Sylvester Stallone vive chefe da máfia de Nova York, na série ‘Tulsa King’


‘Estou fazendo meu melhor trabalho’, afirmou o ator que já emprestou cara e músculos a personagens como Rambo e Rocky

Por Austin Considine

THE NEW YORK TIMES - Sylvester Stallone precisa de apresentação tanto quanto Rambo precisa de uma faca maior, ou Rocky de mais um soco na cara. Mas ele queria esclarecer uma coisa durante o chá no hotel St. Regis em Manhattan no mês passado, antes da estreia de sua nova série da Paramount+, Tulsa King.

Aqueles papéis que o deixaram famoso? Aqueles caras não eram ele de verdade. Claro que eram durões e que ele também é durão: aos 76 anos, ainda está sarado e faz suas próprias cenas de ação. Mas, apesar das exigências físicas, a parte da atuação era meio fácil, admitiu ele, principalmente depois de tantos rounds, tantas missões: oito filmes de Rocky, cinco de Rambo.

“Com esse cara aqui”, disse ele sobre seu personagem em Tulsa King, um gângster chamado Dwight Manfredi, “você tem que ser inteligente”. Ele também teve de ser outra coisa que não estava acostumado a ser diante das câmeras.

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“A coisa mais difícil na atuação é ser você mesmo”, disse ele, acrescentando: “E eu diria que, na minha idade, agora, provavelmente estou fazendo meu melhor trabalho, porque na verdade estou interpretando a mim mesmo”.

É bem o tipo de coisa que os atores dizem. Mas é difícil imaginar uma oportunidade melhor para Stallone ser ele mesmo. Como o desbotado, mas ainda temível Manfredi, ele consegue jogar duro ao mesmo tempo em que abraça sua inteligência e idiossincrasias. E Tulsa King acena para muitas das mesmas pessoas que cresceram vendo Stallone brigar nos anos 1980.

Sylvester Stallone é a estrela de 'Tulsa King', nova série da Paramount+, em que intepreta um mafioso. Foto: Sinna Nasseri/The New York Times
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Taylor Sheridan criou a série, que estreia em 25 de dezembro. Como o drama cowboy de Sheridan, Yellowstone (criado com John Linson), Tulsa King promete ser um favorito da audiência - misturando elementos consagrados pelo tempo e aprovados pelos pais, como o faroeste e o filme de gângster, com um pouco de comédia, outro pouco de politicamente incorreto e muito Stallone.

Para Stallone, Tulsa King oferece uma chance de experimentar algumas coisas novas: é seu primeiro papel importante na TV e seu primeiro papel sério como mafioso - nesse caso, um capo da família do crime que acabou de cumprir 25 anos de prisão e precisa se mudar para expandir as operações em Tulsa, Oklahoma.

Adaptação

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Mas a nova série também está em sintonia com uma mudança gradual em seu trabalho recente, sobretudo os filmes Creed. Stallone está mais velho agora, seu catálogo de lesões já é lendário e seus papéis estão evoluindo. O mundo também evoluiu, até mesmo o público para sua raça particular de homem americano do pós-guerra - com calções de boxe estrelados e a trilha sonora de Sammy Hagar. Os heróis do cinema que vieram depois - de uniformes de super-herói e tela verde - fazem filmes diferentes agora, cuidadosamente adaptados por conglomerados globais para evitar ferir suas estrelas ou ofender os censores chineses. O que uma estrela de ação acostumada a esfolar comunistas podia fazer?

A resposta, ao que parece, foi se adaptar. Mas dentro dos limites. Veja, por exemplo, uma cena de Tulsa King que ele me mostrou no celular, que envolvia o rosto de outro homem e um fogão elétrico muito quente.

“Acho que, quando você vai fazer violência, precisa fazer uma violência memorável”, disse ele. Fiz uma nota mental para escolher minhas palavras com mais cuidado durante o chá.

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Entusiasta de cavalos de longa data, Stallone conheceu Sheridan no Centro Equestre de Los Angeles, disse ele, quando Sheridan era mais conhecido como ator. Vários anos mais tarde, depois de se tornar um dos roteiristas mais requisitados de Hollywood, Sheridan apareceu com um roteiro piloto sobre “o melhor peixe fora d’água: um gângster que vai para o oeste”, disse Stallone. (Sheridan não estava disponível para comentários.)

Stallone disse que sempre quis interpretar um gângster a sério, desde que foi rejeitado como figurante em O Poderoso Chefão. (Oscar, sua comédia de máfia de 1991, não satisfez a vontade.) Ele assinou como protagonista e produtor executivo, e Sheridan transferiu as funções de showrunner para Terence Winter, a quem Stallone admirava desde muito tempo por seu trabalho em Boardwalk Empire e The Sopranos.

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Winter revisou o roteiro e começou a escrever e supervisionar os episódios subsequentes, já com Stallone em mente.

“É um presente quando você está escrevendo algo com um ator definido”, disse Winter. “Você tem a voz e a fisicalidade na cabeça. Então tudo foi feito sob medida para Sly”.

Nas conversas com outros integrantes da produção, a impressão é de que Stallone gostou muito dessa alfaiataria, uma sensação que ele tentou passar para os colegas de elenco.

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“A energia que ele trouxe, pessoalmente, me fez sentir que posso ser eu mesmo e me colocar no personagem”, disse Jay Will, que interpreta uma espécie de ajudante de Dwight, um jovem piloto chamado Tyson. “Sly tem uma autenticidade que está muito, muito na vanguarda de seu ser, muito sensível ao mundo”.

