Opinião|Terceira temporada de ‘O Urso’ é um jantar impecável, mas não satisfaz


Produção com Jeremy Allen White e Ayo Edebiri retorna com dez episódios inovadores na execução, mas às vezes obsoletos na repetição de conflitos estabelecidos - atenção aos spoilers

Por James Poniewozik
Atualização:

Atenção: este texto contém spoilers da terceira temporada de ‘O Urso’

Ninguém gosta de críticas ambíguas. Os momentos finais da terceira temporada de O Urso [ou The Bear, em inglês], que chega nesta quarta, 17, ao Disney+, confirmam isso, quando Carmy Berzatto (Jeremy Allen White), o maníaco de olhos esbugalhados no centro da comédia dramática, recebe um alerta no celular para a crítica tudo-ou-nada do Chicago Tribune sobre seu ambicioso e cacofônico restaurante. Ele já imaginou um milhão de versões dessa crítica: elogios absolutos, julgamentos devastadores. Agora chegou a hora da verdade.

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Não chegamos a ver a crítica, apenas um fluxo de palavras contraditórias, fora de contexto: “Brilhante”, “complexo”, “confuso”, “inovador”, “antiquado”, “talento”, “decepcionante”. Carmy, sozinho com o celular e o veredito, solta a última palavra da temporada: um sincero palavrão.

Desculpe, chef: às vezes, a verdade é confusa mesmo. E isso vale para a terceira temporada de O Urso, na qual uma das séries mais brilhantes da TV tenta uma elaboração complexa – e meio confusa – de seus temas. Os dez episódios muitas vezes são inovadores na execução, mas às vezes obsoletos na repetição de conflitos estabelecidos. É uma demonstração surpreendente de talento. Mas é provável que desaponte qualquer pessoa que espere um impulso narrativo.

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Não falta confiança a O Urso. O episódio que abre a temporada, ‘Amanhã’, é uma prova de virtuosismo que serve tanto como introdução orquestral quanto como episódio completo. Começando na manhã seguinte ao final da segunda temporada – em que Carmy abre o restaurante com sucesso, mas sabota seu romance com Claire (Molly Gordon) –, é um passeio impressionista pela consciência maníaca do protagonista.

Há pouquíssimos diálogos. A maior parte desse episódio, escrito pelo criador da série, Christopher Storer, conta suas histórias numa série de cortes rápidos ao som de uma trilha sonora hipnotizante de Trent Reznor e Atticus Ross. O episódio mergulha no passado próximo e distante, mostrando cenas das temporadas anteriores, vislumbres da terceira temporada e flashes da história de Carmy. Às vezes, é difícil distinguir o que é presente e o que é passado, pois estamos mergulhados em sua mente perseverante.

Trata-se de TV de alta gastronomia, o tipo de episódio que você só pode fazer quando tem um público cativo o suficiente para confiar no seu menu omakase. Quando assisti pela primeira vez, fiquei inquieto, pensando: “isso aqui é lindo, mas será que está me dizendo algo novo?” Quando assisti pela segunda vez, depois de terminar a temporada, fiquei impressionado e comovido. Se você assistiu à temporada completa, recomendo que volte e assista mais uma vez. Mas não é toda série que pode esperar esse tipo de compromisso do espectador, e não é todo espectador que quer se comprometer assim.

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O segundo episódio – depois de uma gloriosa montagem de créditos de abertura com uma Chicago acordando e começando a trabalhar – retorna ao modo série de TV. A maior parte do episódio funciona como uma peça de um ato só, na qual uma série de personagens reage à lista de “coisas inegociáveis” de Carmy para transformar o Urso em um dos melhores restaurantes do mundo. (Elas vão de “Evoluir constantemente por meio da paixão e da criatividade” a “Quebrar todas as caixas antes de colocá-las na lixeira”).

Ebon Moss-Bachrach (Richie), Jeremy Allen White (Carmy), Ayo Edebiri (Sydney) na terceira temporada de 'O Urso'. Foto: FX/Disney+/Divulgação

Para Sydney (Ayo Edebiri), a chef da cozinha, os decretos de Carmy – entre eles, que o cardápio mude todos os dias – fazem com que ela se pergunte se quer mesmo ser sócia dessa operação. Para Richie (Ebon Moss-Bachrach), o cara tosco que vira um Jedi na recepção do restaurante, “Carmy precisa dessas demonstrações de poder porque é um bebê replicante que não se realizou”. (O episódio, aliás, deve acabar com a discussão sobre se O Urso é de fato uma comédia: a série é hilária, exceto quando é um drama).

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As duas primeiras temporadas de O Urso tinham estilo e brilho visual de sobra, mas cada uma delas também tinha um arco narrativo bem fundamentado. Temporada 1: Carmy retorna a Chicago depois do suicídio do irmão, Michael (Jon Bernthal), para salvar o restaurante da família – na época uma lanchonete bem tradicional, chamada Beef. Segunda temporada: o Beef é relançado de um jeito meio caótico e se transforma no Urso, com a contagem regressiva do número de dias restantes para a reforma caindo no começo de cada episódio. Os dois problemas foram resolvidos – o Beef se manteve à tona, o Urso foi inaugurado – enquanto novos problemas surgem no horizonte.

A terceira temporada, por outro lado, é um teste de paciência. Um restaurante bom tenta subir de nível (e, de novo, sair do vermelho). Os conflitos que existiam continuam existindo. Carmy se esforça e se pune (ele larga o cigarro para economizar alguns minutos por dia no trabalho). Syd reprime sua ansiedade e suas dúvidas. Começamos a temporada nos perguntando se Carmy fará as pazes com Claire, se Syd assinará o contrato de sócia, se o patrono do Urso, o tio Jimmy (Oliver Platt), encerrará o projeto. Quando a temporada termina com um “Continua...”, as perguntas ainda estão no ar.

