Sullivan & Massadas: ‘Transformamos o Brasil em um parque de diversões’


Dupla de compositores que nos anos 1980 e 1990 foi gravada por nomes como Roberto Carlos, Tim Maia, Gal Costa e Xuxa fala sobre reencontro em série do Globoplay e da revolução os dois causaram na MPB

Por Danilo Casaletti
Atualização:
Foto: Rogerio Vonkruger/ Mapafo
Entrevista comSullivan & MassadasCompositores

A série documental Sullivan & Massadas: Retratos e Canções, que recém estreou no Globoplay, em um primeiro momento pode até induzir o espectador à certa nostalgia. Afinal, quem viveu os anos 1980 sabe que a dupla de compositores Michael Sullivan e Paulo Massadas dominou as paradas, sobretudo com baladas românticas e extremamente populares, como Um Dia de Domingo, Leva, Me Dê Motivo, Amanhã Talvez e Amor Perfeito. Com a Xuxa, colocaram muitos adultos para cantar com Lua de Cristal e Brincar de Índio.

Michel Sullivan e Paulo Massadas: cerca de 700 músicas juntos Foto: Rogerio Vonkruger/ Mapa da Foto

No entanto, a série produzida pela Kuarup Produções, com argumento de Pedro Bial e André Barcinski, merece ser vista para além disso: faz, com justeza, uma revisão da produção dos compositores que, à época, à revelia do sucesso e dos milhões de discos vendidos pelos cantores que gravaram suas músicas, foram achincalhados pela crítica e por muitos pares.

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“Tudo nosso não é bom. Mas também tudo não é ruim”, diz Sullivan, em entrevista ao Estadão. Junto na chamada de vídeo, está Massadas. “(a série) É quando o vento faz a curva para mostrar o que ainda tem que ser mostrado”, diz.

Além dos depoimentos dos protagonistas, nomes como Roberto Carlos, Gal Costa, Xuxa, Boni (ex-diretor geral da TV Globo), Alcione, Fagner, Sandra Sá e Zeca Baleiro aparecem em imagens de arquivo ou gravadas especialmente para a produção.

Gal (1945-2022), por exemplo, narra a verdadeira epopeia que foi gravar Um Dia de Domingo ao lado de Tim Maia. E, afora o lindo dueto que entrou para a história da música brasileira e transformou a vida de seus compositores, revela que só se encontrou com o parceiro no dia da gravação do programa do Chacrinha, para promover a canção. “Ele era difícil”, resume. Sullivan e Massadas confirmam tudo.

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Ao Estadão, Sullivan & Massadas afirmam que conseguiram captar um clima que a abertura política trouxe ao país naquele início da década de 1980. Intuitivamente, dizem, usaram a linguagem pop para passar uma mensagem mais leve e acessível a todas as classes. Confirmam e desmentem histórias em torno de seus nomes, com franqueza e naturalidade. Com o mesmo desembaraço revelam por que nunca mais compuseram juntos desde que decidiram encerrar a parceria, há exatos 30 anos.

A série, além de contar a história da dupla Sullivan & Massadas, faz uma reavaliação sobre o trabalho que vocês desenvolveram. Uma espécie de reabilitação, assim como já foi feito com o trabalho do Lincoln Olivetti. Como é passar por esse processo?

Massadas - É quando o vento faz a curva para mostrar o que ainda tem que ser mostrado.

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Sullivan – É uma justiça em relação à nossa história. Tudo nosso não é bom. Mas também tudo não é ruim. Em uma época, foi muito difícil para nós. Houve turbulências. Um patrulhamento absurdo. Quando começamos, estava tudo bem...Depois que o Tim Maia nos colocou no topo com Me Dê Motivo, os artistas começaram a pedir música para nós. O Roupa Nova, que era MPB, queria entrar no pop. Com isso, os grandes nomes (da música brasileira) ficaram inebriados e começaram a nos patrulhar. Muita gente fazia e gravava ótimas músicas, mas não vendia. A gente vendia! Fizemos muitos cantores entrar no clube do milhão (de vendas). Foi impossível parar o mar com a mãos. Nosso objetivo era dar voz a um Brasil continental e não apenas ao Sudeste, que sempre foi elitista. Eu e o Massadas somos plurais porque viemos da poeira dos bailes.

Na série, Massadas fala que vocês captaram um movimento que estava no ar, junto com a abertura do País, que começava a sair de uma ditadura. Foi algo intuitivo, então?

Massadas – Qualquer coisa que mude no sistema reflete na música. Com a democracia, era natural que a linguagem mudasse, passasse a ser pop. Foi intuitivo mesmo. Era uma nova postura. Estávamos prontos para aquele momento. Traduzimos emocionalmente o inconsciente coletivo, sem discriminação.

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Sullivan – Descobrimos uma representatividade que não havia antes. Eu ouvi de tudo. Minha infância, no interior de Pernambuco, foi de (Dorival) Caymmi e Luiz Gonzaga - eu brincava com o Tim que a black music começou com o Gonzaga. Na adolescência, nos bailes, era Elvis Presley e Altemar Dutra. Nossas músicas têm de Vicente Celestino a Pink Floyd. Ela é de de inclusão. Nós unificamos o Brasil. Nossa música tem uma mensagem de amor bonita e direta. É uma poesia legível e acessível.

Três músicas marcaram o início da carreira de vocês: Whisky a Go Go, com Roupa Nova, Leva, com o Tim Maia, e Um Dia de Domingo, com Gal Costa e Tim. Qual foi, de fato, o ponto chave para o sucesso?

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Sullivan - Um Dia de Domingo é nossa Garota de Ipanema. Com ela, as pessoas levaram um susto. Foi uma loucura. Em todos os continentes, há uma regravação para essa música. Mais tarde, com a Xuxa, foi outro susto. Como é que esses caras transformam o Brasil em um carrossel, em uma montanha russa, e colocam todo mundo para cantar músicas infantis? Transformamos o País em um parque de diversões. Essa é a verdade.

Muita gente dizia que o Miguel Plopschi (na época, diretor artístico da gravadora RCA) passou a impor para os artistas as músicas que vocês faziam. O que tem de verdade nisso?

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Sullivan – O Miguel era como o mercado. Ele agia assim com todos que compunham, com Paulo Sergio Valle, Marcos Valle, Carlos Cola, Chico Roque, Ed Wilson e tantos outros. Quando um de nós chegava com uma música que ele acreditava, ele ia no artista e dizia “meu irmão, grava isso, é maravilhoso”. Não era só com a gente. Era com todos. Como estouramos demais, e o Miguel estava com a gente na parada, começaram a falar isso. Era briga de cachorro grande, de gravadoras. Se o Miguel apresentou uma música nossa para um artista e ele não quis gravar, nem eu e nem o Massadas ficamos sabemos.

Massadas – O Miguel fazia a coisa acontecer. Claro, no cargo dele, ele queria impor certas coisas. Mas chegou um momento, com o sucesso, que dissemos: agora parou, deixa com a gente.

Sullivan – Pintou um lance de Caim e Abel. E, claro, ficamos com fama de Abel. As pessoas querem dar desculpas por seus fracassos.