‘Precisamos de heróis mitológicos’

Na sua época, Rocky e Rambo representavam um certo segmento de homens americanos na era pós-Vietnã, pós-industrial, que carregavam as cicatrizes da violência, negligência, perda dos meios de subsistência e do propósito. Mas eles conseguiram sobreviver. Por mais ridículas que algumas das sequências tenham se tornado, o Rocky original, que Stallone escreveu, e o primeiro Rambo, que ele co-escreveu, são filmes ótimos, com temas grandes e sérios.

“Na verdade, odeio a palavra ator de ‘ação’ porque para mim é uma mitologia”, disse Stallone. Ninguém está reescrevendo a Odisseia, continuou ele, “mas a mentalidade é esta: precisamos de heróis mitológicos”.

Visto nesse contexto, o apelo de Tulsa King para um velho durão como Stallone faz sentido: quando se trata de heróis mitológicos de Hollywood, nem mesmo os Vingadores podem competir com cowboys e gângsteres.

Stallone não consegue mais interpretar heróis exatamente como interpretava, e não finge que pode. “É quase imperdoavelmente egoísta achar que vou ser mais rápido que um boina verde de 21 anos”, disse ele. “Tive que me conformar com isso”. Mas ele também não pendurou as chuteiras, mesmo que seus personagens agora precisem lidar com as perdas e os limites da idade.

Não são limites apenas físicos. Com base nas duas exibições exclusivas para os jornalistas, há uma cena cômica no início de Tulsa King, na qual Dwight acidentalmente fica chapado e se solta um pouco. Ele passou um quarto de século na prisão e agora se sente meio deslocado. Ele não está com raiva, só está confuso: “Um telefone é uma câmera!”. E “que p... aconteceu com os pronomes?”. Embora ele seja “totalmente a favor da mudança”, sente que “estão sempre mudando a linha de chegada”.

As séries de Sheridan muitas vezes são caracterizadas como “conservadoras” - uma visão redutora, já que Yellowstone foi o drama de maior audiência na televisão na última temporada. Mas o monólogo chapado de Dwight é, no mínimo, um tapete de boas-vindas para os espectadores que não precisaram passar a vida na cadeia para se sentirem confusos diante das rápidas mudanças na tecnologia e nas normas sociais. (Winter disse que a cena não pretende ser expressamente política - “não é uma declaração sobre a cultura woke”, mas sim “sobre a rapidez com que as coisas mudam”.) A cena vai irritar algumas sensibilidades, mas, depois de uns instantes, dá uma guinada.

“Quando eu era criança, no meu bairro, pelo menos eu sabia quem eu era”, Dwight declara a um exausto maconheiro interpretado por Martin Starr. Aí ele dá de ombros, e sua voz se aquieta. “Ou pelo menos eu achava que sabia”, diz ele. “Mas, na verdade, ninguém sabe de nada”.

Isso também soou bem Stallone: humildade diante dos deuses. Essa humildade foi ficando mais profunda, Stallone me disse, à medida que ele envelheceu e a vida foi se enchendo de perdas. Os filhos cresceram e foram embora. Os casamentos ficaram difíceis. Corpos envelhecidos. Amigos morreram.

“Depois dos 45, é tudo subtração”, disse ele. “E como você lida com a subtração?”

Minutos depois, ele respondeu à sua pergunta: Você se ajusta. Você segue em frente. Você se levanta para os desafios. Como artista, ele ainda acredita em histórias de oprimidos, disse ele, em “homem contra o sistema, mulher contra o sistema, mitologia moderna”. A luta talvez não pareça igual ao que era antes, mas você continua lutando mesmo assim. (Os Mercenários 4? deve sair no ano que vem.)

E o que você faz quando as coisas vão ficando cada vez mais difíceis?

“Ou você afunda ou você sai nadando”, disse ele. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

THE NEW YORK TIMES - Sylvester Stallone precisa de apresentação tanto quanto Rambo precisa de uma faca maior, ou Rocky de mais um soco na cara. Mas ele queria esclarecer uma coisa durante o chá no hotel St. Regis em Manhattan no mês passado, antes da estreia de sua nova série da Paramount+, Tulsa King.

Aqueles papéis que o deixaram famoso? Aqueles caras não eram ele de verdade. Claro que eram durões e que ele também é durão: aos 76 anos, ainda está sarado e faz suas próprias cenas de ação. Mas, apesar das exigências físicas, a parte da atuação era meio fácil, admitiu ele, principalmente depois de tantos rounds, tantas missões: oito filmes de Rocky, cinco de Rambo.

“Com esse cara aqui”, disse ele sobre seu personagem em Tulsa King, um gângster chamado Dwight Manfredi, “você tem que ser inteligente”. Ele também teve de ser outra coisa que não estava acostumado a ser diante das câmeras.

“A coisa mais difícil na atuação é ser você mesmo”, disse ele, acrescentando: “E eu diria que, na minha idade, agora, provavelmente estou fazendo meu melhor trabalho, porque na verdade estou interpretando a mim mesmo”.

É bem o tipo de coisa que os atores dizem. Mas é difícil imaginar uma oportunidade melhor para Stallone ser ele mesmo. Como o desbotado, mas ainda temível Manfredi, ele consegue jogar duro ao mesmo tempo em que abraça sua inteligência e idiossincrasias. E Tulsa King acena para muitas das mesmas pessoas que cresceram vendo Stallone brigar nos anos 1980.

Sylvester Stallone é a estrela de 'Tulsa King', nova série da Paramount+, em que intepreta um mafioso. Foto: Sinna Nasseri/The New York Times

Taylor Sheridan criou a série, que estreia em 25 de dezembro. Como o drama cowboy de Sheridan, Yellowstone (criado com John Linson), Tulsa King promete ser um favorito da audiência - misturando elementos consagrados pelo tempo e aprovados pelos pais, como o faroeste e o filme de gângster, com um pouco de comédia, outro pouco de politicamente incorreto e muito Stallone.