Mas seria simplista dizer que o problema é a falta de ação no enredo. Na verdade, seus dois melhores episódios, ambos na segunda metade da temporada, dão pouco ou nenhum andamento à história geral.

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Jeremy Allen White (Carmy) e Ayo Edebiri (Sydney) na terceira temporada de 'O Urso'. Foto: FX/Disney+/Divulgação

‘Guardanapos’, dirigido por Edebiri, é um flashback de Tina (Liza Colón-Zayas), que se torna cozinheira depois de perder um emprego de escritório e entrar no caos amigável do Beef, onde ela se solidariza com Michael. “Este lugar é um lixo”, diz ele. “Mas juro que tem dias que é muito divertido.”

Em ‘Lascas de gelo’, a irmã grávida de Carmy, Natalie (Abby Elliott), entra em trabalho de parto e é forçada a recorrer à última pessoa que ela quer durante uma crise: sua mãe, Donna (Jamie Lee Curtis), o vulcão álcool e cigarro que entrou em erupção no flashback da última temporada, ‘Peixes’. A amargura entre elas permanece, mas elas chegam a uma espécie de entendimento: no olhar intenso de Donna, você vê como uma mãe olha para uma filha e vê o futuro e o passado, sua própria vida representada fora dela.

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Nenhum dos episódios chega a avançar a história maior do restaurante. Cada um deles tem algo claro a dizer – sobre dignidade, sobre perdão – e o diz como um tiro no peito.

Falhas de uma série que supera limites

As temporadas anteriores de O Urso compreendiam a necessidade de equilibrar o devaneio artístico com o prazer descomplicado. O restaurante fictício é uma metáfora disso. Enquanto Carmy arruma meticulosamente as ervilhas na parte da frente da cozinha, uma janelinha lateral serve sanduíches de carne italiana para os antigos fregueses que dizem: “Não quero esse troço chique, quero o de sempre”.

Mas esta temporada muitas vezes gira elegantemente em falso, sobretudo no drama em torno de Carmy. Personagens que ficam presos a ciclos destrutivos podem ser material para séries de ótima qualidade – a filosofia de Sopranos era “as pessoas não mudam” – mas você precisa fazer isso com histórias novas.

Falando francamente, a temporada também parece um pouco cheia demais de seu amor por chefs da vida real, que são ostentados como ingredientes caros. A maior parte do episódio final é dedicada a uma festa que combina personagens com chefs de verdade – Grant Achatz! Christina Tosi! Wylie Dufresne! – numa mistura de atuações profissionais e amadoras que só causa distração. Eu sei que O Urso se esforça muito por sua boa-fé culinária, mas, a essa altura, tudo bem se concentrar apenas nos chefs fictícios que amamos.

Dito isso, estou tirando só meia estrela de um restaurante quatro estrelas. São falhas que você só percebe numa série que está superando todos os limites, enquanto boa parte do resto da TV se contenta em produzir cheeseburgers gourmetizados.

O que é notável em O Urso é a expressão de emoções e ideias por meio da comida e de seu preparo. A série aproveita a conexão do paladar e da memória – basta perguntar a Proust – para reproduzir emoção, como no adorável arco em que o chef confeiteiro Marcus (Lionel Boyce) canaliza a dor pela morte da mãe para sua culinária.

Jeremy Allen White (Carmy) na terceira temporada de 'O Urso'. Foto: FX/Disney+/Divulgação

Desde Treme, nenhuma série demonstrou tanto amor e especificidade por uma cidade e pelas pessoas que a fazem girar. E desde Halt and Catch Fire nenhuma série foi tão boa em dramatizar uma profissão que não seja de médicos ou policiais.

Como demonstra a história de Tina, o trabalho é importante porque paga as contas, sim, mas também porque cria um propósito. O Urso entende que a colaboração é um tipo de relacionamento íntimo, diferente da família, da amizade ou do romance. (É também por isso que a série nunca deve evocar o caso de amor entre Carmy e Sidney, que alguns fãs estão esperando).

E, assim como Halt, a série entende que o fracasso não é só superável, mas também é necessário. É assim que crescemos e avançamos. Somos pratos de carne Wagyu jogados no lixo pelo pecado de sermos quase perfeitos, repetidas vezes, na esperança de voltarmos um pouco melhor da próxima vez.

Esse tipo de busca pela perfeição pode parecer um desperdício e uma autodestruição. Talvez seja mesmo. Mas isso é equilibrado por outro tema da temporada: legado, ou a ideia de que todos com quem você trabalha vão continuar esse trabalho na próxima coisa que fizerem. Isso implica que não existe perfeição, pelo menos não no sentido de um estado final imperfectível. Você só pode avançar o máximo possível e preparar quem vier depois de você para ir mais longe.

Talvez o legado de Carmy seja encontrar um jeito de administrar o restaurante sem destruir a si mesmo e às pessoas ao seu redor. Mas também é possível imaginar O Urso sem o Urso – talvez o tio Jimmy corte o financiamento, talvez Sydney aceite a proposta de abrir seu próprio restaurante. Eu certamente pude ver isso implícito no flashback que encerra o episódio ‘Amanhã’: Carmy manda um prato de hamachi que é servido a Sydney (que na primeira temporada disse a Marcus que este era o melhor prato que ela já tinha comido), sentada numa sala de jantar edênica, emoldurada por árvores. Algo cresce a partir daí.