Nessa época, Maria Bethânia estava na RCA. Vocês fizeram Estranha Loucura para ela, é verdade?

Sullivan – Nós a fizemos para a Alcione. Dizem que o Miguel apresentou essa música para a Bethânia. Não sei se é verdade. Fizemos para a Marrom. Pensando nela.

Em determinado momento, vocês começaram a receber encomendas de músicas, atender aos pedidos. Isso começou a pesar para a dupla? Repetir um sucesso não é fácil. Gal estourou com Um Dia de Domingo, mas depois vocês fizeram Sou Mais Eu para ela e não deu o mesmo resultado.

Massadas – Estávamos no ataque. Às vezes, batia na trave. No final das contas, tudo terminava em goleada.

Sullivan – Quem pediu essa música para a Gal foi o (produtor) Guto Graça Mello. Ele queria uma música muito legal para o show dela. Fizemos uma música de alegria. Igual o Roberto e Erasmo quando fizeram Meu Nome é Gal. Não se encomenda sucesso porque ninguém sabe fazer. Como compositor, eu sou um ator. Eu me transformo no artista para sonhar com ele. Então, não é uma encomenda, é uma inspiração. Quando Gal me pediu Um Dia de Domingo, aquela musa linda, eu fiquei calado por cinco minutos. Encomenda? Claro! Mas olha quem me pediu...

Massadas – A letra e a música foram feitas com a emoção da Gal. É uma incorporação. Fomos apenas tradutores daquele sentimento.

E aquele papo de 90% transpiração e 10% inspiração? Isso se aplicava a vocês?

Massadas – O suor é necessário. Se o jogador de futebol não suar em campo, é sinal que ele nem pegou na bola.

Sullivan – O suor é o exercício. Eu componho todos os dias. Você faz e tem vontade de fazer mais ainda. E, com isso, ocorrem coisas incríveis. Deslizes nós fizemos para o Roberto Carlos, em 1984. Ele ouviu, mas o disco dele já estava fechado. Ficou na gaveta. Mandei para umas 50 pessoas. Ninguém quis. Fagner gravou em 1987 e foi um estrondoso sucesso.

Atualmente, há o camping de composição. Os compositores se reúnem em um local, ficam dias por lá e fazem uma letra em cinco, seis pessoas. O que acham disso? Funcionaria para vocês?

Massadas – O bom é fazer amor em duas pessoas. Quando junta muita gente, cada um aponta para uma direção. E fica muito mais difícil achar um ponto em comum.

Vocês foram bem remunerados com direitos autorais, nesses anos todos?

Massadas – Não diria que ganhamos o merecido. Mas fizemos um volume grande de músicas. Fizemos muito sucesso e isso compensou. As músicas têm um pico de sucesso e depois caem. Isso não ocorreu com algumas das nossas canções.

Sullivan – Tem muito artista que fala mal do Ecad. Mas o problema é a inadimplência. O mercado, as rádios e as festas podem pagar até um limite. O cara gasta R$ 500 mil em um casamento, mas não quer pagar R$ 10 mil para o Ecad. Se fosse nos Estados Unidos, eu não ia vencer de contar dinheiro.

Por que a dupla acabou, afinal?

Sulllivan – Em 1994, estávamos com a Xuxa e o Massadas me falou: quero dar um tempo. Eu perguntei: vamos dar um tempo ou nos separar? Fiquei uma hora como ele ao telefone. Vamos dar um tempo ou parar mesmo? Eu disse, somos Black & Decker, Johnson & Johnson... Mas ele estava cansado. A distância (Sullivan se mudou para Miami) pesou também. Vai fazer 30 anos isso.

Na série do Globoplay Sullivan e Massadas revivem os tempos de baile Foto: Rogerio Vonkruger/ Mapafo

Vocês nunca mais fizeram uma música juntos. Com a reaproximação para a série, há essa possibilidade?

Massadas – A série traduziu o que foi a dupla. Colocou todo mundo em uma máquina do tempo e foi buscar essa saudade. Vai levar isso para as novas gerações. Nossa música nunca ficou antiga.

Mas a pergunta é: pode ou não sair uma música nova?

Sullivan – Não, não pensamos nisso. Estamos em um momento de celebração. Claro, sempre nos cobram. Se eu sentar com o Massadas, em uma semana fazemos um disco. Eu faço uma melodia aqui. Se eu ligar para ele depois dessa entrevista, sai uma letra. Isso é certo. Mas, não é assim. Somos um casal que de repente voltou. Temos 700 filhos (músicas) já criados. Às vezes, um tem dor de garganta, temos que cuidar. Não é o momento de pensar em música nova.

A série documental Sullivan & Massadas: Retratos e Canções, que recém estreou no Globoplay, em um primeiro momento pode até induzir o espectador à certa nostalgia. Afinal, quem viveu os anos 1980 sabe que a dupla de compositores Michael Sullivan e Paulo Massadas dominou as paradas, sobretudo com baladas românticas e extremamente populares, como Um Dia de Domingo, Leva, Me Dê Motivo, Amanhã Talvez e Amor Perfeito. Com a Xuxa, colocaram muitos adultos para cantar com Lua de Cristal e Brincar de Índio.

Michel Sullivan e Paulo Massadas: cerca de 700 músicas juntos Foto: Rogerio Vonkruger/ Mapa da Foto

No entanto, a série produzida pela Kuarup Produções, com argumento de Pedro Bial e André Barcinski, merece ser vista para além disso: faz, com justeza, uma revisão da produção dos compositores que, à época, à revelia do sucesso e dos milhões de discos vendidos pelos cantores que gravaram suas músicas, foram achincalhados pela crítica e por muitos pares.

“Tudo nosso não é bom. Mas também tudo não é ruim”, diz Sullivan, em entrevista ao Estadão. Junto na chamada de vídeo, está Massadas. “(a série) É quando o vento faz a curva para mostrar o que ainda tem que ser mostrado”, diz.

Além dos depoimentos dos protagonistas, nomes como Roberto Carlos, Gal Costa, Xuxa, Boni (ex-diretor geral da TV Globo), Alcione, Fagner, Sandra Sá e Zeca Baleiro aparecem em imagens de arquivo ou gravadas especialmente para a produção.

Gal (1945-2022), por exemplo, narra a verdadeira epopeia que foi gravar Um Dia de Domingo ao lado de Tim Maia. E, afora o lindo dueto que entrou para a história da música brasileira e transformou a vida de seus compositores, revela que só se encontrou com o parceiro no dia da gravação do programa do Chacrinha, para promover a canção. “Ele era difícil”, resume. Sullivan e Massadas confirmam tudo.

Ao Estadão, Sullivan & Massadas afirmam que conseguiram captar um clima que a abertura política trouxe ao país naquele início da década de 1980. Intuitivamente, dizem, usaram a linguagem pop para passar uma mensagem mais leve e acessível a todas as classes. Confirmam e desmentem histórias em torno de seus nomes, com franqueza e naturalidade. Com o mesmo desembaraço revelam por que nunca mais compuseram juntos desde que decidiram encerrar a parceria, há exatos 30 anos.

