somos um mistério para nós mesmos”, disse Andrew Scott. A série não teme refletir como somos – ou podemos ser – em vez de ser uma lição sobre quem deveríamos ser.

Quem procura respostas claras no cinema e na televisão não vai encontrá-las em Ripley, nova adaptação da obra de Patricia Highsmith escrita e dirigida por Steven Zaillian (vencedor do Oscar de roteiro adaptado por A Lista de Schindler, de 1993) e estrelada por Andrew Scott (de Todos Nós Desconhecidos). A série, que acaba de estrear na Netflix, abraça sem medo a ambiguidade e a complexidade de seu personagem principal, Tom Ripley.

Ele é um nova-iorquino que vive de pequenos golpes até se deparar com a chance de sua vida, quando um milionário o contrata para ir à Itália atrás de seu filho, Richard Greenleaf (Johnny Flynn), e trazê-lo de volta aos Estados Unidos para assumir os negócios da família. O rapaz, porém, só quer viver a vida pintando quadros.

Tom Ripley (Andrew Scott) chega à pequena Atrani, na Costa Amalfitana, fingindo conhecer Richard, ou Dickie, das altas rodas de Nova York. Marge (Dakota Fanning), a namorada de Dickie, desconfia das verdadeiras intenções de Tom, que, obviamente, parece um pouco deslocado ali. Mas Tom é um mestre na arte de mentir, fingir, replicar e logo conquista a confiança de Dickie, encantando-se com um mundo de riqueza, beleza e arte.

Homem misterioso

Só que, na verdade, não dá para saber de nada, já que acompanhamos Ripley totalmente pelo ponto de vista de Tom. Será que ele é de Nova York mesmo? É dos Estados Unidos? Dada sua facilidade para aprender italiano, pode ser que seja só um sotaque que adotou. E o rastro de destruição que ele deixa é motivado por despeito, raiva, obsessão? Sua relação com Dickie é de amizade, inveja ou paixão?

“Eu não quis diagnosticar Thomas como sociopata ou psicopata nem o vejo como vilão”, disse Andrew Scott em entrevista à imprensa, por videoconferência. “Acredito que seja um anti-herói, alguém que nos faz torcer por ele, mesmo quando não deveríamos fazer isso.”

Andrew Scott é Tom Ripley em 'Ripley', nova série da Netflix. Foto: Lorenzo Sisti/Netflix/Divulgação

Para o ator irlandês, nós nos vemos em Tom Ripley. “Nem sempre encontramos nossas respostas. E é curioso porque, de todos os personagens que já fiz, este é aquele sobre quem as pessoas querem mais respostas. Querem saber sua sexualidade. De onde ele é. Mas, na verdade, essas questões são ingênuas, porque esse é o objetivo: não chegar a conclusões.”

Uma série em vez de um filme

E foi justamente para explorar as nuances desse personagem tão indecifrável que Steven Zaillian preferiu fazer uma série em vez de filme. Tom Ripley já foi visto no cinema algumas vezes. Só o primeiro volume da série, O Talentoso Ripley, publicado originalmente em 1955, virou O Sol por Testemunha (1960) e O Talentoso Ripley (1999), com Alain Delon e Matt Damon, respectivamente, interpretando Tom. A produção indiana Naan (2012) também é baseada no romance.

“Sou fã do livro há muito tempo e conheço as adaptações”, disse Zaillian. “Mas eu queria mais tempo e achava que um formato em episódios se casaria perfeitamente com a obra, me permitindo entrar em detalhes da história, dos personagens e dos relacionamentos entre eles de uma maneira que duas horas não são capazes”, completa. A série tem oito episódios variando entre 45 e 75 minutos cada.

A Marge de Dakota Fanning, por exemplo, é menos glamourosa, lânguida e ingênua que a versão da personagem feita por Gwyneth Paltrow em O Talentoso Ripley, dirigido por Anthony Mighella e indicado a cinco Oscars. Freddie Miles, interpretado por Eliot Sumner (cujo pai é Sting), não é o americano barulhento e insuportável interpretado por Philip Seymour Hoffman no longa de 1999, mas um personagem inglês, de gênero não-específico, que lê Tom imediatamente, fala baixo e, por isso, é muito mais ameaçador para o trambiqueiro.