Infelizmente, a terceira temporada termina sem oferecer muita noção sobre os rumos da série. É um jantar impecável de dez pratos, mas não satisfaz. No final, eu ainda queria ir até a janelinha lateral para comer um sanduíche. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Atenção: este texto contém spoilers da terceira temporada de ‘O Urso’

Ninguém gosta de críticas ambíguas. Os momentos finais da terceira temporada de O Urso [ou The Bear, em inglês], que chega nesta quarta, 17, ao Disney+, confirmam isso, quando Carmy Berzatto (Jeremy Allen White), o maníaco de olhos esbugalhados no centro da comédia dramática, recebe um alerta no celular para a crítica tudo-ou-nada do Chicago Tribune sobre seu ambicioso e cacofônico restaurante. Ele já imaginou um milhão de versões dessa crítica: elogios absolutos, julgamentos devastadores. Agora chegou a hora da verdade.

Não chegamos a ver a crítica, apenas um fluxo de palavras contraditórias, fora de contexto: “Brilhante”, “complexo”, “confuso”, “inovador”, “antiquado”, “talento”, “decepcionante”. Carmy, sozinho com o celular e o veredito, solta a última palavra da temporada: um sincero palavrão.

Desculpe, chef: às vezes, a verdade é confusa mesmo. E isso vale para a terceira temporada de O Urso, na qual uma das séries mais brilhantes da TV tenta uma elaboração complexa – e meio confusa – de seus temas. Os dez episódios muitas vezes são inovadores na execução, mas às vezes obsoletos na repetição de conflitos estabelecidos. É uma demonstração surpreendente de talento. Mas é provável que desaponte qualquer pessoa que espere um impulso narrativo.

Não falta confiança a O Urso. O episódio que abre a temporada, ‘Amanhã’, é uma prova de virtuosismo que serve tanto como introdução orquestral quanto como episódio completo. Começando na manhã seguinte ao final da segunda temporada – em que Carmy abre o restaurante com sucesso, mas sabota seu romance com Claire (Molly Gordon) –, é um passeio impressionista pela consciência maníaca do protagonista.

Há pouquíssimos diálogos. A maior parte desse episódio, escrito pelo criador da série, Christopher Storer, conta suas histórias numa série de cortes rápidos ao som de uma trilha sonora hipnotizante de Trent Reznor e Atticus Ross. O episódio mergulha no passado próximo e distante, mostrando cenas das temporadas anteriores, vislumbres da terceira temporada e flashes da história de Carmy. Às vezes, é difícil distinguir o que é presente e o que é passado, pois estamos mergulhados em sua mente perseverante.

Trata-se de TV de alta gastronomia, o tipo de episódio que você só pode fazer quando tem um público cativo o suficiente para confiar no seu menu omakase. Quando assisti pela primeira vez, fiquei inquieto, pensando: “isso aqui é lindo, mas será que está me dizendo algo novo?” Quando assisti pela segunda vez, depois de terminar a temporada, fiquei impressionado e comovido. Se você assistiu à temporada completa, recomendo que volte e assista mais uma vez. Mas não é toda série que pode esperar esse tipo de compromisso do espectador, e não é todo espectador que quer se comprometer assim.

O segundo episódio – depois de uma gloriosa montagem de créditos de abertura com uma Chicago acordando e começando a trabalhar – retorna ao modo série de TV. A maior parte do episódio funciona como uma peça de um ato só, na qual uma série de personagens reage à lista de “coisas inegociáveis” de Carmy para transformar o Urso em um dos melhores restaurantes do mundo. (Elas vão de “Evoluir constantemente por meio da paixão e da criatividade” a “Quebrar todas as caixas antes de colocá-las na lixeira”).

Ebon Moss-Bachrach (Richie), Jeremy Allen White (Carmy), Ayo Edebiri (Sydney) na terceira temporada de 'O Urso'. Foto: FX/Disney+/Divulgação

Para Sydney (Ayo Edebiri), a chef da cozinha, os decretos de Carmy – entre eles, que o cardápio mude todos os dias – fazem com que ela se pergunte se quer mesmo ser sócia dessa operação. Para Richie (Ebon Moss-Bachrach), o cara tosco que vira um Jedi na recepção do restaurante, “Carmy precisa dessas demonstrações de poder porque é um bebê replicante que não se realizou”. (O episódio, aliás, deve acabar com a discussão sobre se O Urso é de fato uma comédia: a série é hilária, exceto quando é um drama).

As duas primeiras temporadas de O Urso tinham estilo e brilho visual de sobra, mas cada uma delas também tinha um arco narrativo bem fundamentado. Temporada 1: Carmy retorna a Chicago depois do suicídio do irmão, Michael (Jon Bernthal), para salvar o restaurante da família – na época uma lanchonete bem tradicional, chamada Beef. Segunda temporada: o Beef é relançado de um jeito meio caótico e se transforma no Urso, com a contagem regressiva do número de dias restantes para a reforma caindo no começo de cada episódio. Os dois problemas foram resolvidos – o Beef se manteve à tona, o Urso foi inaugurado – enquanto novos problemas surgem no horizonte.

A terceira temporada, por outro lado, é um teste de paciência. Um restaurante bom tenta subir de nível (e, de novo, sair do vermelho). Os conflitos que existiam continuam existindo. Carmy se esforça e se pune (ele larga o cigarro para economizar alguns minutos por dia no trabalho). Syd reprime sua ansiedade e suas dúvidas. Começamos a temporada nos perguntando se Carmy fará as pazes com Claire, se Syd assinará o contrato de sócia, se o patrono do Urso, o tio Jimmy (Oliver Platt), encerrará o projeto. Quando a temporada termina com um “Continua...”, as perguntas ainda estão no ar.