A série, além de contar a história da dupla Sullivan & Massadas, faz uma reavaliação sobre o trabalho que vocês desenvolveram. Uma espécie de reabilitação, assim como já foi feito com o trabalho do Lincoln Olivetti. Como é passar por esse processo?

Massadas - É quando o vento faz a curva para mostrar o que ainda tem que ser mostrado.

Sullivan – É uma justiça em relação à nossa história. Tudo nosso não é bom. Mas também tudo não é ruim. Em uma época, foi muito difícil para nós. Houve turbulências. Um patrulhamento absurdo. Quando começamos, estava tudo bem...Depois que o Tim Maia nos colocou no topo com Me Dê Motivo, os artistas começaram a pedir música para nós. O Roupa Nova, que era MPB, queria entrar no pop. Com isso, os grandes nomes (da música brasileira) ficaram inebriados e começaram a nos patrulhar. Muita gente fazia e gravava ótimas músicas, mas não vendia. A gente vendia! Fizemos muitos cantores entrar no clube do milhão (de vendas). Foi impossível parar o mar com a mãos. Nosso objetivo era dar voz a um Brasil continental e não apenas ao Sudeste, que sempre foi elitista. Eu e o Massadas somos plurais porque viemos da poeira dos bailes.

Na série, Massadas fala que vocês captaram um movimento que estava no ar, junto com a abertura do País, que começava a sair de uma ditadura. Foi algo intuitivo, então?

Massadas – Qualquer coisa que mude no sistema reflete na música. Com a democracia, era natural que a linguagem mudasse, passasse a ser pop. Foi intuitivo mesmo. Era uma nova postura. Estávamos prontos para aquele momento. Traduzimos emocionalmente o inconsciente coletivo, sem discriminação.

Sullivan – Descobrimos uma representatividade que não havia antes. Eu ouvi de tudo. Minha infância, no interior de Pernambuco, foi de (Dorival) Caymmi e Luiz Gonzaga - eu brincava com o Tim que a black music começou com o Gonzaga. Na adolescência, nos bailes, era Elvis Presley e Altemar Dutra. Nossas músicas têm de Vicente Celestino a Pink Floyd. Ela é de de inclusão. Nós unificamos o Brasil. Nossa música tem uma mensagem de amor bonita e direta. É uma poesia legível e acessível.

Três músicas marcaram o início da carreira de vocês: Whisky a Go Go, com Roupa Nova, Leva, com o Tim Maia, e Um Dia de Domingo, com Gal Costa e Tim. Qual foi, de fato, o ponto chave para o sucesso?

Sullivan - Um Dia de Domingo é nossa Garota de Ipanema. Com ela, as pessoas levaram um susto. Foi uma loucura. Em todos os continentes, há uma regravação para essa música. Mais tarde, com a Xuxa, foi outro susto. Como é que esses caras transformam o Brasil em um carrossel, em uma montanha russa, e colocam todo mundo para cantar músicas infantis? Transformamos o País em um parque de diversões. Essa é a verdade.

Muita gente dizia que o Miguel Plopschi (na época, diretor artístico da gravadora RCA) passou a impor para os artistas as músicas que vocês faziam. O que tem de verdade nisso?

Sullivan – O Miguel era como o mercado. Ele agia assim com todos que compunham, com Paulo Sergio Valle, Marcos Valle, Carlos Cola, Chico Roque, Ed Wilson e tantos outros. Quando um de nós chegava com uma música que ele acreditava, ele ia no artista e dizia “meu irmão, grava isso, é maravilhoso”. Não era só com a gente. Era com todos. Como estouramos demais, e o Miguel estava com a gente na parada, começaram a falar isso. Era briga de cachorro grande, de gravadoras. Se o Miguel apresentou uma música nossa para um artista e ele não quis gravar, nem eu e nem o Massadas ficamos sabemos.

Massadas – O Miguel fazia a coisa acontecer. Claro, no cargo dele, ele queria impor certas coisas. Mas chegou um momento, com o sucesso, que dissemos: agora parou, deixa com a gente.

Sullivan – Pintou um lance de Caim e Abel. E, claro, ficamos com fama de Abel. As pessoas querem dar desculpas por seus fracassos.

Nessa época, Maria Bethânia estava na RCA. Vocês fizeram Estranha Loucura para ela, é verdade?

Sullivan – Nós a fizemos para a Alcione. Dizem que o Miguel apresentou essa música para a Bethânia. Não sei se é verdade. Fizemos para a Marrom. Pensando nela.

Em determinado momento, vocês começaram a receber encomendas de músicas, atender aos pedidos. Isso começou a pesar para a dupla? Repetir um sucesso não é fácil. Gal estourou com Um Dia de Domingo, mas depois vocês fizeram Sou Mais Eu para ela e não deu o mesmo resultado.

Massadas – Estávamos no ataque. Às vezes, batia na trave. No final das contas, tudo terminava em goleada.

Sullivan – Quem pediu essa música para a Gal foi o (produtor) Guto Graça Mello. Ele queria uma música muito legal para o show dela. Fizemos uma música de alegria. Igual o Roberto e Erasmo quando fizeram Meu Nome é Gal. Não se encomenda sucesso porque ninguém sabe fazer. Como compositor, eu sou um ator. Eu me transformo no artista para sonhar com ele. Então, não é uma encomenda, é uma inspiração. Quando Gal me pediu Um Dia de Domingo, aquela musa linda, eu fiquei calado por cinco minutos. Encomenda? Claro! Mas olha quem me pediu...

Massadas – A letra e a música foram feitas com a emoção da Gal. É uma incorporação. Fomos apenas tradutores daquele sentimento.

E aquele papo de 90% transpiração e 10% inspiração? Isso se aplicava a vocês?

Massadas – O suor é necessário. Se o jogador de futebol não suar em campo, é sinal que ele nem pegou na bola.

Sullivan – O suor é o exercício. Eu componho todos os dias. Você faz e tem vontade de fazer mais ainda. E, com isso, ocorrem coisas incríveis. Deslizes nós fizemos para o Roberto Carlos, em 1984. Ele ouviu, mas o disco dele já estava fechado. Ficou na gaveta. Mandei para umas 50 pessoas. Ninguém quis. Fagner gravou em 1987 e foi um estrondoso sucesso.

Atualmente, há o camping de composição. Os compositores se reúnem em um local, ficam dias por lá e fazem uma letra em cinco, seis pessoas. O que acham disso? Funcionaria para vocês?

Massadas – O bom é fazer amor em duas pessoas. Quando junta muita gente, cada um aponta para uma direção. E fica muito mais difícil achar um ponto em comum.

Vocês foram bem remunerados com direitos autorais, nesses anos todos?

Massadas – Não diria que ganhamos o merecido. Mas fizemos um volume grande de músicas. Fizemos muito sucesso e isso compensou. As músicas têm um pico de sucesso e depois caem. Isso não ocorreu com algumas das nossas canções.