Para Stallone, Tulsa King oferece uma chance de experimentar algumas coisas novas: é seu primeiro papel importante na TV e seu primeiro papel sério como mafioso - nesse caso, um capo da família do crime que acabou de cumprir 25 anos de prisão e precisa se mudar para expandir as operações em Tulsa, Oklahoma.

Adaptação

Mas a nova série também está em sintonia com uma mudança gradual em seu trabalho recente, sobretudo os filmes Creed. Stallone está mais velho agora, seu catálogo de lesões já é lendário e seus papéis estão evoluindo. O mundo também evoluiu, até mesmo o público para sua raça particular de homem americano do pós-guerra - com calções de boxe estrelados e a trilha sonora de Sammy Hagar. Os heróis do cinema que vieram depois - de uniformes de super-herói e tela verde - fazem filmes diferentes agora, cuidadosamente adaptados por conglomerados globais para evitar ferir suas estrelas ou ofender os censores chineses. O que uma estrela de ação acostumada a esfolar comunistas podia fazer?

A resposta, ao que parece, foi se adaptar. Mas dentro dos limites. Veja, por exemplo, uma cena de Tulsa King que ele me mostrou no celular, que envolvia o rosto de outro homem e um fogão elétrico muito quente.

“Acho que, quando você vai fazer violência, precisa fazer uma violência memorável”, disse ele. Fiz uma nota mental para escolher minhas palavras com mais cuidado durante o chá.

Entusiasta de cavalos de longa data, Stallone conheceu Sheridan no Centro Equestre de Los Angeles, disse ele, quando Sheridan era mais conhecido como ator. Vários anos mais tarde, depois de se tornar um dos roteiristas mais requisitados de Hollywood, Sheridan apareceu com um roteiro piloto sobre “o melhor peixe fora d’água: um gângster que vai para o oeste”, disse Stallone. (Sheridan não estava disponível para comentários.)

Stallone disse que sempre quis interpretar um gângster a sério, desde que foi rejeitado como figurante em O Poderoso Chefão. (Oscar, sua comédia de máfia de 1991, não satisfez a vontade.) Ele assinou como protagonista e produtor executivo, e Sheridan transferiu as funções de showrunner para Terence Winter, a quem Stallone admirava desde muito tempo por seu trabalho em Boardwalk Empire e The Sopranos.

Winter revisou o roteiro e começou a escrever e supervisionar os episódios subsequentes, já com Stallone em mente.

“É um presente quando você está escrevendo algo com um ator definido”, disse Winter. “Você tem a voz e a fisicalidade na cabeça. Então tudo foi feito sob medida para Sly”.

Nas conversas com outros integrantes da produção, a impressão é de que Stallone gostou muito dessa alfaiataria, uma sensação que ele tentou passar para os colegas de elenco.

“A energia que ele trouxe, pessoalmente, me fez sentir que posso ser eu mesmo e me colocar no personagem”, disse Jay Will, que interpreta uma espécie de ajudante de Dwight, um jovem piloto chamado Tyson. “Sly tem uma autenticidade que está muito, muito na vanguarda de seu ser, muito sensível ao mundo”.

‘Precisamos de heróis mitológicos’

Na sua época, Rocky e Rambo representavam um certo segmento de homens americanos na era pós-Vietnã, pós-industrial, que carregavam as cicatrizes da violência, negligência, perda dos meios de subsistência e do propósito. Mas eles conseguiram sobreviver. Por mais ridículas que algumas das sequências tenham se tornado, o Rocky original, que Stallone escreveu, e o primeiro Rambo, que ele co-escreveu, são filmes ótimos, com temas grandes e sérios.

“Na verdade, odeio a palavra ator de ‘ação’ porque para mim é uma mitologia”, disse Stallone. Ninguém está reescrevendo a Odisseia, continuou ele, “mas a mentalidade é esta: precisamos de heróis mitológicos”.

Visto nesse contexto, o apelo de Tulsa King para um velho durão como Stallone faz sentido: quando se trata de heróis mitológicos de Hollywood, nem mesmo os Vingadores podem competir com cowboys e gângsteres.

Stallone não consegue mais interpretar heróis exatamente como interpretava, e não finge que pode. “É quase imperdoavelmente egoísta achar que vou ser mais rápido que um boina verde de 21 anos”, disse ele. “Tive que me conformar com isso”. Mas ele também não pendurou as chuteiras, mesmo que seus personagens agora precisem lidar com as perdas e os limites da idade.

Não são limites apenas físicos. Com base nas duas exibições exclusivas para os jornalistas, há uma cena cômica no início de Tulsa King, na qual Dwight acidentalmente fica chapado e se solta um pouco. Ele passou um quarto de século na prisão e agora se sente meio deslocado. Ele não está com raiva, só está confuso: “Um telefone é uma câmera!”. E “que p... aconteceu com os pronomes?”. Embora ele seja “totalmente a favor da mudança”, sente que “estão sempre mudando a linha de chegada”.

As séries de Sheridan muitas vezes são caracterizadas como “conservadoras” - uma visão redutora, já que Yellowstone foi o drama de maior audiência na televisão na última temporada. Mas o monólogo chapado de Dwight é, no mínimo, um tapete de boas-vindas para os espectadores que não precisaram passar a vida na cadeia para se sentirem confusos diante das rápidas mudanças na tecnologia e nas normas sociais. (Winter disse que a cena não pretende ser expressamente política - “não é uma declaração sobre a cultura woke”, mas sim “sobre a rapidez com que as coisas mudam”.) A cena vai irritar algumas sensibilidades, mas, depois de uns instantes, dá uma guinada.