Mas seria simplista dizer que o problema é a falta de ação no enredo. Na verdade, seus dois melhores episódios, ambos na segunda metade da temporada, dão pouco ou nenhum andamento à história geral.

Jeremy Allen White (Carmy) e Ayo Edebiri (Sydney) na terceira temporada de 'O Urso'. Foto: FX/Disney+/Divulgação

‘Guardanapos’, dirigido por Edebiri, é um flashback de Tina (Liza Colón-Zayas), que se torna cozinheira depois de perder um emprego de escritório e entrar no caos amigável do Beef, onde ela se solidariza com Michael. “Este lugar é um lixo”, diz ele. “Mas juro que tem dias que é muito divertido.”

Em ‘Lascas de gelo’, a irmã grávida de Carmy, Natalie (Abby Elliott), entra em trabalho de parto e é forçada a recorrer à última pessoa que ela quer durante uma crise: sua mãe, Donna (Jamie Lee Curtis), o vulcão álcool e cigarro que entrou em erupção no flashback da última temporada, ‘Peixes’. A amargura entre elas permanece, mas elas chegam a uma espécie de entendimento: no olhar intenso de Donna, você vê como uma mãe olha para uma filha e vê o futuro e o passado, sua própria vida representada fora dela.

Nenhum dos episódios chega a avançar a história maior do restaurante. Cada um deles tem algo claro a dizer – sobre dignidade, sobre perdão – e o diz como um tiro no peito.

Falhas de uma série que supera limites

As temporadas anteriores de O Urso compreendiam a necessidade de equilibrar o devaneio artístico com o prazer descomplicado. O restaurante fictício é uma metáfora disso. Enquanto Carmy arruma meticulosamente as ervilhas na parte da frente da cozinha, uma janelinha lateral serve sanduíches de carne italiana para os antigos fregueses que dizem: “Não quero esse troço chique, quero o de sempre”.

Mas esta temporada muitas vezes gira elegantemente em falso, sobretudo no drama em torno de Carmy. Personagens que ficam presos a ciclos destrutivos podem ser material para séries de ótima qualidade – a filosofia de Sopranos era “as pessoas não mudam” – mas você precisa fazer isso com histórias novas.

Falando francamente, a temporada também parece um pouco cheia demais de seu amor por chefs da vida real, que são ostentados como ingredientes caros. A maior parte do episódio final é dedicada a uma festa que combina personagens com chefs de verdade – Grant Achatz! Christina Tosi! Wylie Dufresne! – numa mistura de atuações profissionais e amadoras que só causa distração. Eu sei que O Urso se esforça muito por sua boa-fé culinária, mas, a essa altura, tudo bem se concentrar apenas nos chefs fictícios que amamos.

Dito isso, estou tirando só meia estrela de um restaurante quatro estrelas. São falhas que você só percebe numa série que está superando todos os limites, enquanto boa parte do resto da TV se contenta em produzir cheeseburgers gourmetizados.

O que é notável em O Urso é a expressão de emoções e ideias por meio da comida e de seu preparo. A série aproveita a conexão do paladar e da memória – basta perguntar a Proust – para reproduzir emoção, como no adorável arco em que o chef confeiteiro Marcus (Lionel Boyce) canaliza a dor pela morte da mãe para sua culinária.

Jeremy Allen White (Carmy) na terceira temporada de 'O Urso'. Foto: FX/Disney+/Divulgação

Desde Treme, nenhuma série demonstrou tanto amor e especificidade por uma cidade e pelas pessoas que a fazem girar. E desde Halt and Catch Fire nenhuma série foi tão boa em dramatizar uma profissão que não seja de médicos ou policiais.

Como demonstra a história de Tina, o trabalho é importante porque paga as contas, sim, mas também porque cria um propósito. O Urso entende que a colaboração é um tipo de relacionamento íntimo, diferente da família, da amizade ou do romance. (É também por isso que a série nunca deve evocar o caso de amor entre Carmy e Sidney, que alguns fãs estão esperando).

E, assim como Halt, a série entende que o fracasso não é só superável, mas também é necessário. É assim que crescemos e avançamos. Somos pratos de carne Wagyu jogados no lixo pelo pecado de sermos quase perfeitos, repetidas vezes, na esperança de voltarmos um pouco melhor da próxima vez.

Esse tipo de busca pela perfeição pode parecer um desperdício e uma autodestruição. Talvez seja mesmo. Mas isso é equilibrado por outro tema da temporada: legado, ou a ideia de que todos com quem você trabalha vão continuar esse trabalho na próxima coisa que fizerem. Isso implica que não existe perfeição, pelo menos não no sentido de um estado final imperfectível. Você só pode avançar o máximo possível e preparar quem vier depois de você para ir mais longe.

Talvez o legado de Carmy seja encontrar um jeito de administrar o restaurante sem destruir a si mesmo e às pessoas ao seu redor. Mas também é possível imaginar O Urso sem o Urso – talvez o tio Jimmy corte o financiamento, talvez Sydney aceite a proposta de abrir seu próprio restaurante. Eu certamente pude ver isso implícito no flashback que encerra o episódio ‘Amanhã’: Carmy manda um prato de hamachi que é servido a Sydney (que na primeira temporada disse a Marcus que este era o melhor prato que ela já tinha comido), sentada numa sala de jantar edênica, emoldurada por árvores. Algo cresce a partir daí.