O Dickie Greenleaf de Johnny Flynn é menos exuberante, convencido e cruel do que aquele vivido por Jude Law. “Steven ficava me dizendo como Dickie é um cara bacana”, disse Flynn. “Para mim, é preciso lembrar que o livro e nossa versão são muito sob o ponto de vista de Tom. Dickie está meio perdido, não quer viver a vida de seu pai em Nova York e enxerga em Tom alguém intrigante que enxerga a beleza do mundo da mesma forma.”

'Ripley' é baseado nos romances de Patricia Highsmith. Foto: Netflix/Divulgação

Se a adaptação de 1999 colocava Tom Ripley como um coitado que não sabia se vestir, era tratado como brinquedo pelos ricos e obviamente nutria uma paixão por Dickie – em se tratando de Jude Law, quem nunca? –, aqui os tons são bem mais amenos. O Tom Ripley de Andrew Scott é muito mais indecifrável do que o de Matt Damon. “A ideia era fazer o espectador sentir como é ser Tom Ripley e não como é ser uma vítima dele”, disse Scott.

Há também muito mais humor. Dá um trabalho danado ser um trambiqueiro que vai longe demais e acaba tendo de cobrir seus rastros, a começar pela quantidade de escadas que o personagem precisa subir e descer. Tom nem sempre é o mais competente dos criminosos. Os detetives, igualmente, não são.

Mas permanece a sensação de que Tom é um homem com talentos que fica à margem. “Ele não tem acesso às coisas bonitas, como arte, música e beleza, como outros personagens. E, para mim, a mensagem que existe na série é que todos merecem a beleza, a arte, a música. Elas não são só para os ricos e membros de certa classe social”, disse Andrew Scott.

Caravaggio e preto e branco

Steven Zaillian cria um paralelo entre Tom Ripley e Caravaggio, o pintor que viveu entre 1571 e 1610 e é o mestre do tenebrismo, a versão exagerada do chiaroscuro, o contraste entre luzes e sombras. Um gênio na arte, Caravaggio fugiu de Roma e viveu os quatro últimos anos de sua vida entre Nápoles, Malta e Sicília depois de cometer um assassinato.

'Ripley' cria paralelo entre Tom Ripley e Caravaggio. Foto: Netflix/Divulgação

Ripley também faz um grand tour da Itália, passando por Atrani, Nápoles, San Remo, Roma, Palermo e Veneza. Zaillian decidiu deixar de lado as cores saturadas, os corpos bronzeados e o sol constante das adaptações anteriores. Sua Itália é invernal, sem turistas, um tanto pandêmica (até porque a série foi mesmo rodada durante a covid-19).

Tudo foi filmado em preto e branco, em uma homenagem ao noir, ao expressionismo e ao cinema italiano dos anos 1950 e 1960 que deixa mais evidente o jogo de luz e sombra na alma de Tom Ripley – que existe também em nós. “Todos temos a escuridão aqui dentro, o inexplicável. Somos um mistério para nós mesmos”, disse Andrew Scott. A série não teme refletir como somos – ou podemos ser – em vez de ser uma lição sobre quem deveríamos ser.

Quem procura respostas claras no cinema e na televisão não vai encontrá-las em Ripley, nova adaptação da obra de Patricia Highsmith escrita e dirigida por Steven Zaillian (vencedor do Oscar de roteiro adaptado por A Lista de Schindler, de 1993) e estrelada por Andrew Scott (de Todos Nós Desconhecidos). A série, que acaba de estrear na Netflix, abraça sem medo a ambiguidade e a complexidade de seu personagem principal, Tom Ripley.

Ele é um nova-iorquino que vive de pequenos golpes até se deparar com a chance de sua vida, quando um milionário o contrata para ir à Itália atrás de seu filho, Richard Greenleaf (Johnny Flynn), e trazê-lo de volta aos Estados Unidos para assumir os negócios da família. O rapaz, porém, só quer viver a vida pintando quadros.