Sullivan – Tem muito artista que fala mal do Ecad. Mas o problema é a inadimplência. O mercado, as rádios e as festas podem pagar até um limite. O cara gasta R$ 500 mil em um casamento, mas não quer pagar R$ 10 mil para o Ecad. Se fosse nos Estados Unidos, eu não ia vencer de contar dinheiro.

Por que a dupla acabou, afinal?

Sulllivan – Em 1994, estávamos com a Xuxa e o Massadas me falou: quero dar um tempo. Eu perguntei: vamos dar um tempo ou nos separar? Fiquei uma hora como ele ao telefone. Vamos dar um tempo ou parar mesmo? Eu disse, somos Black & Decker, Johnson & Johnson... Mas ele estava cansado. A distância (Sullivan se mudou para Miami) pesou também. Vai fazer 30 anos isso.

Na série do Globoplay Sullivan e Massadas revivem os tempos de baile Foto: Rogerio Vonkruger/ Mapafo

Vocês nunca mais fizeram uma música juntos. Com a reaproximação para a série, há essa possibilidade?

Massadas – A série traduziu o que foi a dupla. Colocou todo mundo em uma máquina do tempo e foi buscar essa saudade. Vai levar isso para as novas gerações. Nossa música nunca ficou antiga.

Mas a pergunta é: pode ou não sair uma música nova?

Sullivan – Não, não pensamos nisso. Estamos em um momento de celebração. Claro, sempre nos cobram. Se eu sentar com o Massadas, em uma semana fazemos um disco. Eu faço uma melodia aqui. Se eu ligar para ele depois dessa entrevista, sai uma letra. Isso é certo. Mas, não é assim. Somos um casal que de repente voltou. Temos 700 filhos (músicas) já criados. Às vezes, um tem dor de garganta, temos que cuidar. Não é o momento de pensar em música nova.

A série documental Sullivan & Massadas: Retratos e Canções, que recém estreou no Globoplay, em um primeiro momento pode até induzir o espectador à certa nostalgia. Afinal, quem viveu os anos 1980 sabe que a dupla de compositores Michael Sullivan e Paulo Massadas dominou as paradas, sobretudo com baladas românticas e extremamente populares, como Um Dia de Domingo, Leva, Me Dê Motivo, Amanhã Talvez e Amor Perfeito. Com a Xuxa, colocaram muitos adultos para cantar com Lua de Cristal e Brincar de Índio.

Michel Sullivan e Paulo Massadas: cerca de 700 músicas juntos Foto: Rogerio Vonkruger/ Mapa da Foto

No entanto, a série produzida pela Kuarup Produções, com argumento de Pedro Bial e André Barcinski, merece ser vista para além disso: faz, com justeza, uma revisão da produção dos compositores que, à época, à revelia do sucesso e dos milhões de discos vendidos pelos cantores que gravaram suas músicas, foram achincalhados pela crítica e por muitos pares.

“Tudo nosso não é bom. Mas também tudo não é ruim”, diz Sullivan, em entrevista ao Estadão. Junto na chamada de vídeo, está Massadas. “(a série) É quando o vento faz a curva para mostrar o que ainda tem que ser mostrado”, diz.

Além dos depoimentos dos protagonistas, nomes como Roberto Carlos, Gal Costa, Xuxa, Boni (ex-diretor geral da TV Globo), Alcione, Fagner, Sandra Sá e Zeca Baleiro aparecem em imagens de arquivo ou gravadas especialmente para a produção.

Gal (1945-2022), por exemplo, narra a verdadeira epopeia que foi gravar Um Dia de Domingo ao lado de Tim Maia. E, afora o lindo dueto que entrou para a história da música brasileira e transformou a vida de seus compositores, revela que só se encontrou com o parceiro no dia da gravação do programa do Chacrinha, para promover a canção. “Ele era difícil”, resume. Sullivan e Massadas confirmam tudo.

Ao Estadão, Sullivan & Massadas afirmam que conseguiram captar um clima que a abertura política trouxe ao país naquele início da década de 1980. Intuitivamente, dizem, usaram a linguagem pop para passar uma mensagem mais leve e acessível a todas as classes. Confirmam e desmentem histórias em torno de seus nomes, com franqueza e naturalidade. Com o mesmo desembaraço revelam por que nunca mais compuseram juntos desde que decidiram encerrar a parceria, há exatos 30 anos.

A série, além de contar a história da dupla Sullivan & Massadas, faz uma reavaliação sobre o trabalho que vocês desenvolveram. Uma espécie de reabilitação, assim como já foi feito com o trabalho do Lincoln Olivetti. Como é passar por esse processo?

Massadas - É quando o vento faz a curva para mostrar o que ainda tem que ser mostrado.

Sullivan – É uma justiça em relação à nossa história. Tudo nosso não é bom. Mas também tudo não é ruim. Em uma época, foi muito difícil para nós. Houve turbulências. Um patrulhamento absurdo. Quando começamos, estava tudo bem...Depois que o Tim Maia nos colocou no topo com Me Dê Motivo, os artistas começaram a pedir música para nós. O Roupa Nova, que era MPB, queria entrar no pop. Com isso, os grandes nomes (da música brasileira) ficaram inebriados e começaram a nos patrulhar. Muita gente fazia e gravava ótimas músicas, mas não vendia. A gente vendia! Fizemos muitos cantores entrar no clube do milhão (de vendas). Foi impossível parar o mar com a mãos. Nosso objetivo era dar voz a um Brasil continental e não apenas ao Sudeste, que sempre foi elitista. Eu e o Massadas somos plurais porque viemos da poeira dos bailes.

Na série, Massadas fala que vocês captaram um movimento que estava no ar, junto com a abertura do País, que começava a sair de uma ditadura. Foi algo intuitivo, então?

Massadas – Qualquer coisa que mude no sistema reflete na música. Com a democracia, era natural que a linguagem mudasse, passasse a ser pop. Foi intuitivo mesmo. Era uma nova postura. Estávamos prontos para aquele momento. Traduzimos emocionalmente o inconsciente coletivo, sem discriminação.

Sullivan – Descobrimos uma representatividade que não havia antes. Eu ouvi de tudo. Minha infância, no interior de Pernambuco, foi de (Dorival) Caymmi e Luiz Gonzaga - eu brincava com o Tim que a black music começou com o Gonzaga. Na adolescência, nos bailes, era Elvis Presley e Altemar Dutra. Nossas músicas têm de Vicente Celestino a Pink Floyd. Ela é de de inclusão. Nós unificamos o Brasil. Nossa música tem uma mensagem de amor bonita e direta. É uma poesia legível e acessível.

Três músicas marcaram o início da carreira de vocês: Whisky a Go Go, com Roupa Nova, Leva, com o Tim Maia, e Um Dia de Domingo, com Gal Costa e Tim. Qual foi, de fato, o ponto chave para o sucesso?

Sullivan - Um Dia de Domingo é nossa Garota de Ipanema. Com ela, as pessoas levaram um susto. Foi uma loucura. Em todos os continentes, há uma regravação para essa música. Mais tarde, com a Xuxa, foi outro susto. Como é que esses caras transformam o Brasil em um carrossel, em uma montanha russa, e colocam todo mundo para cantar músicas infantis? Transformamos o País em um parque de diversões. Essa é a verdade.