Infelizmente, a terceira temporada termina sem oferecer muita noção sobre os rumos da série. É um jantar impecável de dez pratos, mas não satisfaz. No final, eu ainda queria ir até a janelinha lateral para comer um sanduíche. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Atenção: este texto contém spoilers da terceira temporada de ‘O Urso’

Ninguém gosta de críticas ambíguas. Os momentos finais da terceira temporada de O Urso [ou The Bear, em inglês], que chega nesta quarta, 17, ao Disney+, confirmam isso, quando Carmy Berzatto (Jeremy Allen White), o maníaco de olhos esbugalhados no centro da comédia dramática, recebe um alerta no celular para a crítica tudo-ou-nada do Chicago Tribune sobre seu ambicioso e cacofônico restaurante. Ele já imaginou um milhão de versões dessa crítica: elogios absolutos, julgamentos devastadores. Agora chegou a hora da verdade.

Não chegamos a ver a crítica, apenas um fluxo de palavras contraditórias, fora de contexto: “Brilhante”, “complexo”, “confuso”, “inovador”, “antiquado”, “talento”, “decepcionante”. Carmy, sozinho com o celular e o veredito, solta a última palavra da temporada: um sincero palavrão.

Desculpe, chef: às vezes, a verdade é confusa mesmo. E isso vale para a terceira temporada de O Urso, na qual uma das séries mais brilhantes da TV tenta uma elaboração complexa – e meio confusa – de seus temas. Os dez episódios muitas vezes são inovadores na execução, mas às vezes obsoletos na repetição de conflitos estabelecidos. É uma demonstração surpreendente de talento. Mas é provável que desaponte qualquer pessoa que espere um impulso narrativo.

Não falta confiança a O Urso. O episódio que abre a temporada, ‘Amanhã’, é uma prova de virtuosismo que serve tanto como introdução orquestral quanto como episódio completo. Começando na manhã seguinte ao final da segunda temporada – em que Carmy abre o restaurante com sucesso, mas sabota seu romance com Claire (Molly Gordon) –, é um passeio impressionista pela consciência maníaca do protagonista.

Há pouquíssimos diálogos. A maior parte desse episódio, escrito pelo criador da série, Christopher Storer, conta suas histórias numa série de cortes rápidos ao som de uma trilha sonora hipnotizante de Trent Reznor e Atticus Ross. O episódio mergulha no passado próximo e distante, mostrando cenas das temporadas anteriores, vislumbres da terceira temporada e flashes da história de Carmy. Às vezes, é difícil distinguir o que é presente e o que é passado, pois estamos mergulhados em sua mente perseverante.

Trata-se de TV de alta gastronomia, o tipo de episódio que você só pode fazer quando tem um público cativo o suficiente para confiar no seu menu omakase. Quando assisti pela primeira vez, fiquei inquieto, pensando: “isso aqui é lindo, mas será que está me dizendo algo novo?” Quando assisti pela segunda vez, depois de terminar a temporada, fiquei impressionado e comovido. Se você assistiu à temporada completa, recomendo que volte e assista mais uma vez. Mas não é toda série que pode esperar esse tipo de compromisso do espectador, e não é todo espectador que quer se comprometer assim.

O segundo episódio – depois de uma gloriosa montagem de créditos de abertura com uma Chicago acordando e começando a trabalhar – retorna ao modo série de TV. A maior parte do episódio funciona como uma peça de um ato só, na qual uma série de personagens reage à lista de “coisas inegociáveis” de Carmy para transformar o Urso em um dos melhores restaurantes do mundo. (Elas vão de “Evoluir constantemente por meio da paixão e da criatividade” a “Quebrar todas as caixas antes de colocá-las na lixeira”).

Ebon Moss-Bachrach (Richie), Jeremy Allen White (Carmy), Ayo Edebiri (Sydney) na terceira temporada de 'O Urso'. Foto: FX/Disney+/Divulgação

Para Sydney (Ayo Edebiri), a chef da cozinha, os decretos de Carmy – entre eles, que o cardápio mude todos os dias – fazem com que ela se pergunte se quer mesmo ser sócia dessa operação. Para Richie (Ebon Moss-Bachrach), o cara tosco que vira um Jedi na recepção do restaurante, “Carmy precisa dessas demonstrações de poder porque é um bebê replicante que não se realizou”. (O episódio, aliás, deve acabar com a discussão sobre se O Urso é de fato uma comédia: a série é hilária, exceto quando é um drama).

As duas primeiras temporadas de O Urso tinham estilo e brilho visual de sobra, mas cada uma delas também tinha um arco narrativo bem fundamentado. Temporada 1: Carmy retorna a Chicago depois do suicídio do irmão, Michael (Jon Bernthal), para salvar o restaurante da família – na época uma lanchonete bem tradicional, chamada Beef. Segunda temporada: o Beef é relançado de um jeito meio caótico e se transforma no Urso, com a contagem regressiva do número de dias restantes para a reforma caindo no começo de cada episódio. Os dois problemas foram resolvidos – o Beef se manteve à tona, o Urso foi inaugurado – enquanto novos problemas surgem no horizonte.

A terceira temporada, por outro lado, é um teste de paciência. Um restaurante bom tenta subir de nível (e, de novo, sair do vermelho). Os conflitos que existiam continuam existindo. Carmy se esforça e se pune (ele larga o cigarro para economizar alguns minutos por dia no trabalho). Syd reprime sua ansiedade e suas dúvidas. Começamos a temporada nos perguntando se Carmy fará as pazes com Claire, se Syd assinará o contrato de sócia, se o patrono do Urso, o tio Jimmy (Oliver Platt), encerrará o projeto. Quando a temporada termina com um “Continua...”, as perguntas ainda estão no ar.