“Quando eu era criança, no meu bairro, pelo menos eu sabia quem eu era”, Dwight declara a um exausto maconheiro interpretado por Martin Starr. Aí ele dá de ombros, e sua voz se aquieta. “Ou pelo menos eu achava que sabia”, diz ele. “Mas, na verdade, ninguém sabe de nada”.

Isso também soou bem Stallone: humildade diante dos deuses. Essa humildade foi ficando mais profunda, Stallone me disse, à medida que ele envelheceu e a vida foi se enchendo de perdas. Os filhos cresceram e foram embora. Os casamentos ficaram difíceis. Corpos envelhecidos. Amigos morreram.

“Depois dos 45, é tudo subtração”, disse ele. “E como você lida com a subtração?”

Minutos depois, ele respondeu à sua pergunta: Você se ajusta. Você segue em frente. Você se levanta para os desafios. Como artista, ele ainda acredita em histórias de oprimidos, disse ele, em “homem contra o sistema, mulher contra o sistema, mitologia moderna”. A luta talvez não pareça igual ao que era antes, mas você continua lutando mesmo assim. (Os Mercenários 4? deve sair no ano que vem.)

E o que você faz quando as coisas vão ficando cada vez mais difíceis?

“Ou você afunda ou você sai nadando”, disse ele. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

THE NEW YORK TIMES - Sylvester Stallone precisa de apresentação tanto quanto Rambo precisa de uma faca maior, ou Rocky de mais um soco na cara. Mas ele queria esclarecer uma coisa durante o chá no hotel St. Regis em Manhattan no mês passado, antes da estreia de sua nova série da Paramount+, Tulsa King.

Aqueles papéis que o deixaram famoso? Aqueles caras não eram ele de verdade. Claro que eram durões e que ele também é durão: aos 76 anos, ainda está sarado e faz suas próprias cenas de ação. Mas, apesar das exigências físicas, a parte da atuação era meio fácil, admitiu ele, principalmente depois de tantos rounds, tantas missões: oito filmes de Rocky, cinco de Rambo.

“Com esse cara aqui”, disse ele sobre seu personagem em Tulsa King, um gângster chamado Dwight Manfredi, “você tem que ser inteligente”. Ele também teve de ser outra coisa que não estava acostumado a ser diante das câmeras.

“A coisa mais difícil na atuação é ser você mesmo”, disse ele, acrescentando: “E eu diria que, na minha idade, agora, provavelmente estou fazendo meu melhor trabalho, porque na verdade estou interpretando a mim mesmo”.

É bem o tipo de coisa que os atores dizem. Mas é difícil imaginar uma oportunidade melhor para Stallone ser ele mesmo. Como o desbotado, mas ainda temível Manfredi, ele consegue jogar duro ao mesmo tempo em que abraça sua inteligência e idiossincrasias. E Tulsa King acena para muitas das mesmas pessoas que cresceram vendo Stallone brigar nos anos 1980.

Sylvester Stallone é a estrela de 'Tulsa King', nova série da Paramount+, em que intepreta um mafioso. Foto: Sinna Nasseri/The New York Times

Taylor Sheridan criou a série, que estreia em 25 de dezembro. Como o drama cowboy de Sheridan, Yellowstone (criado com John Linson), Tulsa King promete ser um favorito da audiência - misturando elementos consagrados pelo tempo e aprovados pelos pais, como o faroeste e o filme de gângster, com um pouco de comédia, outro pouco de politicamente incorreto e muito Stallone.

Para Stallone, Tulsa King oferece uma chance de experimentar algumas coisas novas: é seu primeiro papel importante na TV e seu primeiro papel sério como mafioso - nesse caso, um capo da família do crime que acabou de cumprir 25 anos de prisão e precisa se mudar para expandir as operações em Tulsa, Oklahoma.

Adaptação

Mas a nova série também está em sintonia com uma mudança gradual em seu trabalho recente, sobretudo os filmes Creed. Stallone está mais velho agora, seu catálogo de lesões já é lendário e seus papéis estão evoluindo. O mundo também evoluiu, até mesmo o público para sua raça particular de homem americano do pós-guerra - com calções de boxe estrelados e a trilha sonora de Sammy Hagar. Os heróis do cinema que vieram depois - de uniformes de super-herói e tela verde - fazem filmes diferentes agora, cuidadosamente adaptados por conglomerados globais para evitar ferir suas estrelas ou ofender os censores chineses. O que uma estrela de ação acostumada a esfolar comunistas podia fazer?

A resposta, ao que parece, foi se adaptar. Mas dentro dos limites. Veja, por exemplo, uma cena de Tulsa King que ele me mostrou no celular, que envolvia o rosto de outro homem e um fogão elétrico muito quente.

“Acho que, quando você vai fazer violência, precisa fazer uma violência memorável”, disse ele. Fiz uma nota mental para escolher minhas palavras com mais cuidado durante o chá.

Entusiasta de cavalos de longa data, Stallone conheceu Sheridan no Centro Equestre de Los Angeles, disse ele, quando Sheridan era mais conhecido como ator. Vários anos mais tarde, depois de se tornar um dos roteiristas mais requisitados de Hollywood, Sheridan apareceu com um roteiro piloto sobre “o melhor peixe fora d’água: um gângster que vai para o oeste”, disse Stallone. (Sheridan não estava disponível para comentários.)

Stallone disse que sempre quis interpretar um gângster a sério, desde que foi rejeitado como figurante em O Poderoso Chefão. (Oscar, sua comédia de máfia de 1991, não satisfez a vontade.) Ele assinou como protagonista e produtor executivo, e Sheridan transferiu as funções de showrunner para Terence Winter, a quem Stallone admirava desde muito tempo por seu trabalho em Boardwalk Empire e The Sopranos.