Muita gente dizia que o Miguel Plopschi (na época, diretor artístico da gravadora RCA) passou a impor para os artistas as músicas que vocês faziam. O que tem de verdade nisso?

Sullivan – O Miguel era como o mercado. Ele agia assim com todos que compunham, com Paulo Sergio Valle, Marcos Valle, Carlos Cola, Chico Roque, Ed Wilson e tantos outros. Quando um de nós chegava com uma música que ele acreditava, ele ia no artista e dizia “meu irmão, grava isso, é maravilhoso”. Não era só com a gente. Era com todos. Como estouramos demais, e o Miguel estava com a gente na parada, começaram a falar isso. Era briga de cachorro grande, de gravadoras. Se o Miguel apresentou uma música nossa para um artista e ele não quis gravar, nem eu e nem o Massadas ficamos sabemos.

Massadas – O Miguel fazia a coisa acontecer. Claro, no cargo dele, ele queria impor certas coisas. Mas chegou um momento, com o sucesso, que dissemos: agora parou, deixa com a gente.

Sullivan – Pintou um lance de Caim e Abel. E, claro, ficamos com fama de Abel. As pessoas querem dar desculpas por seus fracassos.

Nessa época, Maria Bethânia estava na RCA. Vocês fizeram Estranha Loucura para ela, é verdade?

Sullivan – Nós a fizemos para a Alcione. Dizem que o Miguel apresentou essa música para a Bethânia. Não sei se é verdade. Fizemos para a Marrom. Pensando nela.

Em determinado momento, vocês começaram a receber encomendas de músicas, atender aos pedidos. Isso começou a pesar para a dupla? Repetir um sucesso não é fácil. Gal estourou com Um Dia de Domingo, mas depois vocês fizeram Sou Mais Eu para ela e não deu o mesmo resultado.

Massadas – Estávamos no ataque. Às vezes, batia na trave. No final das contas, tudo terminava em goleada.

Sullivan – Quem pediu essa música para a Gal foi o (produtor) Guto Graça Mello. Ele queria uma música muito legal para o show dela. Fizemos uma música de alegria. Igual o Roberto e Erasmo quando fizeram Meu Nome é Gal. Não se encomenda sucesso porque ninguém sabe fazer. Como compositor, eu sou um ator. Eu me transformo no artista para sonhar com ele. Então, não é uma encomenda, é uma inspiração. Quando Gal me pediu Um Dia de Domingo, aquela musa linda, eu fiquei calado por cinco minutos. Encomenda? Claro! Mas olha quem me pediu...

Massadas – A letra e a música foram feitas com a emoção da Gal. É uma incorporação. Fomos apenas tradutores daquele sentimento.

E aquele papo de 90% transpiração e 10% inspiração? Isso se aplicava a vocês?

Massadas – O suor é necessário. Se o jogador de futebol não suar em campo, é sinal que ele nem pegou na bola.

Sullivan – O suor é o exercício. Eu componho todos os dias. Você faz e tem vontade de fazer mais ainda. E, com isso, ocorrem coisas incríveis. Deslizes nós fizemos para o Roberto Carlos, em 1984. Ele ouviu, mas o disco dele já estava fechado. Ficou na gaveta. Mandei para umas 50 pessoas. Ninguém quis. Fagner gravou em 1987 e foi um estrondoso sucesso.

Atualmente, há o camping de composição. Os compositores se reúnem em um local, ficam dias por lá e fazem uma letra em cinco, seis pessoas. O que acham disso? Funcionaria para vocês?

Massadas – O bom é fazer amor em duas pessoas. Quando junta muita gente, cada um aponta para uma direção. E fica muito mais difícil achar um ponto em comum.

Vocês foram bem remunerados com direitos autorais, nesses anos todos?

Massadas – Não diria que ganhamos o merecido. Mas fizemos um volume grande de músicas. Fizemos muito sucesso e isso compensou. As músicas têm um pico de sucesso e depois caem. Isso não ocorreu com algumas das nossas canções.

Sullivan – Tem muito artista que fala mal do Ecad. Mas o problema é a inadimplência. O mercado, as rádios e as festas podem pagar até um limite. O cara gasta R$ 500 mil em um casamento, mas não quer pagar R$ 10 mil para o Ecad. Se fosse nos Estados Unidos, eu não ia vencer de contar dinheiro.

Por que a dupla acabou, afinal?

Sulllivan – Em 1994, estávamos com a Xuxa e o Massadas me falou: quero dar um tempo. Eu perguntei: vamos dar um tempo ou nos separar? Fiquei uma hora como ele ao telefone. Vamos dar um tempo ou parar mesmo? Eu disse, somos Black & Decker, Johnson & Johnson... Mas ele estava cansado. A distância (Sullivan se mudou para Miami) pesou também. Vai fazer 30 anos isso.

Na série do Globoplay Sullivan e Massadas revivem os tempos de baile Foto: Rogerio Vonkruger/ Mapafo

Vocês nunca mais fizeram uma música juntos. Com a reaproximação para a série, há essa possibilidade?

Massadas – A série traduziu o que foi a dupla. Colocou todo mundo em uma máquina do tempo e foi buscar essa saudade. Vai levar isso para as novas gerações. Nossa música nunca ficou antiga.

Mas a pergunta é: pode ou não sair uma música nova?

Sullivan – Não, não pensamos nisso. Estamos em um momento de celebração. Claro, sempre nos cobram. Se eu sentar com o Massadas, em uma semana fazemos um disco. Eu faço uma melodia aqui. Se eu ligar para ele depois dessa entrevista, sai uma letra. Isso é certo. Mas, não é assim. Somos um casal que de repente voltou. Temos 700 filhos (músicas) já criados. Às vezes, um tem dor de garganta, temos que cuidar. Não é o momento de pensar em música nova.

A série documental Sullivan & Massadas: Retratos e Canções, que recém estreou no Globoplay, em um primeiro momento pode até induzir o espectador à certa nostalgia. Afinal, quem viveu os anos 1980 sabe que a dupla de compositores Michael Sullivan e Paulo Massadas dominou as paradas, sobretudo com baladas românticas e extremamente populares, como Um Dia de Domingo, Leva, Me Dê Motivo, Amanhã Talvez e Amor Perfeito. Com a Xuxa, colocaram muitos adultos para cantar com Lua de Cristal e Brincar de Índio.

Michel Sullivan e Paulo Massadas: cerca de 700 músicas juntos Foto: Rogerio Vonkruger/ Mapa da Foto

No entanto, a série produzida pela Kuarup Produções, com argumento de Pedro Bial e André Barcinski, merece ser vista para além disso: faz, com justeza, uma revisão da produção dos compositores que, à época, à revelia do sucesso e dos milhões de discos vendidos pelos cantores que gravaram suas músicas, foram achincalhados pela crítica e por muitos pares.

“Tudo nosso não é bom. Mas também tudo não é ruim”, diz Sullivan, em entrevista ao Estadão. Junto na chamada de vídeo, está Massadas. “(a série) É quando o vento faz a curva para mostrar o que ainda tem que ser mostrado”, diz.

