A história de Pátria oscila entre dois tempos. No “presente”, 2011, quando o grupo separatista basco ETA renuncia ao uso da violência. E, no passado, quando se encontrava em plena atividade. Numa pequena cidade do País Basco, duas mulheres são amigas íntimas. Porém, as famílias seguem caminhos opostos. Uma delas tem o marido, um industrial, assassinado a tiros. A outra vê um dos seus filhos envolver-se na luta armada.
A trama baseia-se no romance best-seller Pátria, de Fernando Aramburu. A série – dirigida por Félix Viscarret nos quatro primeiros episódios e Óscar Pedraza nos quatro últimos – apresenta pontos fortes. O principal, sem dúvida, a história, tirada do livro, que aponta para a ruptura social diante da violência, os efeitos da polarização extrema e os caminhos difíceis para a reconciliação uma vez transpostas certas fronteiras. No caso, a fronteira principal, a mais dolorosa, a do sangue derramado. Traumas presentes na memória de um país que já havia passado por uma guerra civil muito sangrenta nos anos 1930, 40 anos de ditadura fascista sob o tacão de Francisco Franco e o enfrentamento de questões separatistas espinhosas, como a do próprio País Basco. Depois, chama a atenção a direção segura que cuida de manter viva a intensidade do enredo. De manejar bem suas idas e vindas no tempo – quebra de linearidade que, no entanto, não semeia confusão na cabeça do espectador minimamente atento. Também é digna de nota a ambientação, o cuidado na direção de arte de uma obra que trabalha com duas linhas narrativas separadas por um intervalo de cerca de 20 anos, com envelhecimento de personagens e outros desafios. Por fim, o elenco, muito homogêneo, intenso e com alguns pontos altos, como as duas matriarcas que são as verdadeiras protagonistas dessa tragédia tanto social quanto familiar. Tais qualidades valeram à série as distinções principais entre os Prêmios Platino deste ano, considerado o “Oscar” do cinema ibero-americano. Na cerimônia realizada em Madri, Pátria recebeu os troféus de Melhor Série, Interpretação Feminina (Elena Irureta), Atriz Coadjuvante (Loreto Mauléon) e também a nova categoria, criada a partir deste ano, de Melhor Criador de Minisséries (Altor Gabilondo). Bittori (Elena Iureta) e Miren (Ane Gabarain) são amigas próximas. Seus maridos, Txato (José Ramón Soroiz) e Joxian (Mikel Laskurain), também são amigos. Costumam andar de bicicleta juntos, com um grupo de atletas maduros. Os filhos são igualmente próximos. O casal Miren-Joxian tem três: Arantxa (Loreto Mauléon), Gorka (Eneko Sogordoy) e Joxe Mari (Joan Olivares). Txato e Bittori têm um filho, Xabier (Íñigo Arambarri) e uma filha, Nerea (Susana Abaitua). São os nove personagens centrais da trama. Num ambiente conturbado, as duas famílias tentam manter o equilíbrio e a proximidade. Porém, como dizia Trotsky, você pode não se interessar pela guerra, mas a guerra se interessa por você. Ela chega quando o industrial Txato passa a ser chantageado pelo ETA para que dê “contribuição” financeira à organização.
Do outro lado, o jovem Joxe Mari adere ao grupo armado e passa a receber treinamento militar para participar de futuros atentados. A ação segue em ritmo ascendente, embora, como já se disse, o enredo se apresente de forma não linear. Logo de cara, vemos um crime ser cometido. Seu significado só será compreendido por inteiro ao longo da história. A mesma cena se repete ao longo dos capítulos, reelaborando seu sentido com o que já ficamos sabendo. Assim, vemos repetidamente o homem de meia-idade tomar um café na jarra, despedir-se da esposa, sair da casa sob chuva e ser baleado na rua. O plano corta para a esposa que faz a sesta, é despertada por disparos e sai à rua para ver o marido agonizando no chão e abraça-se a ele. Cenas duras se sucedem, dos dois lados. De um, os atentados cometidos pelo ETA contra desafetos. De outro, torturas praticadas pela Guarda Civil espanhola sobre militantes presos. Aliás, o cartaz divulgado pela HBO na Espanha, quando a série ainda não havia estreado, provocou polêmica. Mostrava duas imagens colocadas lado a lado: a mulher abraçada ao corpo do marido ensanguentado e o corpo torturado de um jovem caído no chão de uma delegacia de polícia. Houve protestos, como se as imagens somadas pretendessem estabelecer equivalência entre os dois crimes – o da organização clandestina e o do Estado. O próprio escritor Fernando Aramburu se viu obrigado a intervir. Num primeiro momento, gostou do cartaz. Depois, frente à polêmica, passou a criticá-lo como estratégia de marketing que não refletia o conteúdo matizado do seu livro nem o da série inspirada na obra. De fato, Pátria reflete a violência de lado a lado, tanto a do ETA quanto a do terrorismo de Estado empregado para enfrentá-la, à margem da lei. Sem equipará-las, reflete também sobre o custo social e humano da polarização extrema e de como são trabalhosos os caminhos da reconciliação quando se chega a este ponto. Nesse caso, não existem mocinhos nem vilões. Todos perdem. A série está disponível na HBO Max. O livro de Fernando Aramburu foi publicado no Brasil pela Intrínseca.