Winter revisou o roteiro e começou a escrever e supervisionar os episódios subsequentes, já com Stallone em mente.

“É um presente quando você está escrevendo algo com um ator definido”, disse Winter. “Você tem a voz e a fisicalidade na cabeça. Então tudo foi feito sob medida para Sly”.

Nas conversas com outros integrantes da produção, a impressão é de que Stallone gostou muito dessa alfaiataria, uma sensação que ele tentou passar para os colegas de elenco.

“A energia que ele trouxe, pessoalmente, me fez sentir que posso ser eu mesmo e me colocar no personagem”, disse Jay Will, que interpreta uma espécie de ajudante de Dwight, um jovem piloto chamado Tyson. “Sly tem uma autenticidade que está muito, muito na vanguarda de seu ser, muito sensível ao mundo”.

‘Precisamos de heróis mitológicos’

Na sua época, Rocky e Rambo representavam um certo segmento de homens americanos na era pós-Vietnã, pós-industrial, que carregavam as cicatrizes da violência, negligência, perda dos meios de subsistência e do propósito. Mas eles conseguiram sobreviver. Por mais ridículas que algumas das sequências tenham se tornado, o Rocky original, que Stallone escreveu, e o primeiro Rambo, que ele co-escreveu, são filmes ótimos, com temas grandes e sérios.

“Na verdade, odeio a palavra ator de ‘ação’ porque para mim é uma mitologia”, disse Stallone. Ninguém está reescrevendo a Odisseia, continuou ele, “mas a mentalidade é esta: precisamos de heróis mitológicos”.

Visto nesse contexto, o apelo de Tulsa King para um velho durão como Stallone faz sentido: quando se trata de heróis mitológicos de Hollywood, nem mesmo os Vingadores podem competir com cowboys e gângsteres.

Stallone não consegue mais interpretar heróis exatamente como interpretava, e não finge que pode. “É quase imperdoavelmente egoísta achar que vou ser mais rápido que um boina verde de 21 anos”, disse ele. “Tive que me conformar com isso”. Mas ele também não pendurou as chuteiras, mesmo que seus personagens agora precisem lidar com as perdas e os limites da idade.

Não são limites apenas físicos. Com base nas duas exibições exclusivas para os jornalistas, há uma cena cômica no início de Tulsa King, na qual Dwight acidentalmente fica chapado e se solta um pouco. Ele passou um quarto de século na prisão e agora se sente meio deslocado. Ele não está com raiva, só está confuso: “Um telefone é uma câmera!”. E “que p... aconteceu com os pronomes?”. Embora ele seja “totalmente a favor da mudança”, sente que “estão sempre mudando a linha de chegada”.

As séries de Sheridan muitas vezes são caracterizadas como “conservadoras” - uma visão redutora, já que Yellowstone foi o drama de maior audiência na televisão na última temporada. Mas o monólogo chapado de Dwight é, no mínimo, um tapete de boas-vindas para os espectadores que não precisaram passar a vida na cadeia para se sentirem confusos diante das rápidas mudanças na tecnologia e nas normas sociais. (Winter disse que a cena não pretende ser expressamente política - “não é uma declaração sobre a cultura woke”, mas sim “sobre a rapidez com que as coisas mudam”.) A cena vai irritar algumas sensibilidades, mas, depois de uns instantes, dá uma guinada.

“Quando eu era criança, no meu bairro, pelo menos eu sabia quem eu era”, Dwight declara a um exausto maconheiro interpretado por Martin Starr. Aí ele dá de ombros, e sua voz se aquieta. “Ou pelo menos eu achava que sabia”, diz ele. “Mas, na verdade, ninguém sabe de nada”.

Isso também soou bem Stallone: humildade diante dos deuses. Essa humildade foi ficando mais profunda, Stallone me disse, à medida que ele envelheceu e a vida foi se enchendo de perdas. Os filhos cresceram e foram embora. Os casamentos ficaram difíceis. Corpos envelhecidos. Amigos morreram.

“Depois dos 45, é tudo subtração”, disse ele. “E como você lida com a subtração?”

Minutos depois, ele respondeu à sua pergunta: Você se ajusta. Você segue em frente. Você se levanta para os desafios. Como artista, ele ainda acredita em histórias de oprimidos, disse ele, em “homem contra o sistema, mulher contra o sistema, mitologia moderna”. A luta talvez não pareça igual ao que era antes, mas você continua lutando mesmo assim. (Os Mercenários 4? deve sair no ano que vem.)

E o que você faz quando as coisas vão ficando cada vez mais difíceis?

“Ou você afunda ou você sai nadando”, disse ele. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

THE NEW YORK TIMES - Sylvester Stallone precisa de apresentação tanto quanto Rambo precisa de uma faca maior, ou Rocky de mais um soco na cara. Mas ele queria esclarecer uma coisa durante o chá no hotel St. Regis em Manhattan no mês passado, antes da estreia de sua nova série da Paramount+, Tulsa King.

Aqueles papéis que o deixaram famoso? Aqueles caras não eram ele de verdade. Claro que eram durões e que ele também é durão: aos 76 anos, ainda está sarado e faz suas próprias cenas de ação. Mas, apesar das exigências físicas, a parte da atuação era meio fácil, admitiu ele, principalmente depois de tantos rounds, tantas missões: oito filmes de Rocky, cinco de Rambo.

“Com esse cara aqui”, disse ele sobre seu personagem em Tulsa King, um gângster chamado Dwight Manfredi, “você tem que ser inteligente”. Ele também teve de ser outra coisa que não estava acostumado a ser diante das câmeras.