Além dos depoimentos dos protagonistas, nomes como Roberto Carlos, Gal Costa, Xuxa, Boni (ex-diretor geral da TV Globo), Alcione, Fagner, Sandra Sá e Zeca Baleiro aparecem em imagens de arquivo ou gravadas especialmente para a produção.

Gal (1945-2022), por exemplo, narra a verdadeira epopeia que foi gravar Um Dia de Domingo ao lado de Tim Maia. E, afora o lindo dueto que entrou para a história da música brasileira e transformou a vida de seus compositores, revela que só se encontrou com o parceiro no dia da gravação do programa do Chacrinha, para promover a canção. “Ele era difícil”, resume. Sullivan e Massadas confirmam tudo.

Ao Estadão, Sullivan & Massadas afirmam que conseguiram captar um clima que a abertura política trouxe ao país naquele início da década de 1980. Intuitivamente, dizem, usaram a linguagem pop para passar uma mensagem mais leve e acessível a todas as classes. Confirmam e desmentem histórias em torno de seus nomes, com franqueza e naturalidade. Com o mesmo desembaraço revelam por que nunca mais compuseram juntos desde que decidiram encerrar a parceria, há exatos 30 anos.

A série, além de contar a história da dupla Sullivan & Massadas, faz uma reavaliação sobre o trabalho que vocês desenvolveram. Uma espécie de reabilitação, assim como já foi feito com o trabalho do Lincoln Olivetti. Como é passar por esse processo?

Massadas - É quando o vento faz a curva para mostrar o que ainda tem que ser mostrado.

Sullivan – É uma justiça em relação à nossa história. Tudo nosso não é bom. Mas também tudo não é ruim. Em uma época, foi muito difícil para nós. Houve turbulências. Um patrulhamento absurdo. Quando começamos, estava tudo bem...Depois que o Tim Maia nos colocou no topo com Me Dê Motivo, os artistas começaram a pedir música para nós. O Roupa Nova, que era MPB, queria entrar no pop. Com isso, os grandes nomes (da música brasileira) ficaram inebriados e começaram a nos patrulhar. Muita gente fazia e gravava ótimas músicas, mas não vendia. A gente vendia! Fizemos muitos cantores entrar no clube do milhão (de vendas). Foi impossível parar o mar com a mãos. Nosso objetivo era dar voz a um Brasil continental e não apenas ao Sudeste, que sempre foi elitista. Eu e o Massadas somos plurais porque viemos da poeira dos bailes.

Na série, Massadas fala que vocês captaram um movimento que estava no ar, junto com a abertura do País, que começava a sair de uma ditadura. Foi algo intuitivo, então?

Massadas – Qualquer coisa que mude no sistema reflete na música. Com a democracia, era natural que a linguagem mudasse, passasse a ser pop. Foi intuitivo mesmo. Era uma nova postura. Estávamos prontos para aquele momento. Traduzimos emocionalmente o inconsciente coletivo, sem discriminação.

Sullivan – Descobrimos uma representatividade que não havia antes. Eu ouvi de tudo. Minha infância, no interior de Pernambuco, foi de (Dorival) Caymmi e Luiz Gonzaga - eu brincava com o Tim que a black music começou com o Gonzaga. Na adolescência, nos bailes, era Elvis Presley e Altemar Dutra. Nossas músicas têm de Vicente Celestino a Pink Floyd. Ela é de de inclusão. Nós unificamos o Brasil. Nossa música tem uma mensagem de amor bonita e direta. É uma poesia legível e acessível.

Três músicas marcaram o início da carreira de vocês: Whisky a Go Go, com Roupa Nova, Leva, com o Tim Maia, e Um Dia de Domingo, com Gal Costa e Tim. Qual foi, de fato, o ponto chave para o sucesso?

Sullivan - Um Dia de Domingo é nossa Garota de Ipanema. Com ela, as pessoas levaram um susto. Foi uma loucura. Em todos os continentes, há uma regravação para essa música. Mais tarde, com a Xuxa, foi outro susto. Como é que esses caras transformam o Brasil em um carrossel, em uma montanha russa, e colocam todo mundo para cantar músicas infantis? Transformamos o País em um parque de diversões. Essa é a verdade.

Muita gente dizia que o Miguel Plopschi (na época, diretor artístico da gravadora RCA) passou a impor para os artistas as músicas que vocês faziam. O que tem de verdade nisso?

Sullivan – O Miguel era como o mercado. Ele agia assim com todos que compunham, com Paulo Sergio Valle, Marcos Valle, Carlos Cola, Chico Roque, Ed Wilson e tantos outros. Quando um de nós chegava com uma música que ele acreditava, ele ia no artista e dizia “meu irmão, grava isso, é maravilhoso”. Não era só com a gente. Era com todos. Como estouramos demais, e o Miguel estava com a gente na parada, começaram a falar isso. Era briga de cachorro grande, de gravadoras. Se o Miguel apresentou uma música nossa para um artista e ele não quis gravar, nem eu e nem o Massadas ficamos sabemos.

Massadas – O Miguel fazia a coisa acontecer. Claro, no cargo dele, ele queria impor certas coisas. Mas chegou um momento, com o sucesso, que dissemos: agora parou, deixa com a gente.

Sullivan – Pintou um lance de Caim e Abel. E, claro, ficamos com fama de Abel. As pessoas querem dar desculpas por seus fracassos.

Nessa época, Maria Bethânia estava na RCA. Vocês fizeram Estranha Loucura para ela, é verdade?

Sullivan – Nós a fizemos para a Alcione. Dizem que o Miguel apresentou essa música para a Bethânia. Não sei se é verdade. Fizemos para a Marrom. Pensando nela.

Em determinado momento, vocês começaram a receber encomendas de músicas, atender aos pedidos. Isso começou a pesar para a dupla? Repetir um sucesso não é fácil. Gal estourou com Um Dia de Domingo, mas depois vocês fizeram Sou Mais Eu para ela e não deu o mesmo resultado.

Massadas – Estávamos no ataque. Às vezes, batia na trave. No final das contas, tudo terminava em goleada.

Sullivan – Quem pediu essa música para a Gal foi o (produtor) Guto Graça Mello. Ele queria uma música muito legal para o show dela. Fizemos uma música de alegria. Igual o Roberto e Erasmo quando fizeram Meu Nome é Gal. Não se encomenda sucesso porque ninguém sabe fazer. Como compositor, eu sou um ator. Eu me transformo no artista para sonhar com ele. Então, não é uma encomenda, é uma inspiração. Quando Gal me pediu Um Dia de Domingo, aquela musa linda, eu fiquei calado por cinco minutos. Encomenda? Claro! Mas olha quem me pediu...

Massadas – A letra e a música foram feitas com a emoção da Gal. É uma incorporação. Fomos apenas tradutores daquele sentimento.

E aquele papo de 90% transpiração e 10% inspiração? Isso se aplicava a vocês?

Massadas – O suor é necessário. Se o jogador de futebol não suar em campo, é sinal que ele nem pegou na bola.