Mas seria simplista dizer que o problema é a falta de ação no enredo. Na verdade, seus dois melhores episódios, ambos na segunda metade da temporada, dão pouco ou nenhum andamento à história geral.

Jeremy Allen White (Carmy) e Ayo Edebiri (Sydney) na terceira temporada de 'O Urso'. Foto: FX/Disney+/Divulgação

‘Guardanapos’, dirigido por Edebiri, é um flashback de Tina (Liza Colón-Zayas), que se torna cozinheira depois de perder um emprego de escritório e entrar no caos amigável do Beef, onde ela se solidariza com Michael. “Este lugar é um lixo”, diz ele. “Mas juro que tem dias que é muito divertido.”

Em ‘Lascas de gelo’, a irmã grávida de Carmy, Natalie (Abby Elliott), entra em trabalho de parto e é forçada a recorrer à última pessoa que ela quer durante uma crise: sua mãe, Donna (Jamie Lee Curtis), o vulcão álcool e cigarro que entrou em erupção no flashback da última temporada, ‘Peixes’. A amargura entre elas permanece, mas elas chegam a uma espécie de entendimento: no olhar intenso de Donna, você vê como uma mãe olha para uma filha e vê o futuro e o passado, sua própria vida representada fora dela.

Nenhum dos episódios chega a avançar a história maior do restaurante. Cada um deles tem algo claro a dizer – sobre dignidade, sobre perdão – e o diz como um tiro no peito.

Falhas de uma série que supera limites

As temporadas anteriores de O Urso compreendiam a necessidade de equilibrar o devaneio artístico com o prazer descomplicado. O restaurante fictício é uma metáfora disso. Enquanto Carmy arruma meticulosamente as ervilhas na parte da frente da cozinha, uma janelinha lateral serve sanduíches de carne italiana para os antigos fregueses que dizem: “Não quero esse troço chique, quero o de sempre”.

Mas esta temporada muitas vezes gira elegantemente em falso, sobretudo no drama em torno de Carmy. Personagens que ficam presos a ciclos destrutivos podem ser material para séries de ótima qualidade – a filosofia de Sopranos era “as pessoas não mudam” – mas você precisa fazer isso com histórias novas.

Falando francamente, a temporada também parece um pouco cheia demais de seu amor por chefs da vida real, que são ostentados como ingredientes caros. A maior parte do episódio final é dedicada a uma festa que combina personagens com chefs de verdade – Grant Achatz! Christina Tosi! Wylie Dufresne! – numa mistura de atuações profissionais e amadoras que só causa distração. Eu sei que O Urso se esforça muito por sua boa-fé culinária, mas, a essa altura, tudo bem se concentrar apenas nos chefs fictícios que amamos.

Dito isso, estou tirando só meia estrela de um restaurante quatro estrelas. São falhas que você só percebe numa série que está superando todos os limites, enquanto boa parte do resto da TV se contenta em produzir cheeseburgers gourmetizados.

O que é notável em O Urso é a expressão de emoções e ideias por meio da comida e de seu preparo. A série aproveita a conexão do paladar e da memória – basta perguntar a Proust – para reproduzir emoção, como no adorável arco em que o chef confeiteiro Marcus (Lionel Boyce) canaliza a dor pela morte da mãe para sua culinária.

Jeremy Allen White (Carmy) na terceira temporada de 'O Urso'. Foto: FX/Disney+/Divulgação

Desde Treme, nenhuma série demonstrou tanto amor e especificidade por uma cidade e pelas pessoas que a fazem girar. E desde Halt and Catch Fire nenhuma série foi tão boa em dramatizar uma profissão que não seja de médicos ou policiais.

Como demonstra a história de Tina, o trabalho é importante porque paga as contas, sim, mas também porque cria um propósito. O Urso entende que a colaboração é um tipo de relacionamento íntimo, diferente da família, da amizade ou do romance. (É também por isso que a série nunca deve evocar o caso de amor entre Carmy e Sidney, que alguns fãs estão esperando).

E, assim como Halt, a série entende que o fracasso não é só superável, mas também é necessário. É assim que crescemos e avançamos. Somos pratos de carne Wagyu jogados no lixo pelo pecado de sermos quase perfeitos, repetidas vezes, na esperança de voltarmos um pouco melhor da próxima vez.

Esse tipo de busca pela perfeição pode parecer um desperdício e uma autodestruição. Talvez seja mesmo. Mas isso é equilibrado por outro tema da temporada: legado, ou a ideia de que todos com quem você trabalha vão continuar esse trabalho na próxima coisa que fizerem. Isso implica que não existe perfeição, pelo menos não no sentido de um estado final imperfectível. Você só pode avançar o máximo possível e preparar quem vier depois de você para ir mais longe.

Talvez o legado de Carmy seja encontrar um jeito de administrar o restaurante sem destruir a si mesmo e às pessoas ao seu redor. Mas também é possível imaginar O Urso sem o Urso – talvez o tio Jimmy corte o financiamento, talvez Sydney aceite a proposta de abrir seu próprio restaurante. Eu certamente pude ver isso implícito no flashback que encerra o episódio ‘Amanhã’: Carmy manda um prato de hamachi que é servido a Sydney (que na primeira temporada disse a Marcus que este era o melhor prato que ela já tinha comido), sentada numa sala de jantar edênica, emoldurada por árvores. Algo cresce a partir daí.