“A coisa mais difícil na atuação é ser você mesmo”, disse ele, acrescentando: “E eu diria que, na minha idade, agora, provavelmente estou fazendo meu melhor trabalho, porque na verdade estou interpretando a mim mesmo”.

É bem o tipo de coisa que os atores dizem. Mas é difícil imaginar uma oportunidade melhor para Stallone ser ele mesmo. Como o desbotado, mas ainda temível Manfredi, ele consegue jogar duro ao mesmo tempo em que abraça sua inteligência e idiossincrasias. E Tulsa King acena para muitas das mesmas pessoas que cresceram vendo Stallone brigar nos anos 1980.

Sylvester Stallone é a estrela de 'Tulsa King', nova série da Paramount+, em que intepreta um mafioso. Foto: Sinna Nasseri/The New York Times

Taylor Sheridan criou a série, que estreia em 25 de dezembro. Como o drama cowboy de Sheridan, Yellowstone (criado com John Linson), Tulsa King promete ser um favorito da audiência - misturando elementos consagrados pelo tempo e aprovados pelos pais, como o faroeste e o filme de gângster, com um pouco de comédia, outro pouco de politicamente incorreto e muito Stallone.

Para Stallone, Tulsa King oferece uma chance de experimentar algumas coisas novas: é seu primeiro papel importante na TV e seu primeiro papel sério como mafioso - nesse caso, um capo da família do crime que acabou de cumprir 25 anos de prisão e precisa se mudar para expandir as operações em Tulsa, Oklahoma.

Adaptação

Mas a nova série também está em sintonia com uma mudança gradual em seu trabalho recente, sobretudo os filmes Creed. Stallone está mais velho agora, seu catálogo de lesões já é lendário e seus papéis estão evoluindo. O mundo também evoluiu, até mesmo o público para sua raça particular de homem americano do pós-guerra - com calções de boxe estrelados e a trilha sonora de Sammy Hagar. Os heróis do cinema que vieram depois - de uniformes de super-herói e tela verde - fazem filmes diferentes agora, cuidadosamente adaptados por conglomerados globais para evitar ferir suas estrelas ou ofender os censores chineses. O que uma estrela de ação acostumada a esfolar comunistas podia fazer?

A resposta, ao que parece, foi se adaptar. Mas dentro dos limites. Veja, por exemplo, uma cena de Tulsa King que ele me mostrou no celular, que envolvia o rosto de outro homem e um fogão elétrico muito quente.

“Acho que, quando você vai fazer violência, precisa fazer uma violência memorável”, disse ele. Fiz uma nota mental para escolher minhas palavras com mais cuidado durante o chá.

Entusiasta de cavalos de longa data, Stallone conheceu Sheridan no Centro Equestre de Los Angeles, disse ele, quando Sheridan era mais conhecido como ator. Vários anos mais tarde, depois de se tornar um dos roteiristas mais requisitados de Hollywood, Sheridan apareceu com um roteiro piloto sobre “o melhor peixe fora d’água: um gângster que vai para o oeste”, disse Stallone. (Sheridan não estava disponível para comentários.)

Stallone disse que sempre quis interpretar um gângster a sério, desde que foi rejeitado como figurante em O Poderoso Chefão. (Oscar, sua comédia de máfia de 1991, não satisfez a vontade.) Ele assinou como protagonista e produtor executivo, e Sheridan transferiu as funções de showrunner para Terence Winter, a quem Stallone admirava desde muito tempo por seu trabalho em Boardwalk Empire e The Sopranos.

Winter revisou o roteiro e começou a escrever e supervisionar os episódios subsequentes, já com Stallone em mente.

“É um presente quando você está escrevendo algo com um ator definido”, disse Winter. “Você tem a voz e a fisicalidade na cabeça. Então tudo foi feito sob medida para Sly”.

Nas conversas com outros integrantes da produção, a impressão é de que Stallone gostou muito dessa alfaiataria, uma sensação que ele tentou passar para os colegas de elenco.

“A energia que ele trouxe, pessoalmente, me fez sentir que posso ser eu mesmo e me colocar no personagem”, disse Jay Will, que interpreta uma espécie de ajudante de Dwight, um jovem piloto chamado Tyson. “Sly tem uma autenticidade que está muito, muito na vanguarda de seu ser, muito sensível ao mundo”.

‘Precisamos de heróis mitológicos’

Na sua época, Rocky e Rambo representavam um certo segmento de homens americanos na era pós-Vietnã, pós-industrial, que carregavam as cicatrizes da violência, negligência, perda dos meios de subsistência e do propósito. Mas eles conseguiram sobreviver. Por mais ridículas que algumas das sequências tenham se tornado, o Rocky original, que Stallone escreveu, e o primeiro Rambo, que ele co-escreveu, são filmes ótimos, com temas grandes e sérios.

“Na verdade, odeio a palavra ator de ‘ação’ porque para mim é uma mitologia”, disse Stallone. Ninguém está reescrevendo a Odisseia, continuou ele, “mas a mentalidade é esta: precisamos de heróis mitológicos”.

Visto nesse contexto, o apelo de Tulsa King para um velho durão como Stallone faz sentido: quando se trata de heróis mitológicos de Hollywood, nem mesmo os Vingadores podem competir com cowboys e gângsteres.

Stallone não consegue mais interpretar heróis exatamente como interpretava, e não finge que pode. “É quase imperdoavelmente egoísta achar que vou ser mais rápido que um boina verde de 21 anos”, disse ele. “Tive que me conformar com isso”. Mas ele também não pendurou as chuteiras, mesmo que seus personagens agora precisem lidar com as perdas e os limites da idade.