Sullivan – O suor é o exercício. Eu componho todos os dias. Você faz e tem vontade de fazer mais ainda. E, com isso, ocorrem coisas incríveis. Deslizes nós fizemos para o Roberto Carlos, em 1984. Ele ouviu, mas o disco dele já estava fechado. Ficou na gaveta. Mandei para umas 50 pessoas. Ninguém quis. Fagner gravou em 1987 e foi um estrondoso sucesso.

Atualmente, há o camping de composição. Os compositores se reúnem em um local, ficam dias por lá e fazem uma letra em cinco, seis pessoas. O que acham disso? Funcionaria para vocês?

Massadas – O bom é fazer amor em duas pessoas. Quando junta muita gente, cada um aponta para uma direção. E fica muito mais difícil achar um ponto em comum.

Vocês foram bem remunerados com direitos autorais, nesses anos todos?

Massadas – Não diria que ganhamos o merecido. Mas fizemos um volume grande de músicas. Fizemos muito sucesso e isso compensou. As músicas têm um pico de sucesso e depois caem. Isso não ocorreu com algumas das nossas canções.

Sullivan – Tem muito artista que fala mal do Ecad. Mas o problema é a inadimplência. O mercado, as rádios e as festas podem pagar até um limite. O cara gasta R$ 500 mil em um casamento, mas não quer pagar R$ 10 mil para o Ecad. Se fosse nos Estados Unidos, eu não ia vencer de contar dinheiro.

Por que a dupla acabou, afinal?

Sulllivan – Em 1994, estávamos com a Xuxa e o Massadas me falou: quero dar um tempo. Eu perguntei: vamos dar um tempo ou nos separar? Fiquei uma hora como ele ao telefone. Vamos dar um tempo ou parar mesmo? Eu disse, somos Black & Decker, Johnson & Johnson... Mas ele estava cansado. A distância (Sullivan se mudou para Miami) pesou também. Vai fazer 30 anos isso.

Na série do Globoplay Sullivan e Massadas revivem os tempos de baile Foto: Rogerio Vonkruger/ Mapafo

Vocês nunca mais fizeram uma música juntos. Com a reaproximação para a série, há essa possibilidade?

Massadas – A série traduziu o que foi a dupla. Colocou todo mundo em uma máquina do tempo e foi buscar essa saudade. Vai levar isso para as novas gerações. Nossa música nunca ficou antiga.

Mas a pergunta é: pode ou não sair uma música nova?

Sullivan – Não, não pensamos nisso. Estamos em um momento de celebração. Claro, sempre nos cobram. Se eu sentar com o Massadas, em uma semana fazemos um disco. Eu faço uma melodia aqui. Se eu ligar para ele depois dessa entrevista, sai uma letra. Isso é certo. Mas, não é assim. Somos um casal que de repente voltou. Temos 700 filhos (músicas) já criados. Às vezes, um tem dor de garganta, temos que cuidar. Não é o momento de pensar em música nova.

A série documental Sullivan & Massadas: Retratos e Canções, que recém estreou no Globoplay, em um primeiro momento pode até induzir o espectador à certa nostalgia. Afinal, quem viveu os anos 1980 sabe que a dupla de compositores Michael Sullivan e Paulo Massadas dominou as paradas, sobretudo com baladas românticas e extremamente populares, como Um Dia de Domingo, Leva, Me Dê Motivo, Amanhã Talvez e Amor Perfeito. Com a Xuxa, colocaram muitos adultos para cantar com Lua de Cristal e Brincar de Índio.

Michel Sullivan e Paulo Massadas: cerca de 700 músicas juntos Foto: Rogerio Vonkruger/ Mapa da Foto

No entanto, a série produzida pela Kuarup Produções, com argumento de Pedro Bial e André Barcinski, merece ser vista para além disso: faz, com justeza, uma revisão da produção dos compositores que, à época, à revelia do sucesso e dos milhões de discos vendidos pelos cantores que gravaram suas músicas, foram achincalhados pela crítica e por muitos pares.

“Tudo nosso não é bom. Mas também tudo não é ruim”, diz Sullivan, em entrevista ao Estadão. Junto na chamada de vídeo, está Massadas. “(a série) É quando o vento faz a curva para mostrar o que ainda tem que ser mostrado”, diz.

Além dos depoimentos dos protagonistas, nomes como Roberto Carlos, Gal Costa, Xuxa, Boni (ex-diretor geral da TV Globo), Alcione, Fagner, Sandra Sá e Zeca Baleiro aparecem em imagens de arquivo ou gravadas especialmente para a produção.

Gal (1945-2022), por exemplo, narra a verdadeira epopeia que foi gravar Um Dia de Domingo ao lado de Tim Maia. E, afora o lindo dueto que entrou para a história da música brasileira e transformou a vida de seus compositores, revela que só se encontrou com o parceiro no dia da gravação do programa do Chacrinha, para promover a canção. “Ele era difícil”, resume. Sullivan e Massadas confirmam tudo.

Ao Estadão, Sullivan & Massadas afirmam que conseguiram captar um clima que a abertura política trouxe ao país naquele início da década de 1980. Intuitivamente, dizem, usaram a linguagem pop para passar uma mensagem mais leve e acessível a todas as classes. Confirmam e desmentem histórias em torno de seus nomes, com franqueza e naturalidade. Com o mesmo desembaraço revelam por que nunca mais compuseram juntos desde que decidiram encerrar a parceria, há exatos 30 anos.

A série, além de contar a história da dupla Sullivan & Massadas, faz uma reavaliação sobre o trabalho que vocês desenvolveram. Uma espécie de reabilitação, assim como já foi feito com o trabalho do Lincoln Olivetti. Como é passar por esse processo?

Massadas - É quando o vento faz a curva para mostrar o que ainda tem que ser mostrado.

Sullivan – É uma justiça em relação à nossa história. Tudo nosso não é bom. Mas também tudo não é ruim. Em uma época, foi muito difícil para nós. Houve turbulências. Um patrulhamento absurdo. Quando começamos, estava tudo bem...Depois que o Tim Maia nos colocou no topo com Me Dê Motivo, os artistas começaram a pedir música para nós. O Roupa Nova, que era MPB, queria entrar no pop. Com isso, os grandes nomes (da música brasileira) ficaram inebriados e começaram a nos patrulhar. Muita gente fazia e gravava ótimas músicas, mas não vendia. A gente vendia! Fizemos muitos cantores entrar no clube do milhão (de vendas). Foi impossível parar o mar com a mãos. Nosso objetivo era dar voz a um Brasil continental e não apenas ao Sudeste, que sempre foi elitista. Eu e o Massadas somos plurais porque viemos da poeira dos bailes.

Na série, Massadas fala que vocês captaram um movimento que estava no ar, junto com a abertura do País, que começava a sair de uma ditadura. Foi algo intuitivo, então?

Massadas – Qualquer coisa que mude no sistema reflete na música. Com a democracia, era natural que a linguagem mudasse, passasse a ser pop. Foi intuitivo mesmo. Era uma nova postura. Estávamos prontos para aquele momento. Traduzimos emocionalmente o inconsciente coletivo, sem discriminação.