Tom Ripley (Andrew Scott) chega à pequena Atrani, na Costa Amalfitana, fingindo conhecer Richard, ou Dickie, das altas rodas de Nova York. Marge (Dakota Fanning), a namorada de Dickie, desconfia das verdadeiras intenções de Tom, que, obviamente, parece um pouco deslocado ali. Mas Tom é um mestre na arte de mentir, fingir, replicar e logo conquista a confiança de Dickie, encantando-se com um mundo de riqueza, beleza e arte.

Homem misterioso

Só que, na verdade, não dá para saber de nada, já que acompanhamos Ripley totalmente pelo ponto de vista de Tom. Será que ele é de Nova York mesmo? É dos Estados Unidos? Dada sua facilidade para aprender italiano, pode ser que seja só um sotaque que adotou. E o rastro de destruição que ele deixa é motivado por despeito, raiva, obsessão? Sua relação com Dickie é de amizade, inveja ou paixão?

“Eu não quis diagnosticar Thomas como sociopata ou psicopata nem o vejo como vilão”, disse Andrew Scott em entrevista à imprensa, por videoconferência. “Acredito que seja um anti-herói, alguém que nos faz torcer por ele, mesmo quando não deveríamos fazer isso.”

Andrew Scott é Tom Ripley em 'Ripley', nova série da Netflix. Foto: Lorenzo Sisti/Netflix/Divulgação

Para o ator irlandês, nós nos vemos em Tom Ripley. “Nem sempre encontramos nossas respostas. E é curioso porque, de todos os personagens que já fiz, este é aquele sobre quem as pessoas querem mais respostas. Querem saber sua sexualidade. De onde ele é. Mas, na verdade, essas questões são ingênuas, porque esse é o objetivo: não chegar a conclusões.”

Uma série em vez de um filme

E foi justamente para explorar as nuances desse personagem tão indecifrável que Steven Zaillian preferiu fazer uma série em vez de filme. Tom Ripley já foi visto no cinema algumas vezes. Só o primeiro volume da série, O Talentoso Ripley, publicado originalmente em 1955, virou O Sol por Testemunha (1960) e O Talentoso Ripley (1999), com Alain Delon e Matt Damon, respectivamente, interpretando Tom. A produção indiana Naan (2012) também é baseada no romance.

“Sou fã do livro há muito tempo e conheço as adaptações”, disse Zaillian. “Mas eu queria mais tempo e achava que um formato em episódios se casaria perfeitamente com a obra, me permitindo entrar em detalhes da história, dos personagens e dos relacionamentos entre eles de uma maneira que duas horas não são capazes”, completa. A série tem oito episódios variando entre 45 e 75 minutos cada.

A Marge de Dakota Fanning, por exemplo, é menos glamourosa, lânguida e ingênua que a versão da personagem feita por Gwyneth Paltrow em O Talentoso Ripley, dirigido por Anthony Mighella e indicado a cinco Oscars. Freddie Miles, interpretado por Eliot Sumner (cujo pai é Sting), não é o americano barulhento e insuportável interpretado por Philip Seymour Hoffman no longa de 1999, mas um personagem inglês, de gênero não-específico, que lê Tom imediatamente, fala baixo e, por isso, é muito mais ameaçador para o trambiqueiro.

O Dickie Greenleaf de Johnny Flynn é menos exuberante, convencido e cruel do que aquele vivido por Jude Law. “Steven ficava me dizendo como Dickie é um cara bacana”, disse Flynn. “Para mim, é preciso lembrar que o livro e nossa versão são muito sob o ponto de vista de Tom. Dickie está meio perdido, não quer viver a vida de seu pai em Nova York e enxerga em Tom alguém intrigante que enxerga a beleza do mundo da mesma forma.”

'Ripley' é baseado nos romances de Patricia Highsmith. Foto: Netflix/Divulgação

Se a adaptação de 1999 colocava Tom Ripley como um coitado que não sabia se vestir, era tratado como brinquedo pelos ricos e obviamente nutria uma paixão por Dickie – em se tratando de Jude Law, quem nunca? –, aqui os tons são bem mais amenos. O Tom Ripley de Andrew Scott é muito mais indecifrável do que o de Matt Damon. “A ideia era fazer o espectador sentir como é ser Tom Ripley e não como é ser uma vítima dele”, disse Scott.