Infelizmente, a terceira temporada termina sem oferecer muita noção sobre os rumos da série. É um jantar impecável de dez pratos, mas não satisfaz. No final, eu ainda queria ir até a janelinha lateral para comer um sanduíche. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Atenção: este texto contém spoilers da terceira temporada de ‘O Urso’

Ninguém gosta de críticas ambíguas. Os momentos finais da terceira temporada de O Urso [ou The Bear, em inglês], que chega nesta quarta, 17, ao Disney+, confirmam isso, quando Carmy Berzatto (Jeremy Allen White), o maníaco de olhos esbugalhados no centro da comédia dramática, recebe um alerta no celular para a crítica tudo-ou-nada do Chicago Tribune sobre seu ambicioso e cacofônico restaurante. Ele já imaginou um milhão de versões dessa crítica: elogios absolutos, julgamentos devastadores. Agora chegou a hora da verdade.

Não chegamos a ver a crítica, apenas um fluxo de palavras contraditórias, fora de contexto: “Brilhante”, “complexo”, “confuso”, “inovador”, “antiquado”, “talento”, “decepcionante”. Carmy, sozinho com o celular e o veredito, solta a última palavra da temporada: um sincero palavrão.

Desculpe, chef: às vezes, a verdade é confusa mesmo. E isso vale para a terceira temporada de O Urso, na qual uma das séries mais brilhantes da TV tenta uma elaboração complexa – e meio confusa – de seus temas. Os dez episódios muitas vezes são inovadores na execução, mas às vezes obsoletos na repetição de conflitos estabelecidos. É uma demonstração surpreendente de talento. Mas é provável que desaponte qualquer pessoa que espere um impulso narrativo.

Não falta confiança a O Urso. O episódio que abre a temporada, ‘Amanhã’, é uma prova de virtuosismo que serve tanto como introdução orquestral quanto como episódio completo. Começando na manhã seguinte ao final da segunda temporada – em que Carmy abre o restaurante com sucesso, mas sabota seu romance com Claire (Molly Gordon) –, é um passeio impressionista pela consciência maníaca do protagonista.

Há pouquíssimos diálogos. A maior parte desse episódio, escrito pelo criador da série, Christopher Storer, conta suas histórias numa série de cortes rápidos ao som de uma trilha sonora hipnotizante de Trent Reznor e Atticus Ross. O episódio mergulha no passado próximo e distante, mostrando cenas das temporadas anteriores, vislumbres da terceira temporada e flashes da história de Carmy. Às vezes, é difícil distinguir o que é presente e o que é passado, pois estamos mergulhados em sua mente perseverante.

Trata-se de TV de alta gastronomia, o tipo de episódio que você só pode fazer quando tem um público cativo o suficiente para confiar no seu menu omakase. Quando assisti pela primeira vez, fiquei inquieto, pensando: “isso aqui é lindo, mas será que está me dizendo algo novo?” Quando assisti pela segunda vez, depois de terminar a temporada, fiquei impressionado e comovido. Se você assistiu à temporada completa, recomendo que volte e assista mais uma vez. Mas não é toda série que pode esperar esse tipo de compromisso do espectador, e não é todo espectador que quer se comprometer assim.

O segundo episódio – depois de uma gloriosa montagem de créditos de abertura com uma Chicago acordando e começando a trabalhar – retorna ao modo série de TV. A maior parte do episódio funciona como uma peça de um ato só, na qual uma série de personagens reage à lista de “coisas inegociáveis” de Carmy para transformar o Urso em um dos melhores restaurantes do mundo. (Elas vão de “Evoluir constantemente por meio da paixão e da criatividade” a “Quebrar todas as caixas antes de colocá-las na lixeira”).

Ebon Moss-Bachrach (Richie), Jeremy Allen White (Carmy), Ayo Edebiri (Sydney) na terceira temporada de 'O Urso'. Foto: FX/Disney+/Divulgação

Para Sydney (Ayo Edebiri), a chef da cozinha, os decretos de Carmy – entre eles, que o cardápio mude todos os dias – fazem com que ela se pergunte se quer mesmo ser sócia dessa operação. Para Richie (Ebon Moss-Bachrach), o cara tosco que vira um Jedi na recepção do restaurante, “Carmy precisa dessas demonstrações de poder porque é um bebê replicante que não se realizou”. (O episódio, aliás, deve acabar com a discussão sobre se O Urso é de fato uma comédia: a série é hilária, exceto quando é um drama).

As duas primeiras temporadas de O Urso tinham estilo e brilho visual de sobra, mas cada uma delas também tinha um arco narrativo bem fundamentado. Temporada 1: Carmy retorna a Chicago depois do suicídio do irmão, Michael (Jon Bernthal), para salvar o restaurante da família – na época uma lanchonete bem tradicional, chamada Beef. Segunda temporada: o Beef é relançado de um jeito meio caótico e se transforma no Urso, com a contagem regressiva do número de dias restantes para a reforma caindo no começo de cada episódio. Os dois problemas foram resolvidos – o Beef se manteve à tona, o Urso foi inaugurado – enquanto novos problemas surgem no horizonte.

A terceira temporada, por outro lado, é um teste de paciência. Um restaurante bom tenta subir de nível (e, de novo, sair do vermelho). Os conflitos que existiam continuam existindo. Carmy se esforça e se pune (ele larga o cigarro para economizar alguns minutos por dia no trabalho). Syd reprime sua ansiedade e suas dúvidas. Começamos a temporada nos perguntando se Carmy fará as pazes com Claire, se Syd assinará o contrato de sócia, se o patrono do Urso, o tio Jimmy (Oliver Platt), encerrará o projeto. Quando a temporada termina com um “Continua...”, as perguntas ainda estão no ar.