Não são limites apenas físicos. Com base nas duas exibições exclusivas para os jornalistas, há uma cena cômica no início de Tulsa King, na qual Dwight acidentalmente fica chapado e se solta um pouco. Ele passou um quarto de século na prisão e agora se sente meio deslocado. Ele não está com raiva, só está confuso: “Um telefone é uma câmera!”. E “que p... aconteceu com os pronomes?”. Embora ele seja “totalmente a favor da mudança”, sente que “estão sempre mudando a linha de chegada”.

As séries de Sheridan muitas vezes são caracterizadas como “conservadoras” - uma visão redutora, já que Yellowstone foi o drama de maior audiência na televisão na última temporada. Mas o monólogo chapado de Dwight é, no mínimo, um tapete de boas-vindas para os espectadores que não precisaram passar a vida na cadeia para se sentirem confusos diante das rápidas mudanças na tecnologia e nas normas sociais. (Winter disse que a cena não pretende ser expressamente política - “não é uma declaração sobre a cultura woke”, mas sim “sobre a rapidez com que as coisas mudam”.) A cena vai irritar algumas sensibilidades, mas, depois de uns instantes, dá uma guinada.

“Quando eu era criança, no meu bairro, pelo menos eu sabia quem eu era”, Dwight declara a um exausto maconheiro interpretado por Martin Starr. Aí ele dá de ombros, e sua voz se aquieta. “Ou pelo menos eu achava que sabia”, diz ele. “Mas, na verdade, ninguém sabe de nada”.

Isso também soou bem Stallone: humildade diante dos deuses. Essa humildade foi ficando mais profunda, Stallone me disse, à medida que ele envelheceu e a vida foi se enchendo de perdas. Os filhos cresceram e foram embora. Os casamentos ficaram difíceis. Corpos envelhecidos. Amigos morreram.

“Depois dos 45, é tudo subtração”, disse ele. “E como você lida com a subtração?”

Minutos depois, ele respondeu à sua pergunta: Você se ajusta. Você segue em frente. Você se levanta para os desafios. Como artista, ele ainda acredita em histórias de oprimidos, disse ele, em “homem contra o sistema, mulher contra o sistema, mitologia moderna”. A luta talvez não pareça igual ao que era antes, mas você continua lutando mesmo assim. (Os Mercenários 4? deve sair no ano que vem.)

E o que você faz quando as coisas vão ficando cada vez mais difíceis?

“Ou você afunda ou você sai nadando”, disse ele. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

THE NEW YORK TIMES - Sylvester Stallone precisa de apresentação tanto quanto Rambo precisa de uma faca maior, ou Rocky de mais um soco na cara. Mas ele queria esclarecer uma coisa durante o chá no hotel St. Regis em Manhattan no mês passado, antes da estreia de sua nova série da Paramount+, Tulsa King.

Aqueles papéis que o deixaram famoso? Aqueles caras não eram ele de verdade. Claro que eram durões e que ele também é durão: aos 76 anos, ainda está sarado e faz suas próprias cenas de ação. Mas, apesar das exigências físicas, a parte da atuação era meio fácil, admitiu ele, principalmente depois de tantos rounds, tantas missões: oito filmes de Rocky, cinco de Rambo.

“Com esse cara aqui”, disse ele sobre seu personagem em Tulsa King, um gângster chamado Dwight Manfredi, “você tem que ser inteligente”. Ele também teve de ser outra coisa que não estava acostumado a ser diante das câmeras.

“A coisa mais difícil na atuação é ser você mesmo”, disse ele, acrescentando: “E eu diria que, na minha idade, agora, provavelmente estou fazendo meu melhor trabalho, porque na verdade estou interpretando a mim mesmo”.

É bem o tipo de coisa que os atores dizem. Mas é difícil imaginar uma oportunidade melhor para Stallone ser ele mesmo. Como o desbotado, mas ainda temível Manfredi, ele consegue jogar duro ao mesmo tempo em que abraça sua inteligência e idiossincrasias. E Tulsa King acena para muitas das mesmas pessoas que cresceram vendo Stallone brigar nos anos 1980.

Sylvester Stallone é a estrela de 'Tulsa King', nova série da Paramount+, em que intepreta um mafioso. Foto: Sinna Nasseri/The New York Times

Taylor Sheridan criou a série, que estreia em 25 de dezembro. Como o drama cowboy de Sheridan, Yellowstone (criado com John Linson), Tulsa King promete ser um favorito da audiência - misturando elementos consagrados pelo tempo e aprovados pelos pais, como o faroeste e o filme de gângster, com um pouco de comédia, outro pouco de politicamente incorreto e muito Stallone.

Para Stallone, Tulsa King oferece uma chance de experimentar algumas coisas novas: é seu primeiro papel importante na TV e seu primeiro papel sério como mafioso - nesse caso, um capo da família do crime que acabou de cumprir 25 anos de prisão e precisa se mudar para expandir as operações em Tulsa, Oklahoma.

Adaptação

Mas a nova série também está em sintonia com uma mudança gradual em seu trabalho recente, sobretudo os filmes Creed. Stallone está mais velho agora, seu catálogo de lesões já é lendário e seus papéis estão evoluindo. O mundo também evoluiu, até mesmo o público para sua raça particular de homem americano do pós-guerra - com calções de boxe estrelados e a trilha sonora de Sammy Hagar. Os heróis do cinema que vieram depois - de uniformes de super-herói e tela verde - fazem filmes diferentes agora, cuidadosamente adaptados por conglomerados globais para evitar ferir suas estrelas ou ofender os censores chineses. O que uma estrela de ação acostumada a esfolar comunistas podia fazer?

A resposta, ao que parece, foi se adaptar. Mas dentro dos limites. Veja, por exemplo, uma cena de Tulsa King que ele me mostrou no celular, que envolvia o rosto de outro homem e um fogão elétrico muito quente.