Há também muito mais humor. Dá um trabalho danado ser um trambiqueiro que vai longe demais e acaba tendo de cobrir seus rastros, a começar pela quantidade de escadas que o personagem precisa subir e descer. Tom nem sempre é o mais competente dos criminosos. Os detetives, igualmente, não são.

Mas permanece a sensação de que Tom é um homem com talentos que fica à margem. “Ele não tem acesso às coisas bonitas, como arte, música e beleza, como outros personagens. E, para mim, a mensagem que existe na série é que todos merecem a beleza, a arte, a música. Elas não são só para os ricos e membros de certa classe social”, disse Andrew Scott.

Caravaggio e preto e branco

Steven Zaillian cria um paralelo entre Tom Ripley e Caravaggio, o pintor que viveu entre 1571 e 1610 e é o mestre do tenebrismo, a versão exagerada do chiaroscuro, o contraste entre luzes e sombras. Um gênio na arte, Caravaggio fugiu de Roma e viveu os quatro últimos anos de sua vida entre Nápoles, Malta e Sicília depois de cometer um assassinato.

'Ripley' cria paralelo entre Tom Ripley e Caravaggio. Foto: Netflix/Divulgação

Ripley também faz um grand tour da Itália, passando por Atrani, Nápoles, San Remo, Roma, Palermo e Veneza. Zaillian decidiu deixar de lado as cores saturadas, os corpos bronzeados e o sol constante das adaptações anteriores. Sua Itália é invernal, sem turistas, um tanto pandêmica (até porque a série foi mesmo rodada durante a covid-19).

Tudo foi filmado em preto e branco, em uma homenagem ao noir, ao expressionismo e ao cinema italiano dos anos 1950 e 1960 que deixa mais evidente o jogo de luz e sombra na alma de Tom Ripley – que existe também em nós. “Todos temos a escuridão aqui dentro, o inexplicável. Somos um mistério para nós mesmos”, disse Andrew Scott. A série não teme refletir como somos – ou podemos ser – em vez de ser uma lição sobre quem deveríamos ser.

Quem procura respostas claras no cinema e na televisão não vai encontrá-las em Ripley, nova adaptação da obra de Patricia Highsmith escrita e dirigida por Steven Zaillian (vencedor do Oscar de roteiro adaptado por A Lista de Schindler, de 1993) e estrelada por Andrew Scott (de Todos Nós Desconhecidos). A série, que acaba de estrear na Netflix, abraça sem medo a ambiguidade e a complexidade de seu personagem principal, Tom Ripley.

Ele é um nova-iorquino que vive de pequenos golpes até se deparar com a chance de sua vida, quando um milionário o contrata para ir à Itália atrás de seu filho, Richard Greenleaf (Johnny Flynn), e trazê-lo de volta aos Estados Unidos para assumir os negócios da família. O rapaz, porém, só quer viver a vida pintando quadros.

Tom Ripley (Andrew Scott) chega à pequena Atrani, na Costa Amalfitana, fingindo conhecer Richard, ou Dickie, das altas rodas de Nova York. Marge (Dakota Fanning), a namorada de Dickie, desconfia das verdadeiras intenções de Tom, que, obviamente, parece um pouco deslocado ali. Mas Tom é um mestre na arte de mentir, fingir, replicar e logo conquista a confiança de Dickie, encantando-se com um mundo de riqueza, beleza e arte.

Homem misterioso

Só que, na verdade, não dá para saber de nada, já que acompanhamos Ripley totalmente pelo ponto de vista de Tom. Será que ele é de Nova York mesmo? É dos Estados Unidos? Dada sua facilidade para aprender italiano, pode ser que seja só um sotaque que adotou. E o rastro de destruição que ele deixa é motivado por despeito, raiva, obsessão? Sua relação com Dickie é de amizade, inveja ou paixão?

“Eu não quis diagnosticar Thomas como sociopata ou psicopata nem o vejo como vilão”, disse Andrew Scott em entrevista à imprensa, por videoconferência. “Acredito que seja um anti-herói, alguém que nos faz torcer por ele, mesmo quando não deveríamos fazer isso.”

