The Last of Us, que estreou na HBO e HBO Max, é a mais nova série a tentar fazer justiça à obra original em que se inspira, no caso, um videogame que vendeu 37 milhões de cópias, além de atrair quem nunca pegou no controle de um Playstation - um aviso: este texto tem o ponto de vista do segundo grupo.
Para piorar, as adaptações de videogames, até aqui, não foram muito bem-sucedidas, em sua maioria, especialmente no caso de live action.
A série tem algumas vantagens sobre várias versões de games, como a participação de seu criador e roteirista, Neil Druckmann, que é showrunner aqui ao lado de Craig Mazin, credenciado pelo sucesso de Chernobyl. Tem um elenco para lá de competente, encabeçado por Pedro Pascal e Bella Ramsey, mas contando ainda com Melanie Lynskey, Anna Torv e Nick Offerman. O selo HBO também ajuda na expectativa de ser algo feito com cuidado. E é.
Há capricho na reprodução dos cenários devastados em um mundo pós-pandêmico. Não o nosso, afetado pelo SARS-CoV-2, mas um universo ficcional em que um fungo toma conta das pessoas, controlando-as, transformando-as em zumbis ultravelozes, com suas cabeças e rostos deformados. O desastre se deu em pouco tempo e afetou muita gente. Mesmo quem escapou, como o protagonista Joel (Pedro Pascal), teve muitas perdas pelo caminho. Vinte anos depois, ele sobrevive fazendo contrabandos em Boston e recebe a missão de ser guia e protetor de Ellie (Bella Ramsey), uma adolescente que pode ser a salvação da humanidade. Ele aceita, a contragosto.
Em sua jornada da costa leste para o oeste dos Estados Unidos, o rabugento Joel e a espevitada Ellie vão enfrentar muitos perigos, além dos infectados. O país foi dominado por um governo autocrata, conhecido como Fedra (Federal Disaster Response Agency, ou Agência Federal de Reposta a Desastres). Os sobreviventes foram colocados em zonas de quarentena, regiões protegidas dentro das cidades, de onde não podem sair sem autorização. Nessas áreas, atuam células da milícia conhecida como Fireflies, que lutam pela volta da democracia. Em certas cidades, há outros grupos de rebeldes que não aceitam ser governados nem pela Fedra nem pelos Fireflies. O caos impera, e nunca dá para saber se os humanos que encontram estão a seu lado ou contra. Então há cenas de ação suficientes, embora o espectador, aqui, não esteja no controle do jogo. Mas, mesmo assim, nem sempre elas têm o peso necessário ou são aterrorizantes o suficiente.
A primeira temporada tem nove episódios - o primeiro marca 85 minutos, um longa-metragem. Então há tempo para explorar outros personagens. O terceiro episódio, por exemplo, faz um grande desvio para falar do sobrevivencialista Bill (Nick Offerman) e seu companheiro Frank (Murray Bartlett), que apenas é citado no videogame. O capítulo é belo e reforça alguns pontos levantados por The Last of Us, principalmente da possibilidade de achar beleza em meio à anarquia, de manter a esperança apesar da desordem, da violência, do salve-se quem puder. Da tragédia que é fazer escolhas impossíveis.
Ainda assim, a estrutura de um videogame, com etapas a serem vencidas, ou pontos a serem superados, permanece. Cada episódio parece ter pelo menos um confronto e uma (ou várias) perda traumática. Talvez essa estrutura seja receio de desagradar aos fãs do videogame.
Certamente não ajuda que a adaptação do videogame lançado em 2013 chegue apenas dez anos depois, em meio a uma pandemia, depois de anos de séries, livros, games e filmes sobre eventos catastróficos e pós-apocalipse. Para se diferenciar, The Last of Us poderia nos deixar conviver mais com os personagens, mesmo que secundários, para que sintamos mais as perdas. Ou realmente destacar o horror que é viver nessa sociedade. Ou os dois.
A série é boa e deve fazer sucesso. Provavelmente é a melhor adaptação de um videogame, ou uma das melhores - não que houvesse muita concorrência. Mas, com esse elenco, esses nomes na liderança, o apoio da HBO, tinha potencial para ser brilhante.