Mas seria simplista dizer que o problema é a falta de ação no enredo. Na verdade, seus dois melhores episódios, ambos na segunda metade da temporada, dão pouco ou nenhum andamento à história geral.

Jeremy Allen White (Carmy) e Ayo Edebiri (Sydney) na terceira temporada de 'O Urso'. Foto: FX/Disney+/Divulgação

‘Guardanapos’, dirigido por Edebiri, é um flashback de Tina (Liza Colón-Zayas), que se torna cozinheira depois de perder um emprego de escritório e entrar no caos amigável do Beef, onde ela se solidariza com Michael. “Este lugar é um lixo”, diz ele. “Mas juro que tem dias que é muito divertido.”

Em ‘Lascas de gelo’, a irmã grávida de Carmy, Natalie (Abby Elliott), entra em trabalho de parto e é forçada a recorrer à última pessoa que ela quer durante uma crise: sua mãe, Donna (Jamie Lee Curtis), o vulcão álcool e cigarro que entrou em erupção no flashback da última temporada, ‘Peixes’. A amargura entre elas permanece, mas elas chegam a uma espécie de entendimento: no olhar intenso de Donna, você vê como uma mãe olha para uma filha e vê o futuro e o passado, sua própria vida representada fora dela.

Nenhum dos episódios chega a avançar a história maior do restaurante. Cada um deles tem algo claro a dizer – sobre dignidade, sobre perdão – e o diz como um tiro no peito.

Falhas de uma série que supera limites

As temporadas anteriores de O Urso compreendiam a necessidade de equilibrar o devaneio artístico com o prazer descomplicado. O restaurante fictício é uma metáfora disso. Enquanto Carmy arruma meticulosamente as ervilhas na parte da frente da cozinha, uma janelinha lateral serve sanduíches de carne italiana para os antigos fregueses que dizem: “Não quero esse troço chique, quero o de sempre”.

Mas esta temporada muitas vezes gira elegantemente em falso, sobretudo no drama em torno de Carmy. Personagens que ficam presos a ciclos destrutivos podem ser material para séries de ótima qualidade – a filosofia de Sopranos era “as pessoas não mudam” – mas você precisa fazer isso com histórias novas.

Falando francamente, a temporada também parece um pouco cheia demais de seu amor por chefs da vida real, que são ostentados como ingredientes caros. A maior parte do episódio final é dedicada a uma festa que combina personagens com chefs de verdade – Grant Achatz! Christina Tosi! Wylie Dufresne! – numa mistura de atuações profissionais e amadoras que só causa distração. Eu sei que O Urso se esforça muito por sua boa-fé culinária, mas, a essa altura, tudo bem se concentrar apenas nos chefs fictícios que amamos.

Dito isso, estou tirando só meia estrela de um restaurante quatro estrelas. São falhas que você só percebe numa série que está superando todos os limites, enquanto boa parte do resto da TV se contenta em produzir cheeseburgers gourmetizados.

O que é notável em O Urso é a expressão de emoções e ideias por meio da comida e de seu preparo. A série aproveita a conexão do paladar e da memória – basta perguntar a Proust – para reproduzir emoção, como no adorável arco em que o chef confeiteiro Marcus (Lionel Boyce) canaliza a dor pela morte da mãe para sua culinária.

Jeremy Allen White (Carmy) na terceira temporada de 'O Urso'. Foto: FX/Disney+/Divulgação

Desde Treme, nenhuma série demonstrou tanto amor e especificidade por uma cidade e pelas pessoas que a fazem girar. E desde Halt and Catch Fire nenhuma série foi tão boa em dramatizar uma profissão que não seja de médicos ou policiais.

Como demonstra a história de Tina, o trabalho é importante porque paga as contas, sim, mas também porque cria um propósito. O Urso entende que a colaboração é um tipo de relacionamento íntimo, diferente da família, da amizade ou do romance. (É também por isso que a série nunca deve evocar o caso de amor entre Carmy e Sidney, que alguns fãs estão esperando).

E, assim como Halt, a série entende que o fracasso não é só superável, mas também é necessário. É assim que crescemos e avançamos. Somos pratos de carne Wagyu jogados no lixo pelo pecado de sermos quase perfeitos, repetidas vezes, na esperança de voltarmos um pouco melhor da próxima vez.

Esse tipo de busca pela perfeição pode parecer um desperdício e uma autodestruição. Talvez seja mesmo. Mas isso é equilibrado por outro tema da temporada: legado, ou a ideia de que todos com quem você trabalha vão continuar esse trabalho na próxima coisa que fizerem. Isso implica que não existe perfeição, pelo menos não no sentido de um estado final imperfectível. Você só pode avançar o máximo possível e preparar quem vier depois de você para ir mais longe.

Talvez o legado de Carmy seja encontrar um jeito de administrar o restaurante sem destruir a si mesmo e às pessoas ao seu redor. Mas também é possível imaginar O Urso sem o Urso – talvez o tio Jimmy corte o financiamento, talvez Sydney aceite a proposta de abrir seu próprio restaurante. Eu certamente pude ver isso implícito no flashback que encerra o episódio ‘Amanhã’: Carmy manda um prato de hamachi que é servido a Sydney (que na primeira temporada disse a Marcus que este era o melhor prato que ela já tinha comido), sentada numa sala de jantar edênica, emoldurada por árvores. Algo cresce a partir daí.

Infelizmente, a terceira temporada termina sem oferecer muita noção sobre os rumos da série. É um jantar impecável de dez pratos, mas não satisfaz. No final, eu ainda queria ir até a janelinha lateral para comer um sanduíche. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Opinião por James Poniewozik

Crítico de TV do 'New York Times'.

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