Andrew Scott é Tom Ripley em 'Ripley', nova série da Netflix. Foto: Lorenzo Sisti/Netflix/Divulgação

Para o ator irlandês, nós nos vemos em Tom Ripley. “Nem sempre encontramos nossas respostas. E é curioso porque, de todos os personagens que já fiz, este é aquele sobre quem as pessoas querem mais respostas. Querem saber sua sexualidade. De onde ele é. Mas, na verdade, essas questões são ingênuas, porque esse é o objetivo: não chegar a conclusões.”

Uma série em vez de um filme

E foi justamente para explorar as nuances desse personagem tão indecifrável que Steven Zaillian preferiu fazer uma série em vez de filme. Tom Ripley já foi visto no cinema algumas vezes. Só o primeiro volume da série, O Talentoso Ripley, publicado originalmente em 1955, virou O Sol por Testemunha (1960) e O Talentoso Ripley (1999), com Alain Delon e Matt Damon, respectivamente, interpretando Tom. A produção indiana Naan (2012) também é baseada no romance.

“Sou fã do livro há muito tempo e conheço as adaptações”, disse Zaillian. “Mas eu queria mais tempo e achava que um formato em episódios se casaria perfeitamente com a obra, me permitindo entrar em detalhes da história, dos personagens e dos relacionamentos entre eles de uma maneira que duas horas não são capazes”, completa. A série tem oito episódios variando entre 45 e 75 minutos cada.

A Marge de Dakota Fanning, por exemplo, é menos glamourosa, lânguida e ingênua que a versão da personagem feita por Gwyneth Paltrow em O Talentoso Ripley, dirigido por Anthony Mighella e indicado a cinco Oscars. Freddie Miles, interpretado por Eliot Sumner (cujo pai é Sting), não é o americano barulhento e insuportável interpretado por Philip Seymour Hoffman no longa de 1999, mas um personagem inglês, de gênero não-específico, que lê Tom imediatamente, fala baixo e, por isso, é muito mais ameaçador para o trambiqueiro.

O Dickie Greenleaf de Johnny Flynn é menos exuberante, convencido e cruel do que aquele vivido por Jude Law. “Steven ficava me dizendo como Dickie é um cara bacana”, disse Flynn. “Para mim, é preciso lembrar que o livro e nossa versão são muito sob o ponto de vista de Tom. Dickie está meio perdido, não quer viver a vida de seu pai em Nova York e enxerga em Tom alguém intrigante que enxerga a beleza do mundo da mesma forma.”

'Ripley' é baseado nos romances de Patricia Highsmith. Foto: Netflix/Divulgação

Se a adaptação de 1999 colocava Tom Ripley como um coitado que não sabia se vestir, era tratado como brinquedo pelos ricos e obviamente nutria uma paixão por Dickie – em se tratando de Jude Law, quem nunca? –, aqui os tons são bem mais amenos. O Tom Ripley de Andrew Scott é muito mais indecifrável do que o de Matt Damon. “A ideia era fazer o espectador sentir como é ser Tom Ripley e não como é ser uma vítima dele”, disse Scott.

Há também muito mais humor. Dá um trabalho danado ser um trambiqueiro que vai longe demais e acaba tendo de cobrir seus rastros, a começar pela quantidade de escadas que o personagem precisa subir e descer. Tom nem sempre é o mais competente dos criminosos. Os detetives, igualmente, não são.

Mas permanece a sensação de que Tom é um homem com talentos que fica à margem. “Ele não tem acesso às coisas bonitas, como arte, música e beleza, como outros personagens. E, para mim, a mensagem que existe na série é que todos merecem a beleza, a arte, a música. Elas não são só para os ricos e membros de certa classe social”, disse Andrew Scott.

Caravaggio e preto e branco

Steven Zaillian cria um paralelo entre Tom Ripley e Caravaggio, o pintor que viveu entre 1571 e 1610 e é o mestre do tenebrismo, a versão exagerada do chiaroscuro, o contraste entre luzes e sombras. Um gênio na arte, Caravaggio fugiu de Roma e viveu os quatro últimos anos de sua vida entre Nápoles, Malta e Sicília depois de cometer um assassinato.