Sullivan – Descobrimos uma representatividade que não havia antes. Eu ouvi de tudo. Minha infância, no interior de Pernambuco, foi de (Dorival) Caymmi e Luiz Gonzaga - eu brincava com o Tim que a black music começou com o Gonzaga. Na adolescência, nos bailes, era Elvis Presley e Altemar Dutra. Nossas músicas têm de Vicente Celestino a Pink Floyd. Ela é de de inclusão. Nós unificamos o Brasil. Nossa música tem uma mensagem de amor bonita e direta. É uma poesia legível e acessível.

Três músicas marcaram o início da carreira de vocês: Whisky a Go Go, com Roupa Nova, Leva, com o Tim Maia, e Um Dia de Domingo, com Gal Costa e Tim. Qual foi, de fato, o ponto chave para o sucesso?

Sullivan - Um Dia de Domingo é nossa Garota de Ipanema. Com ela, as pessoas levaram um susto. Foi uma loucura. Em todos os continentes, há uma regravação para essa música. Mais tarde, com a Xuxa, foi outro susto. Como é que esses caras transformam o Brasil em um carrossel, em uma montanha russa, e colocam todo mundo para cantar músicas infantis? Transformamos o País em um parque de diversões. Essa é a verdade.

Muita gente dizia que o Miguel Plopschi (na época, diretor artístico da gravadora RCA) passou a impor para os artistas as músicas que vocês faziam. O que tem de verdade nisso?

Sullivan – O Miguel era como o mercado. Ele agia assim com todos que compunham, com Paulo Sergio Valle, Marcos Valle, Carlos Cola, Chico Roque, Ed Wilson e tantos outros. Quando um de nós chegava com uma música que ele acreditava, ele ia no artista e dizia “meu irmão, grava isso, é maravilhoso”. Não era só com a gente. Era com todos. Como estouramos demais, e o Miguel estava com a gente na parada, começaram a falar isso. Era briga de cachorro grande, de gravadoras. Se o Miguel apresentou uma música nossa para um artista e ele não quis gravar, nem eu e nem o Massadas ficamos sabemos.

Massadas – O Miguel fazia a coisa acontecer. Claro, no cargo dele, ele queria impor certas coisas. Mas chegou um momento, com o sucesso, que dissemos: agora parou, deixa com a gente.

Sullivan – Pintou um lance de Caim e Abel. E, claro, ficamos com fama de Abel. As pessoas querem dar desculpas por seus fracassos.

Nessa época, Maria Bethânia estava na RCA. Vocês fizeram Estranha Loucura para ela, é verdade?

Sullivan – Nós a fizemos para a Alcione. Dizem que o Miguel apresentou essa música para a Bethânia. Não sei se é verdade. Fizemos para a Marrom. Pensando nela.

Em determinado momento, vocês começaram a receber encomendas de músicas, atender aos pedidos. Isso começou a pesar para a dupla? Repetir um sucesso não é fácil. Gal estourou com Um Dia de Domingo, mas depois vocês fizeram Sou Mais Eu para ela e não deu o mesmo resultado.

Massadas – Estávamos no ataque. Às vezes, batia na trave. No final das contas, tudo terminava em goleada.

Sullivan – Quem pediu essa música para a Gal foi o (produtor) Guto Graça Mello. Ele queria uma música muito legal para o show dela. Fizemos uma música de alegria. Igual o Roberto e Erasmo quando fizeram Meu Nome é Gal. Não se encomenda sucesso porque ninguém sabe fazer. Como compositor, eu sou um ator. Eu me transformo no artista para sonhar com ele. Então, não é uma encomenda, é uma inspiração. Quando Gal me pediu Um Dia de Domingo, aquela musa linda, eu fiquei calado por cinco minutos. Encomenda? Claro! Mas olha quem me pediu...

Massadas – A letra e a música foram feitas com a emoção da Gal. É uma incorporação. Fomos apenas tradutores daquele sentimento.

E aquele papo de 90% transpiração e 10% inspiração? Isso se aplicava a vocês?

Massadas – O suor é necessário. Se o jogador de futebol não suar em campo, é sinal que ele nem pegou na bola.

Sullivan – O suor é o exercício. Eu componho todos os dias. Você faz e tem vontade de fazer mais ainda. E, com isso, ocorrem coisas incríveis. Deslizes nós fizemos para o Roberto Carlos, em 1984. Ele ouviu, mas o disco dele já estava fechado. Ficou na gaveta. Mandei para umas 50 pessoas. Ninguém quis. Fagner gravou em 1987 e foi um estrondoso sucesso.

Atualmente, há o camping de composição. Os compositores se reúnem em um local, ficam dias por lá e fazem uma letra em cinco, seis pessoas. O que acham disso? Funcionaria para vocês?

Massadas – O bom é fazer amor em duas pessoas. Quando junta muita gente, cada um aponta para uma direção. E fica muito mais difícil achar um ponto em comum.

Vocês foram bem remunerados com direitos autorais, nesses anos todos?

Massadas – Não diria que ganhamos o merecido. Mas fizemos um volume grande de músicas. Fizemos muito sucesso e isso compensou. As músicas têm um pico de sucesso e depois caem. Isso não ocorreu com algumas das nossas canções.

Sullivan – Tem muito artista que fala mal do Ecad. Mas o problema é a inadimplência. O mercado, as rádios e as festas podem pagar até um limite. O cara gasta R$ 500 mil em um casamento, mas não quer pagar R$ 10 mil para o Ecad. Se fosse nos Estados Unidos, eu não ia vencer de contar dinheiro.

Por que a dupla acabou, afinal?

Sulllivan – Em 1994, estávamos com a Xuxa e o Massadas me falou: quero dar um tempo. Eu perguntei: vamos dar um tempo ou nos separar? Fiquei uma hora como ele ao telefone. Vamos dar um tempo ou parar mesmo? Eu disse, somos Black & Decker, Johnson & Johnson... Mas ele estava cansado. A distância (Sullivan se mudou para Miami) pesou também. Vai fazer 30 anos isso.

Na série do Globoplay Sullivan e Massadas revivem os tempos de baile Foto: Rogerio Vonkruger/ Mapafo

Vocês nunca mais fizeram uma música juntos. Com a reaproximação para a série, há essa possibilidade?

Massadas – A série traduziu o que foi a dupla. Colocou todo mundo em uma máquina do tempo e foi buscar essa saudade. Vai levar isso para as novas gerações. Nossa música nunca ficou antiga.

Mas a pergunta é: pode ou não sair uma música nova?

Sullivan – Não, não pensamos nisso. Estamos em um momento de celebração. Claro, sempre nos cobram. Se eu sentar com o Massadas, em uma semana fazemos um disco. Eu faço uma melodia aqui. Se eu ligar para ele depois dessa entrevista, sai uma letra. Isso é certo. Mas, não é assim. Somos um casal que de repente voltou. Temos 700 filhos (músicas) já criados. Às vezes, um tem dor de garganta, temos que cuidar. Não é o momento de pensar em música nova.

Entrevista por Danilo Casaletti

Repórter de Cultura do Estadão

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