“Acho que, quando você vai fazer violência, precisa fazer uma violência memorável”, disse ele. Fiz uma nota mental para escolher minhas palavras com mais cuidado durante o chá.

Entusiasta de cavalos de longa data, Stallone conheceu Sheridan no Centro Equestre de Los Angeles, disse ele, quando Sheridan era mais conhecido como ator. Vários anos mais tarde, depois de se tornar um dos roteiristas mais requisitados de Hollywood, Sheridan apareceu com um roteiro piloto sobre “o melhor peixe fora d’água: um gângster que vai para o oeste”, disse Stallone. (Sheridan não estava disponível para comentários.)

Stallone disse que sempre quis interpretar um gângster a sério, desde que foi rejeitado como figurante em O Poderoso Chefão. (Oscar, sua comédia de máfia de 1991, não satisfez a vontade.) Ele assinou como protagonista e produtor executivo, e Sheridan transferiu as funções de showrunner para Terence Winter, a quem Stallone admirava desde muito tempo por seu trabalho em Boardwalk Empire e The Sopranos.

Winter revisou o roteiro e começou a escrever e supervisionar os episódios subsequentes, já com Stallone em mente.

“É um presente quando você está escrevendo algo com um ator definido”, disse Winter. “Você tem a voz e a fisicalidade na cabeça. Então tudo foi feito sob medida para Sly”.

Nas conversas com outros integrantes da produção, a impressão é de que Stallone gostou muito dessa alfaiataria, uma sensação que ele tentou passar para os colegas de elenco.

“A energia que ele trouxe, pessoalmente, me fez sentir que posso ser eu mesmo e me colocar no personagem”, disse Jay Will, que interpreta uma espécie de ajudante de Dwight, um jovem piloto chamado Tyson. “Sly tem uma autenticidade que está muito, muito na vanguarda de seu ser, muito sensível ao mundo”.

‘Precisamos de heróis mitológicos’

Na sua época, Rocky e Rambo representavam um certo segmento de homens americanos na era pós-Vietnã, pós-industrial, que carregavam as cicatrizes da violência, negligência, perda dos meios de subsistência e do propósito. Mas eles conseguiram sobreviver. Por mais ridículas que algumas das sequências tenham se tornado, o Rocky original, que Stallone escreveu, e o primeiro Rambo, que ele co-escreveu, são filmes ótimos, com temas grandes e sérios.

“Na verdade, odeio a palavra ator de ‘ação’ porque para mim é uma mitologia”, disse Stallone. Ninguém está reescrevendo a Odisseia, continuou ele, “mas a mentalidade é esta: precisamos de heróis mitológicos”.

Visto nesse contexto, o apelo de Tulsa King para um velho durão como Stallone faz sentido: quando se trata de heróis mitológicos de Hollywood, nem mesmo os Vingadores podem competir com cowboys e gângsteres.

Stallone não consegue mais interpretar heróis exatamente como interpretava, e não finge que pode. “É quase imperdoavelmente egoísta achar que vou ser mais rápido que um boina verde de 21 anos”, disse ele. “Tive que me conformar com isso”. Mas ele também não pendurou as chuteiras, mesmo que seus personagens agora precisem lidar com as perdas e os limites da idade.

Não são limites apenas físicos. Com base nas duas exibições exclusivas para os jornalistas, há uma cena cômica no início de Tulsa King, na qual Dwight acidentalmente fica chapado e se solta um pouco. Ele passou um quarto de século na prisão e agora se sente meio deslocado. Ele não está com raiva, só está confuso: “Um telefone é uma câmera!”. E “que p... aconteceu com os pronomes?”. Embora ele seja “totalmente a favor da mudança”, sente que “estão sempre mudando a linha de chegada”.

As séries de Sheridan muitas vezes são caracterizadas como “conservadoras” - uma visão redutora, já que Yellowstone foi o drama de maior audiência na televisão na última temporada. Mas o monólogo chapado de Dwight é, no mínimo, um tapete de boas-vindas para os espectadores que não precisaram passar a vida na cadeia para se sentirem confusos diante das rápidas mudanças na tecnologia e nas normas sociais. (Winter disse que a cena não pretende ser expressamente política - “não é uma declaração sobre a cultura woke”, mas sim “sobre a rapidez com que as coisas mudam”.) A cena vai irritar algumas sensibilidades, mas, depois de uns instantes, dá uma guinada.

“Quando eu era criança, no meu bairro, pelo menos eu sabia quem eu era”, Dwight declara a um exausto maconheiro interpretado por Martin Starr. Aí ele dá de ombros, e sua voz se aquieta. “Ou pelo menos eu achava que sabia”, diz ele. “Mas, na verdade, ninguém sabe de nada”.

Isso também soou bem Stallone: humildade diante dos deuses. Essa humildade foi ficando mais profunda, Stallone me disse, à medida que ele envelheceu e a vida foi se enchendo de perdas. Os filhos cresceram e foram embora. Os casamentos ficaram difíceis. Corpos envelhecidos. Amigos morreram.

“Depois dos 45, é tudo subtração”, disse ele. “E como você lida com a subtração?”

Minutos depois, ele respondeu à sua pergunta: Você se ajusta. Você segue em frente. Você se levanta para os desafios. Como artista, ele ainda acredita em histórias de oprimidos, disse ele, em “homem contra o sistema, mulher contra o sistema, mitologia moderna”. A luta talvez não pareça igual ao que era antes, mas você continua lutando mesmo assim. (Os Mercenários 4? deve sair no ano que vem.)

E o que você faz quando as coisas vão ficando cada vez mais difíceis?

“Ou você afunda ou você sai nadando”, disse ele. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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