'Ripley' cria paralelo entre Tom Ripley e Caravaggio. Foto: Netflix/Divulgação

Ripley também faz um grand tour da Itália, passando por Atrani, Nápoles, San Remo, Roma, Palermo e Veneza. Zaillian decidiu deixar de lado as cores saturadas, os corpos bronzeados e o sol constante das adaptações anteriores. Sua Itália é invernal, sem turistas, um tanto pandêmica (até porque a série foi mesmo rodada durante a covid-19).

Tudo foi filmado em preto e branco, em uma homenagem ao noir, ao expressionismo e ao cinema italiano dos anos 1950 e 1960 que deixa mais evidente o jogo de luz e sombra na alma de Tom Ripley – que existe também em nós. “Todos temos a escuridão aqui dentro, o inexplicável. Somos um mistério para nós mesmos”, disse Andrew Scott. A série não teme refletir como somos – ou podemos ser – em vez de ser uma lição sobre quem deveríamos ser.

Quem procura respostas claras no cinema e na televisão não vai encontrá-las em Ripley, nova adaptação da obra de Patricia Highsmith escrita e dirigida por Steven Zaillian (vencedor do Oscar de roteiro adaptado por A Lista de Schindler, de 1993) e estrelada por Andrew Scott (de Todos Nós Desconhecidos). A série, que acaba de estrear na Netflix, abraça sem medo a ambiguidade e a complexidade de seu personagem principal, Tom Ripley.

Ele é um nova-iorquino que vive de pequenos golpes até se deparar com a chance de sua vida, quando um milionário o contrata para ir à Itália atrás de seu filho, Richard Greenleaf (Johnny Flynn), e trazê-lo de volta aos Estados Unidos para assumir os negócios da família. O rapaz, porém, só quer viver a vida pintando quadros.

Tom Ripley (Andrew Scott) chega à pequena Atrani, na Costa Amalfitana, fingindo conhecer Richard, ou Dickie, das altas rodas de Nova York. Marge (Dakota Fanning), a namorada de Dickie, desconfia das verdadeiras intenções de Tom, que, obviamente, parece um pouco deslocado ali. Mas Tom é um mestre na arte de mentir, fingir, replicar e logo conquista a confiança de Dickie, encantando-se com um mundo de riqueza, beleza e arte.

Homem misterioso

Só que, na verdade, não dá para saber de nada, já que acompanhamos Ripley totalmente pelo ponto de vista de Tom. Será que ele é de Nova York mesmo? É dos Estados Unidos? Dada sua facilidade para aprender italiano, pode ser que seja só um sotaque que adotou. E o rastro de destruição que ele deixa é motivado por despeito, raiva, obsessão? Sua relação com Dickie é de amizade, inveja ou paixão?

“Eu não quis diagnosticar Thomas como sociopata ou psicopata nem o vejo como vilão”, disse Andrew Scott em entrevista à imprensa, por videoconferência. “Acredito que seja um anti-herói, alguém que nos faz torcer por ele, mesmo quando não deveríamos fazer isso.”

Andrew Scott é Tom Ripley em 'Ripley', nova série da Netflix. Foto: Lorenzo Sisti/Netflix/Divulgação

Para o ator irlandês, nós nos vemos em Tom Ripley. “Nem sempre encontramos nossas respostas. E é curioso porque, de todos os personagens que já fiz, este é aquele sobre quem as pessoas querem mais respostas. Querem saber sua sexualidade. De onde ele é. Mas, na verdade, essas questões são ingênuas, porque esse é o objetivo: não chegar a conclusões.”

Uma série em vez de um filme

E foi justamente para explorar as nuances desse personagem tão indecifrável que Steven Zaillian preferiu fazer uma série em vez de filme. Tom Ripley já foi visto no cinema algumas vezes. Só o primeiro volume da série, O Talentoso Ripley, publicado originalmente em 1955, virou O Sol por Testemunha (1960) e O Talentoso Ripley (1999), com Alain Delon e Matt Damon, respectivamente, interpretando Tom. A produção indiana Naan (2012) também é baseada no romance.

“Sou fã do livro há muito tempo e conheço as adaptações”, disse Zaillian. “Mas eu queria mais tempo e achava que um formato em episódios se casaria perfeitamente com a obra, me permitindo entrar em detalhes da história, dos personagens e dos relacionamentos entre eles de uma maneira que duas horas não são capazes”, completa. A série tem oito episódios variando entre 45 e 75 minutos cada.

A Marge de Dakota Fanning, por exemplo, é menos glamourosa, lânguida e ingênua que a versão da personagem feita por Gwyneth Paltrow em O Talentoso Ripley, dirigido por Anthony Mighella e indicado a cinco Oscars. Freddie Miles, interpretado por Eliot Sumner (cujo pai é Sting), não é o americano barulhento e insuportável interpretado por Philip Seymour Hoffman no longa de 1999, mas um personagem inglês, de gênero não-específico, que lê Tom imediatamente, fala baixo e, por isso, é muito mais ameaçador para o trambiqueiro.

O Dickie Greenleaf de Johnny Flynn é menos exuberante, convencido e cruel do que aquele vivido por Jude Law. “Steven ficava me dizendo como Dickie é um cara bacana”, disse Flynn. “Para mim, é preciso lembrar que o livro e nossa versão são muito sob o ponto de vista de Tom. Dickie está meio perdido, não quer viver a vida de seu pai em Nova York e enxerga em Tom alguém intrigante que enxerga a beleza do mundo da mesma forma.”

'Ripley' é baseado nos romances de Patricia Highsmith. Foto: Netflix/Divulgação

Se a adaptação de 1999 colocava Tom Ripley como um coitado que não sabia se vestir, era tratado como brinquedo pelos ricos e obviamente nutria uma paixão por Dickie – em se tratando de Jude Law, quem nunca? –, aqui os tons são bem mais amenos. O Tom Ripley de Andrew Scott é muito mais indecifrável do que o de Matt Damon. “A ideia era fazer o espectador sentir como é ser Tom Ripley e não como é ser uma vítima dele”, disse Scott.

Há também muito mais humor. Dá um trabalho danado ser um trambiqueiro que vai longe demais e acaba tendo de cobrir seus rastros, a começar pela quantidade de escadas que o personagem precisa subir e descer. Tom nem sempre é o mais competente dos criminosos. Os detetives, igualmente, não são.

Mas permanece a sensação de que Tom é um homem com talentos que fica à margem. “Ele não tem acesso às coisas bonitas, como arte, música e beleza, como outros personagens. E, para mim, a mensagem que existe na série é que todos merecem a beleza, a arte, a música. Elas não são só para os ricos e membros de certa classe social”, disse Andrew Scott.

Caravaggio e preto e branco

Steven Zaillian cria um paralelo entre Tom Ripley e Caravaggio, o pintor que viveu entre 1571 e 1610 e é o mestre do tenebrismo, a versão exagerada do chiaroscuro, o contraste entre luzes e sombras. Um gênio na arte, Caravaggio fugiu de Roma e viveu os quatro últimos anos de sua vida entre Nápoles, Malta e Sicília depois de cometer um assassinato.

'Ripley' cria paralelo entre Tom Ripley e Caravaggio. Foto: Netflix/Divulgação

Ripley também faz um grand tour da Itália, passando por Atrani, Nápoles, San Remo, Roma, Palermo e Veneza. Zaillian decidiu deixar de lado as cores saturadas, os corpos bronzeados e o sol constante das adaptações anteriores. Sua Itália é invernal, sem turistas, um tanto pandêmica (até porque a série foi mesmo rodada durante a covid-19).

Tudo foi filmado em preto e branco, em uma homenagem ao noir, ao expressionismo e ao cinema italiano dos anos 1950 e 1960 que deixa mais evidente o jogo de luz e sombra na alma de Tom Ripley – que existe também em nós. “Todos temos a escuridão aqui dentro, o inexplicável. Somos um mistério para nós mesmos”, disse Andrew Scott. A série não teme refletir como somos – ou podemos ser – em vez de ser uma lição sobre quem deveríamos ser.

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